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04 de Julho de 2012 às 14:09

Democracia versus Zona Euro

A União Europeia é uma quase-federação voluntária de estados soberanos e democráticos em que as eleições são importantes e em que cada país procura determinar o seu próprio destino, independentemente dos desejos dos seus parceiros.

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A União Europeia é uma quase-federação voluntária de estados soberanos e democráticos em que as eleições são importantes e em que cada país procura determinar o seu próprio destino, independentemente dos desejos dos seus parceiros. Mas parece estar à vista de todos que a Zona Euro foi construída com um acordo institucional distinto em mente. Na verdade, essa diferença entre a teoria e a prática tornou-se na principal razão da actual crise da união monetária.

No último mês de Outubro, o então primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, propôs um referendo popular ao segundo pacote de resgate que tinha sido acordado na cimeira da União Europeia, em Bruxelas. A chanceler Angela Merkel e o antigo presidente francês Nicolas Sarkozy rapidamente o reprovaram e os gregos acabaram por nunca votar esse referendo.

Menos de um ano depois, o referendo está de facto em terreno. Numa união de democracias, é impossível forçar países soberanos a aderirem a regras se os cidadãos já não as aceitarem.

Isto tem profundas implicações: todos os grandiosos planos para criar uma união política que sirva de suporte ao euro com uma política orçamental comum não poderão funcionar se os estados membros da União Europeia continuarem democráticos e soberanos. Os governos até podem assinar tratados e assumirem compromissos solenes para subordinar a sua política orçamental às normas europeias (ou, para ser mais preciso, aos desejos da Alemanha e do Banco Central Europeu). Mas, no final de contas, o “povo” continua a ser o verdadeiro soberano, e pode escolher ignorar as promessas dos governos e rejeitar quaisquer programas de ajustamento vindos de Bruxelas.

Ao contrário dos Estados Unidos, a União Europeia não pode enviar militares para obrigar ao cumprimento dos pactos ou para cobrar dívidas. Qualquer país pode deixar a União Europeia, e depois a Zona Euro, quando o encargo observado com as obrigações se torna demasiado penoso. Até agora, tem sido assumido que o custo de uma saída seria tão elevado que não poderia ser colocado em cima da mesa. Tal já não é verdade, pelo menos para a Grécia.

Mas, em termos gerais, os compromissos comunitários tornaram-se relativos, o que implica que as obrigações europeias garantidas em conjunto poderão não ser a solução milagrosa que alguns esperam. A partir do momento em que os estados membros permanecem totalmente soberanos, ninguém pode assegurar os investidores de que, no caso de um desmembramento da Zona Euro, alguns estados não vão recusar-se a pagar ou, pelo menos, recusar-se a pagar pelos outros. Não é surpreendente que as obrigações emitidas pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF – o fundo de resgate da Zona Euro) estejam a negociar com um prémio considerável face à dívida alemã.

Todas as “eurobonds” surgem com condicionalidades supostamente fortes. Os países que as querem emitir têm de seguir normas orçamentais estritas. Mas quem garante que tais normas vão mesmo ser seguidas? A vitória de François Hollande sobre Sarkozy, na eleição presidencial de França, mostra que há um consenso aparente perante o facto de a necessidade de seguir a austeridade se poder desmoronar rapidamente. Que recursos têm os países credores para a eventualidade de os países devedores se tornarem na maioria e decidirem aumentar a despesa?

As recentemente acordadas medidas para fortalecer a coordenação económico-política na Zona Euro implicam que, em princípio, a Comissão Europeia deve ser o árbitro em tais temas e que os programas de ajustamento podem ser formalmente revogados por uma maioria de dois terços dos parlamentos dos estados membros. Mas é improvável que a Comissão venha a impor a sua visão sobre um grande país.

A experiência de Espanha dá algumas luzes a este respeito. Depois das recentes eleições que aí tiveram lugar, o presidente do governo, Mariano Rajoy, anunciou que não se sentia comprometido com o programa de ajustamento acordado pelo anterior executivo. Rajoy foi severamente repreendido pela forma com que fez tal anúncio, mas, em substância, provou estar correcto: o programa de ajustamento de Espanha está agora a ser levado a cabo de modo mais suave.

A realidade é que os maiores estados membros são mais iguais que outros. É óbvio que isto não é justo mas a incapacidade de a União Europeia impor a sua visão sobre países democráticos pode até, por vezes, ser positiva, dado que até a Comissão Europeia é falível.

A mensagem de maior destaque saída das eleições na Grécia e na França é que a tentativa de impor uma ditadura dos credores benevolentes está a encontrar uma revolta nos devedores. Os mercados financeiros têm reagido de forma tão forte porque os investidores reconhecem que a palavra “soberana”, saída da expressão “dívida soberana”, significa um eleitorado que pode, simplesmente, decidir não pagar.

Este é já o caso da Grécia, mas o destino do euro será decidido em países sistemicamente mais importantes como Itália e Espanha. Apenas uma acção com determinação por parte dos governos, e com o apoio dos cidadãos, vai mostrar que merecem apoio sem reservas do resto da Zona Euro. Neste ponto, nada mais poderá salvar a moeda única.


Daniel Gros é director do Center for European Policy Studies (centro de estudos políticos europeus)


Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
VIDEO:
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Tradução: Diogo Cavaleiro




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