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As aparências iludem

Neste triste processo, todas as boas regras de gestão de projectos e de segurança informática foram sucessivamente negligenciadas. Só vejo uma pena justa para os culpados - mandá-los de novo para a escola.

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1. De Nova Iorque, o nosso primeiro-ministro encarregou-se de explicar aos portugueses que a tragédia da colocação de professores não era imputável ao seu governo. Era sim uma consequência das falhas do governo anterior, que não era seu, e da incapacidade de uma empresa externa, que obviamente também não é sua. Julgávamos nós que o actual governo era uma continuação do anterior (ou não existiria), com a mesma base política e o mesmo programa, mas não. Regressámos ao tempo das pesadas heranças, esse velho método desculpabilizante para tempos de crise e de falta de imaginação.

O actual executivo poderá ser o menos culpado de toda esta cadeia de incompetência «informática», mas não lhe fica bem varrer o lixo para debaixo do tapete, até porque não está totalmente isento de responsabilidades. Se nove dias são suficientes para realizar manualmente a tarefa da colocação de professores, mandaria a mais elementar prudência que a actual titular da Educação, para prevenir surpresas desagradáveis após o sucedido em Maio, a tivesse executado em paralelo com as correcções ao novo software. Neste triste processo, todas as boas regras de gestão de projectos e de segurança informática foram sucessivamente negligenciadas. Só vejo uma pena justa para os culpados - mandá-los de novo para a escola.

2. Bagão Félix tem o seu quê de cardeal Mazarin. Este jesuíta, protegido de Richelieu, foi designado primeiro- ministro de França pela regente Ana de Áustria quatro dias após a morte de Luís XIII, tornando-se o homem mais importante do reino durante cerca de vinte anos. Bagão, o Consensual, demorou quatro semanas a adquirir idêntico estatuto e não o ostentará certamente tanto tempo quanto o cardeal italiano ao serviço da coroa gaulesa. Pouco importa. No universo volátil em que o governo se move, a imagem pia e o estilo cortês de Bagão marcam pontos políticos nos terrenos mais inesperados. Do Bloco de Esquerda ao mainstream pensante, do analfabeto ao banqueiro, todos parecem seduzidos pelos modos romanos de Bagão.

Percebem-se as motivações dos fãs - o titular das Finanças vai ao encontro de sentimentos e axiomas estabelecidos. O primeiro deles é o da inveja individual. Por que diabo há-de alguém obter benefícios fiscais a partir de instrumentos que nem todos conhecem, só alguns dominam e a que somente uma «minoria» consegue aceder? Os PPR e as contas de poupança-habitação são alvos naturais do populismo de esquerda e de direita, assim como dos fiscalistas, que adoram argumentar com a inutilidade de tais incentivos para efeitos de poupança privada. Veremos. Após a eliminação dessas deduções, fico à espera de que me provem que a poupança não foi afectada e que umas dezenas de milhares de famílias da classe média não saíram prejudicadas com a medida. Doravante, estarei preparado para tudo. Por que não eliminar esses «absurdos» incentivos ao uso de energias renováveis, já que só os «ricos» as podem pagar e não há prova de que tenham contribuído para a melhoria do ambiente em Portugal? No limite, por que não eliminar as já ridículas deduções fiscais para despesas de educação? Quem quer filhos, que os sustente! Ou as da saúde, enquanto não estiverem sujeitas ao redentor princípio do utilizador-pagador?

3. A Zona Franca da Madeira é outro dos fantasmas politicamente correctos da nação. Que de iniquidade, de injustiça relativa, de préstimo a esse manipulador terceiro-mundista chamado Alberto João Jardim! É certo que às práticas oligárquicas e anti-democráticas do inimputável gestor da Madeira não é necessário acrescentar adjectivos. Mas, por mais que nos custe, não podemos ser trouxas. O off-shore madeirense é um entre os muitos que proliferam por esse mundo evoluído fora. No dia em que os nossos bancos se vissem impedidos de sediar grande parte das suas actividades financeiras na nossa última colónia africana, deslocar-se-iam de imediato para uma das muitas praças britânicas, espanholas ou luxemburguesas que continuam a beneficiar da zelosa protecção dos seus governos. Pela minha parte, veria com prazer Portugal na primeira linha do combate aos paraísos fiscais, desde que não estivéssemos sós que nem dom quixotes.

Aparentemente, Bagão, o Consensual, pensa o mesmo. Tanto assim é que a sua brava declaração de intenções, ante uma Judite de Sousa cristã e colaborante, passou, em três dias, para a gaveta do esquecimento. Não há como uma boa conversa com os banqueiros?

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