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13 de Maio de 2010 às 11:42

Acabou a crise, começou a austeridade

Sim, é um choque fiscal. Um choque ao contrário, que aumenta impostos, IVA, IRS, IRC, capitais. A farsa do campeonato do crescimento derramou-se no próprio dia em que fomos campeões. Agora não cresce mais a economia, cresce-se como país. Acabou-se o mimo...

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Sim, é um choque fiscal. Um choque ao contrário, que aumenta impostos, IVA, IRS, IRC, capitais. A farsa do campeonato do crescimento derramou-se no próprio dia em que fomos campeões. Agora não cresce mais a economia, cresce-se como país. Acabou-se o mimo.

O mimo era a negação; o sonho dos crescimentos futuros depois de termos falhado os passados. Daqui só se sai pagando as dívidas e consumindo tão pouco quanto se produz. Teimámos até perdermos o poder de decisão: a tia velha de Bruxelas deu-nos três berros e ordenou-nos o que fazer. E nós engolimos em seco: venha de lá a "recessão purificadora".

Mais IVA em todos os níveis, mais IRS para todos os trabalhadores acima do salário mínimo, mais IRC para grandes empresas, mais imposto sobre os capitais. Total: mil milhões de euros.

Do lado das despesas, redução dos salários da elite do Estado (políticos, gestores, reguladores) "para dar o exemplo", corte cego nas compras de bens e serviços. Total: mais mil e cem milhões de euros. É só fazer as contas: 7% de défice.

O plano não está ainda fechado entre PS e PSD. E falta assumir o que cortar 1,1 mil milhões de euros na despesa do Estado significa. A redução dos salários é uma bagatela nesse mar, que tanto dá o exemplo como muda de assunto. Porque para cortar tanto ou se vai às despesas sociais ou tem de penetrar-se em sectores tão sensíveis como álcool numa ferida de papel. Começando pelo sector da saúde. Pelos hospitais.

Sócrates andou a jogar ao Verdade ou Consequência com os portugueses durante os últimos anos, as últimas eleições, os últimos meses, as últimas semanas. Deu-lhes verdade a menos, agora dá-lhes consequência a mais. Impostos extraordinários, impostos ordinários, uma sangria desatada das veias dos exangues contribuintes.

Calhou esta proposta ter sido apresentada no mesmo dia em que Portugal alcançou um crescimento económico recorde. Também Espanha saiu da recessão e ontem apresentou um plano de Herodes, dos impostos às contas bebé. Esta coincidência desmascara a tese da fé no crescimento: não basta. Teríamos que crescer como a China para que fosse suficiente. O nosso reequilíbrio orçamental exige receitas ao Estado, o nosso desequilíbrio externo força o nivelamento entre o que consumidos e produzimos.

Acabou-se o tempo dos pequenos PEC por tentativa e erro. Esta é a tentativa final, sem margem de erro. Os nossos credores não querem saber de nós, nunca quiseram, querem saber deles. Mas de nada serve excomungarmos a Alemanha ou a França pela intolerância com o passado e com o controlo para o futuro. Como é que se diz agora? "Pusemo-nos a jeito."

Que falta de jeito, a nossa. Alambazámo-nos a crédito e fomos o Pantagruel das receitas falhadas. Como alguém dizia ontem, o "há vida além do défice" deu nisto: défice além da vida.

Esta vertigem fiscal é odiosa mas deixou de ser evitável. Agora, que venha por bem. Que venha regenerar a economia e preparar a nova vida depois da mortandade. Há uma lição nestas décadas de desaire: o que aqui nos trouxe não serve. Nem ter dívidas a mais, começando pelas nossas; nem ostentar riquezas emprestadas; nem estas práticas de trabalho anticompetitivas; nem estas políticas; nem estes políticos. O Governo só não cai porque não tem para onde cair.


psg@negocios.pt




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