Opinião
Pagar para ter acções que nada valem
É inaceitável que aqueles que perderam tudo o que tinham investido em acções do BES continuem a pagar, todos os anos, por isso.
Comente aqui o artigo de Ulisses Pereira
Hoje vou deixar de lado os gráficos, a análise técnica dos principais índices mundiais e os habituais comentários sobre a evolução dos mercados que vão vivendo dias felizes. Há situações que são tão bizarras e lesivas para os investidores portugueses que têm que continuar a ser abordadas e denunciadas.
Já lá vão mais de cinco anos desde a resolução do BES. O Novo Banco continua a encher as capas dos jornais e a ser uma verdadeira arma de arremesso político, tal a quantidade de dinheiro que vai sendo sistematicamente injectado na nova instituição, resultante do acordo de venda do Novo Banco. O "caso BES" arrasta-se nos tribunais, num daqueles longos e penosos processos cujo fim estará muito longe de acontecer.
Todos falam dos "lesados do BES", os investidores que compraram obrigações do BES, afirmando que lhes foi vendido como se fosse risco zero. Não esperaria que dessem o mesmo tipo de atenção aos milhares de pequenos investidores que perderam tudo o que investiram em acções do BES. Sejamos justos - quem investe no mercado accionista sabe que é um negócio de risco, mesmo que, dias antes da implosão, o ex-Presidente da República tivesse dito que era um banco seguro.
O que é inaceitável é que aqueles que perderam tudo o que tinham investido em acções do BES continuem a pagar, todos os anos, por isso. Uma das premissas dos mercados financeiros é que quem investe em acções não pode perder mais do que investiu. Puro engano, que a sempre surpreendente Bolsa portuguesa se encarrega de desmentir. Muitos desses pequenos accionistas, que viram o BES implodir com as suas acções nas mãos, simplesmente abandonaram a Bolsa. É normal. É traumático. Mas, como o processo de insolvência ainda está em curso, as acções não foram extintas e muitos investidores apenas têm essas acções do BES na sua conta. E, por incrível que possa parecer, vários bancos cobram-lhes a comissão anual de guarda de títulos. Alguns deles até pedem que elas sejam retiradas das suas contas, mas tal não é possível e vários bancos cobram comissões de várias dezenas de euros e há casos de centenas de euros! Eu diria que isto é próprio de um país do terceiro mundo e não daquele que vai presidir à União Europeia nos próximos seis meses.
Um outro problema que cria o facto das acções não serem extintas tem a ver com a questão das mais-valias. Imaginem um investidor que nesse ano teve uma boa rentabilidade da sua carteira (se excluirmos o BES), mas os títulos do defunto banco provocaram-lhe um ano de menos-valias. Como não vendeu as acções, esse ano foi contabilizado como tendo mais-valias, pagando impostos sobre isso. Claro que com a habitual habilidade lusa para resolver problemas, alguns investidores vendem fora de Bolsa a um amigo, por um valor simbólico de 1 euro, de forma a poderem contabilizar as menos-valias e abater nas eventuais mais-valias que estejam a ter.
Parece que estamos a falar de esquemas ilícitos, mas são apenas soluções engenhosas para resolver este problema. A própria CMVM já manifestou algum desconforto com o tema, afirmando a preocupação de encontrar soluções para o resolver para impedir que os investidores paguem a custódia de títulos apenas porque detêm acções que, na prática, valem zero. Mas a instituição afirma que precisa do aval de outros organismos. Como sempre, o Governo e o Banco de Portugal têm mais do que pensar do que nos pequenos investidores.
Esta situação arrasta-se há quatro anos e é o espelho da imagem que a Bolsa portuguesa tem junto de muitos investidores. Alguns olharão para isto como um mero pormenor. Eu olho para esta situação como uma injustiça para os pequenos investidores e mais um sinal de como os poderes políticos continuam a olhar para o mercado accionista português como um mero local de especulação, não percebendo a importância que ele pode ter no desenvolvimento da economia portuguesa. Quantas vezes, na última década, ouvimos os políticos falar sobre a Bolsa portuguesa? Quase nenhuma. A palavra Bolsa, no nosso país, parece que está associada ao demónio, enquanto nos países mais desenvolvidos é peça chave no crescimento económico.
Estranho país este em que alguém que perdeu o dinheiro todo, depois da falência de um dos grandes bancos portugueses, ainda continue a pagar por isso. Esta é a melhor forma de fazer com que esses investidores nunca mais invistam na Bolsa portuguesa.
Artigo escrito em 18/12/20 às 12h30
Hoje vou deixar de lado os gráficos, a análise técnica dos principais índices mundiais e os habituais comentários sobre a evolução dos mercados que vão vivendo dias felizes. Há situações que são tão bizarras e lesivas para os investidores portugueses que têm que continuar a ser abordadas e denunciadas.
Todos falam dos "lesados do BES", os investidores que compraram obrigações do BES, afirmando que lhes foi vendido como se fosse risco zero. Não esperaria que dessem o mesmo tipo de atenção aos milhares de pequenos investidores que perderam tudo o que investiram em acções do BES. Sejamos justos - quem investe no mercado accionista sabe que é um negócio de risco, mesmo que, dias antes da implosão, o ex-Presidente da República tivesse dito que era um banco seguro.
O que é inaceitável é que aqueles que perderam tudo o que tinham investido em acções do BES continuem a pagar, todos os anos, por isso. Uma das premissas dos mercados financeiros é que quem investe em acções não pode perder mais do que investiu. Puro engano, que a sempre surpreendente Bolsa portuguesa se encarrega de desmentir. Muitos desses pequenos accionistas, que viram o BES implodir com as suas acções nas mãos, simplesmente abandonaram a Bolsa. É normal. É traumático. Mas, como o processo de insolvência ainda está em curso, as acções não foram extintas e muitos investidores apenas têm essas acções do BES na sua conta. E, por incrível que possa parecer, vários bancos cobram-lhes a comissão anual de guarda de títulos. Alguns deles até pedem que elas sejam retiradas das suas contas, mas tal não é possível e vários bancos cobram comissões de várias dezenas de euros e há casos de centenas de euros! Eu diria que isto é próprio de um país do terceiro mundo e não daquele que vai presidir à União Europeia nos próximos seis meses.
Um outro problema que cria o facto das acções não serem extintas tem a ver com a questão das mais-valias. Imaginem um investidor que nesse ano teve uma boa rentabilidade da sua carteira (se excluirmos o BES), mas os títulos do defunto banco provocaram-lhe um ano de menos-valias. Como não vendeu as acções, esse ano foi contabilizado como tendo mais-valias, pagando impostos sobre isso. Claro que com a habitual habilidade lusa para resolver problemas, alguns investidores vendem fora de Bolsa a um amigo, por um valor simbólico de 1 euro, de forma a poderem contabilizar as menos-valias e abater nas eventuais mais-valias que estejam a ter.
Parece que estamos a falar de esquemas ilícitos, mas são apenas soluções engenhosas para resolver este problema. A própria CMVM já manifestou algum desconforto com o tema, afirmando a preocupação de encontrar soluções para o resolver para impedir que os investidores paguem a custódia de títulos apenas porque detêm acções que, na prática, valem zero. Mas a instituição afirma que precisa do aval de outros organismos. Como sempre, o Governo e o Banco de Portugal têm mais do que pensar do que nos pequenos investidores.
Esta situação arrasta-se há quatro anos e é o espelho da imagem que a Bolsa portuguesa tem junto de muitos investidores. Alguns olharão para isto como um mero pormenor. Eu olho para esta situação como uma injustiça para os pequenos investidores e mais um sinal de como os poderes políticos continuam a olhar para o mercado accionista português como um mero local de especulação, não percebendo a importância que ele pode ter no desenvolvimento da economia portuguesa. Quantas vezes, na última década, ouvimos os políticos falar sobre a Bolsa portuguesa? Quase nenhuma. A palavra Bolsa, no nosso país, parece que está associada ao demónio, enquanto nos países mais desenvolvidos é peça chave no crescimento económico.
Estranho país este em que alguém que perdeu o dinheiro todo, depois da falência de um dos grandes bancos portugueses, ainda continue a pagar por isso. Esta é a melhor forma de fazer com que esses investidores nunca mais invistam na Bolsa portuguesa.
Artigo escrito em 18/12/20 às 12h30
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
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