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03 de Outubro de 2013 às 00:01

PT trocou 100% de 10 por 10% de 100

A Oi vai engolir a PT, que vai mandar na Oi. Portugal perde o controlo da sua Telecom, que ganha escala atlântica. E tudo acontece como Zeinal e o BES quiseram. Mas esta fusão só correrá bem se nenhuma das partes quiser enganar a outra. Nesta Oi, os brasileiros são o maiúsculo e gordo O e os portugueses o minúsculo e ágil i.

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Nenhuma fusão nasce para correr bem. Por causa dos choques culturais. Pelas diferenças de rendibilidade e produtividade. Pela atracção pela inércia, através da qual as organizações dinamitam a mudança. Mas também pela repartição de poder. Pela definição sobre quantas vozes falam e qual delas fala mais alto. Na PT/Oi vai mandar Zeinal Bava.

Desde a OPA da Sonae, a PT transformara-se numa vaca leiteira de dividendos. Foram milhares de milhões entregues a accionistas, num perfil que agora mudou completamente. A PT passou a ser uma empresa de crescimento. Isso traz mais oportunidades. E mais risco. O que é notável é confirmar que o núcleo duro que dominou todo processo de privatização da PT (Zeinal, Granadeiro, Salgado, Ricciardi, Mora, Vasconcellos) mandavam em Portugal e mandarão no Brasil. Todos eles são homens BES. Todos. É impressionante ver como um grupo financeiro tão carente de dividendos e de vendas para baixar dívida consegue transpor o seu poder para o Oeste Atlântico.

Do desfile de vencedores que enfileiraram depois do anúncio da fusão, Zeinal Bava é o maior. Esta fusão foi desejada e preparada por ele. Bava é muito ambicioso. No Brasil de Jorge Amado não é asneira dizer que Zeinal tem tesão por ganhar e essa é exactamente a medida do seu desejo. Mas é também a sua cabeça que está em jogo: para o cepo ou para a coroação. A fusão PT/Oi não é o ponto de chegada, é um novo ponto de partida.

E Portugal? É possível olhar para esta fusão como uma venda da PT aos brasileiros, que ficam com 60%. Contudo, se ler os jornais brasileiros (como o Globo), a tónica é a contrária: a PT será a maior accionista com 40%, estando o restante distribuído por sete accionistas. Estas duas interpretações opostas sobre a realidade confirmam o instinto territorial que sempre existe numa fusão ou aquisição transfronteiriça.

O problema existe, mas não é esse. A nacionalidade do capital não é a questão central. A Zon Optimus cresce em cima de capital angolano e em benefício dos consumidores portugueses. E não é possível pensar que Portugal, pátria sem capital e com "ratings" de lixo, pode crescer sem capital estrangeiro. A questão central é se Portugal sai do radar da PT/Oi, se o centro de desenvolvimento e investigação zarpa daqui, se Zeinal passa a fazer de Lisboa a terrinha onde vem jardinar ao fim-de- -semana. Nenhuma filial resiste sem um director obcecado com a sua empresa e apaixonado pelo país onde gere. Nenhuma. E há centenas de casos em que gestores desapegados de Portugal levaram ao abandono de filiais e outros em que o seu empenho desvairado salvou e preserva fábricas ainda hoje. Portugal não sabe, mas deve-lhes imenso e muitos são estrangeiros.

A PT nunca sairá de Portugal, mas as ameaças e as oportunidades no Brasil são tão grandes que não é bom que Zeinal Bava não entregue a gestão em Lisboa a um administrador delegado que seja não só competente, mas doido por Portugal. O Governo, que apenas fala das necessidades de regulação, devia ter essa preocupação.

Empresas pequenas têm sempre de ser melhores que as grandes. A PT vai ter de ser sempre mais rentável, eficiente e inovadora para se manter à tona. Isso depende da engenharia e da gestão portuguesa. A gestão da PT/Oi foi agora tomada pelos portugueses, o que é bom. Esperemos que tenham sucesso, pois outra equipa de gestão perderá ainda menos segundos por hora a pensar neste lado do Oceano.

Esta fusão é boa para a PT, é boa para Zeinal e é boa para o BES, que trocaram o controlo de uma empresa pequena pela partilha de uma empresa grande. Ter 10% de 100 é completamente diferente de ter 100% de 10, para o bem e para o mal. Como um quilo de algodão pesa tanto como um quilo de ferro, mas só um deles flutua.

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