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Ainda o manifesto

Apesar de tudo o que já se escreveu sobre o manifesto dos 70, gostaria ainda de referir quatro problemas de honestidade e um equívoco grave neste documento. A primeira falta de honestidade reside na ausência de referências a contra-indicações da reestruturação da dívida, o que impede uma avaliação completa da proposta.

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O segundo problema ético consiste em dizer que a dívida pública subiu devido à crise internacional de 2008. Ela já vinha a subir, de 51% em 2000, para 68% do PIB em 2007, devido em parte aos problemas de crescimento, com que nos temos debatido em todo o século XXI. Além disso, é inevitável falar nas medidas eleitoralistas de 2009, na descontrolada execução de 2010, quando a zona do euro já estava a arder, bem como na dívida antiga escondida que a troika obrigou a assumir.

 

A terceira questão com a honestidade reside em propor uma reestruturação da dívida, como se isso fosse uma novidade, quando já aconteceu em 2011 (descida de taxa de juro em 2pp, para cerca de 3%) e em 2013 (aumento dos prazos em cerca de 7 anos).

 

Finalmente, será honesto e credível propor uma medida em que pedimos muito aos outros e não oferecemos nada em troca? Ou, pelo menos, o manifesto é omisso nas contrapartidas que teríamos de oferecer.

 

Além das questões éticas, há um erro grave na avaliação do problema do crescimento económico, que os subscritores do manifesto não reconhecem explicitamente que já existe há década e meia. Dizem, implicitamente (o texto é todo ele conceptualmente confuso), que o problema resulta da falta de despesa pública (mas não foi pelo seu excesso que tivemos de chamar a "troika"?), ou da falta de procura interna. Mas nas duas últimas décadas que Portugal tem registado um elevado excesso de procura, que não se tem traduzido em crescimento, mas em importações e na acumulação de uma das maiores dívidas externas do mundo.

 

O nosso problema de crescimento não deve ser procurado na procura, mas sim na oferta, em défice de competitividade e dificuldade em atrair investimento estrangeiro. E isso só poderá ser agravado com uma reestruturação da dívida.

 

Além disso, ficámos recentemente a saber que a reestruturação "responsável" consistiria, entre outras coisas, em recorrer a um empréstimo perpétuo ao BCE sem juros. Ou seja, essa dívida jamais seria paga, nem o capital, nem o mais ínfimo juro. Mas - algum dia - a Alemanha aceitaria uma tal coisa? Já se imagina que a veemente resposta negativa da Alemanha e outros países a semelhante enormidade será apelidada de "falta de solidariedade".

 

O facto de isto ser inconstitucional em termos dos Tratados europeus é algo que não os comove. Parece que é muito mais fácil mudar tratados que dependem da unanimidade de 28 países do que mudar a constituição portuguesa, para o que são necessários apenas três partidos. Propor medidas que a distorcida e abusiva leitura do nosso Tribunal Constitucional considera inconstitucionais é considerado algo de terrível, mas propor medidas inconstitucionais no quadro europeu parece que já é completamente admissível.

 

Nota: As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor.

 

Investigador do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics

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