Opinião
Política & Trapalhice
Em 1875, Rafael Bordalo Pinheiro criou a personagem de Zé Povinho, que rapidamente ganhou o estatuto de personificação da crítica social e política dos portugueses a quem mandava nos portugueses.
"Na literatura, tal como no amor, surpreendemo-nos com as escolhas que as pessoas fazem."
Andre Maurois
Política & Trapalhice
Em 1875, Rafael Bordalo Pinheiro criou a personagem de Zé Povinho, que rapidamente ganhou o estatuto de personificação da crítica social e política dos portugueses a quem mandava nos portugueses. Tenho para mim que esse olhar sobre Portugal, ao mesmo tempo com humor e sem tibiezas, é hoje personificado por Ricardo Araújo Pereira. Na emissão de domingo passado de "Isto É Gozar Com Quem Trabalha", RAP passou imagens da votação no Parlamento do Orçamento do Estado onde era patente a falta de cuidado de alguns deputados, o desnorte da mesa da Assembleia. Em suma, uma situação que faz jus ao nome do programa. De facto, se numa das mais importantes votações de qualquer sessão legislativa se passa o que o programa mostrou, só podemos estar perante uma falta de respeito pelos cidadãos. O Parlamento reflecte o estado da política e dos políticos, é o espelho do funcionamento do sistema. Quando acontecem cenas como as que foram mostradas, é sinal de que algo está muito mal.
Semanada
• O PS aceitou 198 propostas de alteração ao Orçamento do Estado de 2021 e foram aprovadas, contra a vontade do PS, 82 propostas • o PS voltou a subir nas sondagens e o PSD a cair • no processo de liquidação do Banco Privado Português, foram detectados desvios no valor de 11,6 milhões de euros que terão ido para a esfera pessoal de alguns dos administradores do banco • nas principais redes sociais, os partidos com assento parlamentar têm 1,8 milhões de seguidores, 70% dos quais no Facebook, 17% no Twitter e 13% no Instagram • a Iniciativa Liberal é o partido que mais interacções gera nas três redes sociais agora analisadas num estudo relativo a este ano • há 12 anos consecutivos, que há mais mortes do que nascimentos em Portugal, mas este ano estamos a bater o recorde do saldo natural negativo • a Web Summit, que este ano se realiza exclusivamente online e sem público nem visitantes, custará à Câmara Municipal de Lisboa os mesmo três milhões de euros das edições anteriores que trouxeram milhares de pessoas à cidade • a candidata presidencial Ana Gomes tomou uma vacina contra a gripe que uma amiga lhe trouxe de França • os bancos emprestaram 976 milhões de euros para a compra de casa em Outubro: feitas as contas, dá mais de 31 milhões de euros por dia, o valor de financiamento de crédito à habitação mais elevado desde Janeiro.
Dixit
Se não há cão, haverá gato, mas vamos fazer.
António Costa sobre a aprovação no Parlamento da proposta que impedia a injecção de mais dinheiro no Novo Banco.
Sobre o trabalho
O n.º 10 de Electra, a revista trimestral da Fundação EDP, começa com um texto que evoca a construção da Central Tejo no início do século XX, criando a grande fábrica produtora de energia eléctrica que abastecia a cidade e a região da Grande Lisboa. O texto, que lembra a ligação entre o Homem e a máquina, o trabalho e a técnica, é acompanhado por uma selecção de fotografias da colecção de Kurt Pinto, depositadas na Fundação EDP, e que são um documento único da construção e laboração da Central Tejo. Esta edição do Outono de 2020 tem por tema o trabalho e as suas implicações no mundo contemporâneo, a maneira como se transformou e, na situação actual, como coexiste com a devastação provocada pela pandemia. A Electra tem uma edição e grafismo exemplares e utiliza nesta edição fotografias de Allan Sekula e ilustrações de Konrad Kalpheck. Destaque para um artigo de Jason Read, que analisa a série televisiva "Breaking Bad" à luz da representação do trabalho na personagem do professor de Química que se torna um barão da droga. Destaque ainda para o portefólio de fotografia de Alec Soth, um dos nomes mais importantes da fotografia americana contemporânea, "Unseen Teen", apresentado por Sérgio Mah.
Um russo e um francês olham para Lisboa
Tempos difíceis estes para ver exposições com todas as limitações de horário e de circulação que existem. A boa notícia é que há muito para ver. Comecemos pela Galeria Balcony. Nikolai Nekh nasceu na Rússia em 1985, mas estudou Arte e Multimédia na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. A fotografia é o meio que utiliza e "Surender Surender", a exposição que inaugurou em Lisboa, parte da observação da transformação da cidade onde vive (na imagem). Há cerca de dois anos, Nikolai Nekh começou a aperceber-se da acumulação de objectos de mobiliário - como bancos, cadeiras, mesas ou estrados - nas ruas que percorria entre casa, na zona de São Bento, e o trabalho. Na altura, o crescimento económico, o aumento do turismo e a especulação imobiliária já eram evidentes na cidade, mas foi quando se deparou com os vestígios da renovação de apartamentos para aluguer temporário a preços altos, que o artista se debruçou sobre o assunto. Esta exposição mostra a forma como Nikolai Nekh encara o confronto entre o desenvolvimento económico, científico e tecnológico, e o desequilíbrio social e ambiental. A exposição fica na Balcony Temporary Art Gallery até 19 de Janeiro (Rua Coronel Bento Roma 12A). Na Galeria Francisco Fino (Rua Capitão Leitão 76, Beato, até 15 de Janeiro), pode ver "Entre Deux Eaux", a segunda exposição de Adrien Missika naquele espaço, fruto da sua visão de Lisboa, entre as águas do Tejo e do oceano onde o rio desagua.
O russo fez fotografias sobre um discurso político, muito pré-covid, e o francês sobre um devaneio intemporal. É uma velha disputa de estilos, mas vale a pena comparar. Outro destaque: no Projecto Travessa da Ermida, José de Guimarães mostra, na exposição "Dioramas", um conjunto de instalações inéditas e peças de arte africana da sua coleção pessoal (até 9 de Janeiro, Travessa do Marta Pinto 21, Belém).
Arco da velha
Estar infetado com covid-19 ou estar a cumprir um período de isolamento profilático não chega para justificar o adiamento dos exames de código ou de condução e, nessas situações, os candidatos estão a ser obrigados a pagar para que as provas sejam remarcadas.
Canções sem tempo
Samuel Úria gravou o seu primeiro disco em 2009 e chamou-lhe "Nem Lhe Tocava", que na altura marcou terreno pelos arranjos inusitados e pela construção das canções. Agora, mais de uma década depois de ter começado, lançou "Canções do Pós-Guerra", outro nome provocador. Samuel Úria salientou numa entrevista recente: "Marimbar-me para as expectativas pode ser a receita certa para eu não ficar acabrunhado em relação a fazer um disco. Não penso no público, faço o que quero." Neste novo disco, editado pela Valentim de Carvalho, estão nove canções coerentes, mas diversas, em que frequentemente se detecta alguma influência folk. Aqui coexistem baladas como "Cedo", com revisitações de blues como em "Fica Aquém". O título do disco, ainda segundo Úria, tem que ver com a ruptura em relação ao álbum anterior, mais pop e electrónico ("Carga de Ombro" de 2016). Entre as influências poéticas, Samuel Úria cita Elizabeth Bishop, Philip Larkin, Ted Hughes e Leonard Cohen. As letras de Samuel Úria deixam marca, mostram o que ele pensa, não são rimas soltas. Por exemplo, em "As Traves", sublinha: "Tenho a vista cansada de tanto apontar para longe de mim/ E as traves nos olhos já dão de si/ Agora eu não dou conta de nada." "Canções do Pós-Guerra" é um disco intemporal, mistura estilos e influências, mas não vai em modas. Úria conta que foi para estúdio, antes da pandemia, com as canções apenas à guitarra e voz, e aí começou o trabalho com o produtor Miguel Ferreira, que é também um dos músicos convidados. Aos poucos, acrescentaram ideias à base acústica, procurando não deturpar a ideia original de cada tema. "Andámos ao sabor das canções", conta Úria na mesma entrevista. O disco tem participações especiais da cantora Monday (Catarina Falcão) e de Miguel Araújo. Disponível em CD e no Spotify.
Ideias petisqueiras para o confinamento
Como, nestes dias próximos, a única solução é comer em casa, aqui ficam duas sugestões, simples. A primeira é mais de peso e retoma a velha ideia de massa com queijo. A segunda é um petisco para aperitivo. Comecemos pelo lado pesado. Primeiro, preparam a base do molho com uma chávena de leite, temperado com sal, pimentão-doce fumado e pimenta-negra moída na altura, e no qual dissolvem uma embalagem de queijo mozarela gratinado (daquele que se usa para pôr nas pizzas). Uma alternativa lusitana, mais intensa, é cortar aos pedaços queijo da ilha de média cura e fazer o mesmo. Em qualquer dos casos, no fim adicionam uma embalagem de queijo creme, tipo Philadelphia. Deixam tudo derreter bem e ficar cremoso. Entretanto cozem meio pacote de macarrão, mas não o deixam ficar mais de quatro minutos na água a ferver para permanecer "al dente". Depois deitam um pouco do molho num recipiente de ir ao forno, colocam macarrão e o resto do molho por cima, em camadas alternadas, de forma a acabar com o queijo. Fica no forno pré-aquecido a 200º durante dez minutos, para o molho derreter bem e acabar de cozer a massa. Está pronto a servir. Antes disso, sugiro uma entrada: pegam numa embalagem de corações de alcachofra, escorrem e cortam aos pedaços. Secam bem com papel de cozinha e levam os pedaços salpicados de azeite ao forno bem quente num tabuleiro. Quaisquer 18 a 20 minutos devem chegar para as alcachofras em pedaços ficarem tostadas. É deixar arrefecer e usar como aperitivo.