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21 de Maio de 2021 às 11:41

Fruta apodrecida no Parlamento

O romance da resolução do BES e do nascimento do Novo Banco já teria dado uma série de televisão nos Estados Unidos.

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Ser curioso desenvolve a vontade de aprender e querer aprender é sempre mais importante do que querer ter razão.
Jony Ive, que durante anos dirigiu o design dos produtos da Apple

Fruta apodrecida no Parlamento
O romance da resolução do BES e do nascimento do Novo Banco já teria dado uma série de televisão nos Estados Unidos. Por aqui temos de nos contentar com as conversas na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar. Esta semana foi fértil em desenvolvimentos, com os depoimentos do ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, de um actual vice-governador, Luís Máximo dos Santos, do actual governador, Mário Centeno, do actual CEO do banco, António Ramalho, e, noutro contexto também parlamentar, do ministro Pedro Nuno dos Santos. Começo por este último, que admitiu que o PS "fez mal grande parte das privatizações". Já Mário Centeno, agora governador do Banco de Portugal, passou seis horas no Parlamento a gabar-se do bem que tinha feito na questão do Novo Banco enquanto foi ministro das Finanças. Pertence-lhe um dos momentos mais divertidos destes dias, ao dizer que defendeu a venda à Lone Star, porque "foi preciso fazer um bom banco". E, mais adiante, disse, com o seu habitual sorriso, que nunca escondeu que havia riscos na venda: "Em Abril de 2017, vim ao Parlamento e utilizei 24 vezes nessa audição a palavra risco." Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal na altura da venda, foi mais terra a terra, comparando a operação realizada à "venda de um cabaz de fruta que está parcialmente apodrecida". Meros pormenores quando se olha para o relatório da Deloitte e se vê que os 20 grandes devedores do Novo Banco são responsáveis por 54% das perdas totais de activos. Face a isto, já nem admira que a actual administração da instituição, nomeada pela Lone Star, tenha seguido o princípio de auto-aumentar os bónus de gestão, apesar dos grandes prejuízos registados - aquela curiosa situação em que se premeia a capacidade de obter maus resultados.

Semanada

n Nos primeiros quatro meses do ano, o trabalho suplementar de médicos e enfermeiros aumentou 73% face a igual período do ano passado n o número de contratos a prazo no sector da saúde subiu 90,5% no primeiro trimestre deste ano, quando comparado com o período homólogo do ano passado n em Abril, havia 865 mil cidadãos sem médico atribuído nos cuidados de saúde primários, dos quais cerca de 620 mil viviam na região de Lisboa n as Forças Armadas devem 53 milhões de euros a fornecedores de saúde n o Tribunal de Contas concluiu que as parcerias público-privadas hospitalares "foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública, com custos operacionais por doente mais baixos e com padrões de qualidade mais exigentes" n no final de março, existiam mais de 90 mil trabalhadores com contratos a termo no Estado, o número mais elevado de sempre n o número de funcionários públicos no final de Março era de 725.775, um aumento de 3% em relação ao ano anterior, o que significa que os trabalhadores da Função Pública representam cerca de 14% da população activa n em 10 anos, a população residente reduziu 3% e a ativa reduziu 6% n os ciberataques em Portugal aumentaram 79% em 2020, em comparação com 2019.

Dixit
Gouveia e Melo demonstra que a captação do sistema político-administrativo pelos aparelhos partidários não apenas promove incompetentes, como afasta talento. Espero que se não esqueça da lição e que concluam que as Forças Armadas servem para alguma coisa.
José Miguel Júdice

As imagens de Ernesto
A coleção "Série Ph." é uma iniciativa da Imprensa Nacional e a sua direcção editorial está bem entregue a Cláudio Garrudo, que já lançou livros dedicados a Jorge Molder, Paulo Nozolino, Helena Almeida, Fernando Lemos, José M. Rodrigues e, agora, a Ernesto de Sousa. Esta é a única colecção regular dedicada à obra de autores portugueses que trabalham com a fotografia como meio de expressão artística - e é um bom exemplo do que deve ser o serviço público desempenhado por uma instituição como a Imprensa Nacional, que cria condições para que esta colecção e estas edições possam surgir. Este novo volume de Ernesto de Sousa, que surge agora em sintonia com um conjunto de iniciativas que assinalam o seu centenário, é uma boa introdução ao seu trabalho. Ernesto de Sousa foi um artista com diversas actividades paralelas, todas elas centradas em descobrir e mostrar, e em trazer para Portugal, as tendências que se desenhavam por toda a Europa nos anos 1970 e ainda 1980, quando a sua actividade explodiu. Ele foi curador, crítico e ensaísta, passou pela fotografia, pelo cinema e pelo teatro. Mas, no caso da fotografia, que é o eixo da "Série Ph.", Ernesto de Sousa deixou uma obra marcante, documentando, vendo e interpretando. Usando a imagem pura e a imagem alterada, combinando grafismo com fotografia, mostrando a realidade mas também reinterpretando-a. Como Emília Tavares escreve no texto de abertura do livro, Ernesto de Sousa abriu "horizontes ainda hoje actuantes sobre o prodigioso significado da imagem na cultura contemporânea".

As colónias
O passado colonial português é motivo de polémicas e interpretações, mas faz parte da História que é fundamental conhecer para nos situarmos no tempo e para podermos olhar para o presente de forma lúcida. O 60º. aniversário do início da guerra colonial é o pretexto para duas exposições em Lisboa que ajudam a perceber como o tema pode ser abordado. Comecemos por "Herança", de Ana Vidigal e Nuno Nunes Ferreira, no Museu Nacional de Arte Contemporânea (na imagem). Através de arquivos pessoais, os dois artistas revisitam as suas memórias familiares, a partir das heranças recebidas dos pais, que tomaram parte nesse momento da história que colocou Portugal num conflito armado com outros países, então suas colónias. São exercícios bem diferentes os de Ana Vidigal e de Nuno Nunes Ferreira, mas complementam-se: Vidigal reinterpretando a realidade da época, Nunes Ferreira metodicamente documentando a vida e a morte nesse tempo.

A outra exposição está no Padrão dos Descobrimentos e é baseada no testemunho fotográfico do colonialismo português. Chama-se "Visões do Império" e tem a coordenação de Miguel Bandeira Jerónimo e Joana Pontes. Outras sugestões da semana: no Centro Português de Fotografia, encontra-se a Bienal de Fotografia do Porto, sob o lema "O que Acontece Com o Mundo Acontece Connosco". E no Centro de Artes Visuais (CAV), em Coimbra, até 4 de Junho, pode ver as exposições "No More Racing in Circles - Just Pacing Within Lines of a Rectangle", de Tris Vonna-Michell, e "A Temperança e o Louco", de Catarina de Oliveira.

Arco da velha
Segundo o Governo, há 541 imóveis do património público que estão ao abandono e sem serem utilizados, mas diversos autarcas afirmam que a lista está incompleta.

Melodias de sempre
Na Primavera de 1970, tinha eu 16 anos, caiu-me em cima um disco com canções como "Helpless" e "Our House". Fazia parte de um álbum então recém-editado, um LP, vinil antes de haver qualquer outra coisa. Na capa, quatro nomes: Crosby, Still, Nash & Young. Os três primeiros tinham feito, um ano antes, um outro álbum que foi uma pedrada no charco. Vinham dos Byrds (David Crosby), dos Hollies (Graham Nash) e dos Buffalo Springfield (Stephen Stills e Neil Young). Para mim, os Buffalo Springfield eram o grande segredo escondido, o génio misterioso do rock californiano dessa época. Os quatro músicos eram quatro talentos explosivos e de difícil coexistência num único projecto. Young, para mim, era genial - e após todos estes anos continua a ser. Está na minha galeria pessoal de deuses musicais. Os quatro juntos fizeram este único disco, tiveram digressões difíceis, concertos cancelados, histórias de tudo o que possam imaginar. Mas o meu primeiro exemplar de "Déjà Vu", com os seus dez temas, cinco em cada lado do LP, gastou-se de tanto ser ouvido. "Teach Your Children", "Almost Cut My Hair", "Helpless", "Déjà Vu", "Woodstock" e "Our House" são canções únicas e marcantes. Nunca me abandonam. Dei agora por mim a perceber que se passaram 50 anos sobre a edição original do álbum. Tenho-o em todos os formatos - em vinil na edição original, copiado para cassete que andava no carro e no walkman, em CD quando apareceu o formato e, agora, em ficheiro digital. Acreditem que continuo a emocionar-me quando ouço estas canções - e não é por saudosismo: é pelas palavras cantadas, pela música tocada, pela explosão de talento que saía daquele grupo. Foram cerca de seis meses de gravação, pensa-se que à volta de 800 horas de estúdio. Agora, para assinalar o 50º. aniversário, uma nova edição acrescenta 38 registos inéditos, provenientes das sessões de gravação, com várias versões de cada tema. São cinco LP de vinil ou quatro CD com um LP, além de um livro. 50 anos, meio século, é muito tempo. "Wordlessly watching, he waits by the window and wonders/ At the empty place inside" - isto, "Helpless", diz tudo, não é?

O Oriente é selvagem
Andava já há algum tempo para experimentar o Sauvage, um restaurante que fica no Campo Pequeno e que se apresenta como um ponto de encontro de várias gastronomias, europeias e de outras procedências. Sala simpática, serviço eficiente e agradável, espaço com medidas de segurança. Era noite de quinta-feira e a casa estava mais que bem composta. Começo por constatar que éramos provavelmente os clientes mais velhos deste restaurante, que claramente está nas preferências dos mais novos que não querem apenas "fast food". A ementa é curiosa e vai dos risotos a pratos orientais, passando por uma fusão tão estranha quanto bem-sucedida: um nigiri de pato, em que uma fatia do peito do dito é apresentada saborosamente fumada por cima do arroz. A lista tem sugestões portuguesas, que vão do arroz de lingueirão à empada de perdiz, mas o desejo de aventura levou-nos para outras paragens. Além do já referido nigiri de pato, como entrada a escolha recaiu num "nasi goreng" de legumes e num "pad thai" de camarão - portanto, uma opção a lembrar a Indonésia e a Tailândia. O vinho a copo, um branco Ribeiro Santo, do Dão, foi sugestão da casa e fez bom par com os pratos escolhidos. O Sauvage fica na Rua António Serpa 9, quase a chegar à Avenida da República, e no site sauvage.pt pode fazer a reserva.

Já que estamos em maré oriental, esta semana voltei por acaso e com satisfação ao Sumaya, na Rua da Escola Politécnica 40, que já tinha experimentado antes do confinamento deste ano. As suas propostas libanesas continuam a agradar.


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