Opinião
As "fake news" do Livre
Esta semana, um novo produtor de "fake news" deu nas vistas e mostrou aquilo de que é feito. Para falar claro, refiro-me ao partido Livre, recém-eleito para a Assembleia da República.
"É o espírito, e não a forma da Lei, que mantém viva a Justiça."
Earl Warren
As "fake news" do Livre
Esta semana, um novo produtor de "fake news" deu nas vistas e mostrou aquilo de que é feito. Para falar claro, refiro-me ao partido Livre, recém-eleito para a Assembleia da República. A minha acusação de que fomenta "fake news" é, aliás branda. Na realidade, o Livre esta semana espalhou mentiras, mostrou ignorância e desrespeitou a História. Comecemos pelo que a deputada eleita, Joacine Katar Moreira, disse sobre o Parlamento. Com pouca humildade e bastante arrogância, proclamou-se uma novidade no Parlamento por ser mulher, mãe e divorciada, ignorando todas as anteriores deputadas que tinham o mesmo enquadramento - uma delas chegou, aliás, a ser presidente da Assembleia da República, eleita pelos seus pares, e nunca se gabou das suas circunstâncias. Acusou também a Assembleia de ser um local elitista, esquecendo todos os deputados que desde a Constituinte de 1975 foram eleitos, independentemente da profissão, muitos deles operários e trabalhadores de diversas áreas de actividade, e ignorou a génese do próprio processo eleitoral democrático que a levou onde agora está. Estamos, portanto, elucidados sobre o que a deputada do Livre conhece da História Parlamentar portuguesa e da forma como pretende que os factos sejam manipulados - a seu bel-prazer, como melhor lhe convier. Antes destas suas declarações, numa manifestação promovida pelo Livre para a apoiar, frente ao edifício do Parlamento, um dos oradores fez uma descrição de Portugal com afirmações que manipulam a História, nomeadamente da época dos Descobrimentos, e alteram factos para que as teorias do partido se consigam encaixar. Chegou a referir-se à bandeira nacional dizendo falsidades sobre o significado dos seus símbolos, mais uma vez para que a verdade do Livre se sobreponha à verdade dos factos. Se acham que o perigo vem só do Chega, desenganem-se: em matéria de fazedor de "fake news" e manipulador de factos, o Livre promete.
• O Ministério Público já recorreu de cinco decisões de Ivo Rosa no caso Sócrates e os advogados de defesa não contestaram qualquer despacho do mesmo juiz sobre o caso • o juiz Ivo Rosa impediu jornalistas que se tinham constituído assistentes do processo de presenciarem o interrogatório que fez esta semana a José Sócrates • o juiz Ivo Rosa ameaçou apreender os telemóveis dos advogados que assistem ao interrogatório a Sócrates para que não comuniquem com o exterior • Ivo Rosa era o juiz que Sócrates desejava na instrução do seu processo • Sócrates nega todas as acusações e, na maior parte dos casos, diz que nada sabia dos factos que lhe são imputados durante o tempo em que foi primeiro-ministro • desapareceram os documentos com as actas das negociações entre Portugal e a Venezuela, negociações feitas por iniciativa de José Sócrates e de Hugo Chávez • a Segurança Social encerra uma média de dez lares ilegais por mês e há 35 mil idosos a viver em instalações à margem da lei • o Tribunal de Contas acusou a gestão do PCP na Câmara de Almada de ter feito despesas ilegais • um terço dos futebolistas profissionais portugueses não concluiu o ensino obrigatório • em 2018, as importações aumentaram mais que as exportações • o homicida da freira morta em São João da Madeira foi considerado irrecuperável antes de sair da cadeia, mas nem as suas vítimas nem a PSP foram avisadas da libertação • os chefes de equipas de urgência do Hospital Garcia de Orta, em Almada, pediram ajuda à Ordem dos Médicos por não terem condições para assegurar a segurança no tratamento de doentes.
Dixit
"Os populismos nascem da ausência de resposta aos problemas reais."
João Cotrim de Figueiredo
deputado da Iniciativa Liberal.
Uma galeria setubalense
Em Setúbal, há uma galeria, na parte antiga da cidade, que vale a pena conhecer e que tem feito o seu percurso sobretudo em torno da fotografia - bem recentemente, acolheu trabalhos de Alberto Picco. Agora, no entanto, enveredou por um novo caminho através da conjugação de duas instalações concebidas especialmente para a galeria com fotografias e desenhos de Rosanna Helena Bach e Nuno Moreira. Intitulada "The Nature Of This Room", a exposição tem curadoria de Sofia Steinvorth. Na inauguração, foi também apresentada a publicação homónima, "The Nature of this Room", composta por um conjunto de imagens, principalmente fotografias e desenhos, assim como fragmentos de texto que mostram parte do processo que os artistas percorreram e que está na génese deste projecto. Rosannna Helena Bach é uma artista suíça, actualmente sediada em Lisboa, que utiliza a gravura e instalação e é formada em Documentário e Fotojornalismo pelo Centro Internacional de Fotografia de Nova Iorque. Nuno Moreira (na imagem, o seu trabalho "Geometries of Silence") expõe regularmente desde 2006, em mostras individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro, e é formado em Cinema, especializado em design editorial com foco principal na concepção de livros. Passando para outras sugestões, recomendo uma visita à Galeria Underdogs (Rua Fernando Palha armazém 56, a Marvila), onde até 16 de Novembro estão duas interessantes exposições: "And now for something completely different: a show that features at least one female artist", exposição individual da artista Wasted Rita, e "El Cabaret del mundo", exposição individual de Carlos Guerreiro.
O encanto do deserto
Nas primeiras páginas, está esta frase: "Talvez só ame o conceito de deserto, e talvez o ame porque quero ser como ele. Amo o deserto porque é o lugar da possibilidade absoluta: o lugar em que o horizonte tem a amplitude que o homem merece e de que necessita. O deserto, essa metáfora do infinito." Estas palavras foram escritas por Pablo d’Ors, um escritor e sacerdote católico espanhol que, em 2015, foi nomeado para o Conselho Pontifício da Cultura pelo Papa Francisco. O seu livro "O Amigo do Deserto", agora editado pela Quetzal, recolhe os seus pensamentos e está escrito como uma aventura casual, que se iniciou pela busca de um académico que tinha dedicado boa parte da sua vida a viajar por muitos desertos do planeta e que tinha fundado a associação Amigos do Deserto.
O livro descreve a odisseia de Pavel, personagem principal do livro, que está obcecado em encontrar os membros da associação Amigos do Deserto. Pavel é obrigado a mudar o rumo da sua vida devido a uma série de circunstâncias. Primeiro, com amigos, depois só, leva a cabo viagens pelo Saara, adentrando-se no deserto. O livro é, na realidade, sobre o silêncio, a contemplação e a busca do absoluto. Está escrito como uma aventura que salta de descoberta em descoberta, numa narrativa empolgante. Sendo um livro que tem por pano de fundo uma questão filosófica, a acção anda sempre a par com o pensamento, e é isso que o torna fascinante.
Arco da velha
A empresa Águas do Norte tem 21 processos de multas por descargas poluidoras em rios.
O fascínio das bandas sonoras
Enquanto via os seis episódios da quinta temporada da série "Peaky Blinders", dei comigo várias vezes a procurar na aplicação Shazam qual seria a canção e o intérprete que ali passava - não precisei da aplicação para identificar os acordes de guitarra de Anna Calvi, mas nalguns momentos tive mesmo de ir à pesca para descobrir o que estava a ouvir. Ao todo, até agora, lá estão 199 canções que pontuam momentos, adensam o ambiente. É impressionante como uma série passada na primeira metade do século passado convive de forma tão perfeita com canções e autores contemporâneos. Pode ter uma boa ideia de tudo o que lá se ouve na playlist disponível no Spotify e que permite ouvir todas as duas centenas de canções da série. E, em Novembro, está para sair um duplo CD que inclui 40 dos mais célebres temas, entre eles canções de Nick Cave and the Bad Seeds, Radiohead, Jack White, Queens of the Stone Age, PJ Harvey, Arctic Monkeys e Black Sabbath, entre outros. Antony Genn, um ex-Pulp, que foi um dos produtores da banda sonora da série, disse numa recente entrevista que, para ele, os Radiohead são quem musicalmente mais tem a ver com a personagem principal, Tom Shelby - pela capacidade de evolução e adaptação à mudança, desde o início da vida como gangster até se dedicar à política e ser eleito para a Câmara dos Comuns. Na quinta temporada Anna Calvi, cuja guitarra e canções foram extensamente utilizadas ao longo da série, compôs alguns fragmentos originais, que acentuam a acção com a forma única como utiliza a guitarra. Se a série é magnífica, a sua banda sonora não o é menos. Ora vão lá à procura dela no Spotify.
A alma da comida
Todas as semanas abrem novos restaurantes, com mais ou menos pretensões. No centro de Lisboa e Porto, abrem maioritariamente restaurantes que dizem ter uma ideia nascida de um conceito. Uma boa parte deles encerra as portas ao fim de pouco tempo. Má ideia ou conceito duvidoso? Pode ser que a ideia até não fosse a melhor, mas, quanto a mim, a principal questão que motiva tantos encerramentos de restaurantes recentes é a falta de alma: falta de alma na cozinha e sobretudo falta de alma na sala. Há modestíssimos restaurantes onde se sente a alma em todos os momentos - a alma não é uma questão do preço médio da conta no fim da refeição, é algo que tem que ver com a noção de bom serviço. Um bom serviço no restaurante começa na escolha e compra dos ingredientes, passa pelo apuro da cozinha e termina no conforto da sala e na forma como os clientes são atendidos. Uma coisa que me aflige é ver empregados com o olhar perdido no horizonte, que não estão atentos às mesas e que não notam quando um cliente está a tentar chamá-los, quando o copo de vinho ficou vazio e a garrafa que o cliente comprou está longe. Hoje em dia, cada vez valorizo mais o serviço: a atenção, a disponibilidade para aceitar sugestões ou pedidos menos vulgares dos clientes, a cumplicidade de conseguir que visitar um restaurante seja um momento de descontracção, que se pretende que decorra com boa-disposição. Lisboa, infelizmente, está a ficar cheia de lugares que se pretendem sofisticados e que, no fundo, não têm sofisticação nenhuma. Gosto dos restaurantes simples em que o objectivo do restaurador é conseguir que o cliente repita a visita e se torne freguês habitual, em vez de um experimentador que saltita de novidade em novidade.