Opinião
As coisas às vezes não são o que parecem
Quando se olha para a campanha eleitoral, fica-se a pensar que vivemos num mundo perfeito: belas propostas, ideias soberbas. Mas, vai-se a ver, e quando se confrontam estas ideias com as práticas passadas dos seus autores, surge a desilusão.
Back to basics
Se tivesse de escolher se devíamos ter um governo sem jornais ou jornais sem o governo, não hesitaria um momento que fosse em escolher a segunda opção.
Thomas Jefferson, 1787.
Dixit
"Não corremos para um lugarinho no Governo".
Jerónimo de Sousa em entrevista à CMTV
Arco da velha
O Ministério Público considerou que defender publicamente o abate de ciganos não é crime, mas sim opinião.
AS COISAS ÀS VEZES NÃO SÃO O QUE PARECEM
Quando se olha para a campanha eleitoral, fica-se a pensar que vivemos num mundo perfeito: belas propostas, ideias soberbas. Mas, vai-se a ver, e quando se confrontam estas ideias com as práticas passadas dos seus autores, surge a desilusão. Esta semana, um amigo dizia-me que iria votar num dos incumbentes, porque assim já sabia ao que ia e dava o desconto do engano. Recusa-se a votar em algum dos novos partidos porque acha que vão acabar iguais aos outros e não cumprirão o que dizem mal puserem o pé no poder. A culpa não é do cepticismo deste meu amigo, a culpa é de um sistema político e partidário que protegeu a mentira e a desresponsabilização dos eleitos face aos eleitores. A culpa é de um sistema em que os resultados provocam situações como esta: a geringonça governou o país com base na vontade de apenas 28% do total de eleitores possíveis. Obteve 2,7 milhões de votos no PS, Bloco e PC, num total de quase dez milhões de eleitores inscritos. Metade não vota. O poder acaba por ser exercido por uma minoria que é cada vez mais minoria, porque a abstenção vai aumentando e os novos eleitores não acreditam no sistema. Será possível reganhar a confiança dos eleitores? Será possível combater a abstenção entre os novos eleitores? Quem manda fica tranquilo se a maioria dos cidadãos até aos 35 anos ficar fora do sistema, como está a acontecer? Sem mudanças profundas, da lei eleitoral ao modelo de campanhas, nada disto mudará e a crise de falta de representatividade ainda se acentuará mais. Os partidos incumbentes gostam desta situação e todos os anos dizem não querer mudar. Assim como está, com os dois cancros que são o "método de hondt" e a impossibilidade de círculos uninominais, os partidos que estão em São Bento mantêm o seu poder e têm uns lugares para distribuir dentro dos respectivos aparelhos. Há muito que desistiram de manter a relação dos eleitos com os eleitores. Basta ver o que se passou com os escândalos no Parlamento nos últimos quatro anos, com o avolumar de casos de corrupção e com a teia de relações familiares nos círculos de poder. Aos incumbentes, só lhes interessa o próprio umbigo.
SEMANADA
O aumento das rendas de casa nos centros urbanos e periferias está a provocar um crescimento do incumprimento dos empréstimos ao consumo e um aumento dos pedidos de apoio de reestruturação de dívidas financeiras das famílias * até final de Julho, já tinham entrado em Portugal cerca de 140 mil turistas brasileiros, o que coloca o Brasil como quinto maior mercado emissor de turistas para Portugal * estudos recentes indicam que, no final deste século, o Algarve terá menos 83% de água * um número alargado de universidades tem milhões de euros por receber do Estado relativos a projectos de investigação cujo pagamento, acordado, não foi feito * o debate entre Costa e Rio teve menos 600 mil espectadores que o debate de há quatro anos entre os líderes do PS e PSD * como diz um amigo meu, já nem os reitores de safam: o reitor da Universidade de Coimbra escolheu o período eleitoral, em pleno debate ambiental, para eliminar a carne de vaca das ementas das 14 cantinas sob sua tutela sem sequer ouvir especialistas sobre o tema * o Hospital Amadora-Sintra debate-se com uma praga de baratas * até Junho, foram destruídos 5.645 ninhos de vespas asiáticas em Portugal * duas dezenas de ambulâncias do 112 compradas em Abril estão paradas com avarias eléctricas * o Governo já perdeu 20 secretários de Estado e cinco ministros, que deixaram o Executivo desde o início desta legislatura * num debate eleitoral radiofónico, Rui Rio atacou os jornalistas e o jornalismo que denuncia casos de corrupção em segredo de justiça * Fernando Neves de Almeida, dirigente da empresa de "executive search" de que Rui Rio fez parte, defende que os ministros deviam ser escolhidos por "headhunters" - resta saber o que pensa da escolha de dirigentes partidários, tendo em conta os previsíveis resultados do seu ex-colaborador Rui Rio nas próximas eleições.
DÚVIDAS LINGUÍSTICAS
Todos conhecemos as semelhanças entre o galego e o português. Mas serão a mesma língua? Que têm em comum? Marco Neves, professor na Universidade Nova de Lisboa e autor de diversos livros na área da linguística, dispôs-se a reflectir sobre o tema no livro "O Galego e o Português São A Mesma Língua?", que leva como subtítulo "Perguntas portuguesas sobre o galego". Numa conversa com um hipotético conterrâneo, Marco Neves responde com paciência, humor e muita informação às suas perguntas e observações, dissecando também vários preconceitos. Como está assinalado na contracapa, "neste livro vamos encontrar reflexões sobre o funcionamento das línguas e sobre o plurilinguismo, percursos pela História da linguagem humana e desta língua em particular e algumas ideias sobre as relações entre as sociedades da Galiza e de Portugal e entre as suas identidades e os seus falantes". João Veloso, professor na Universidade do Porto, autor do prólogo deste livro, defende que "o mundo de língua portuguesa é um espaço a várias latitudes onde os galegos têm culturalmente o seu lugar, juntamente com portugueses, brasileiros, africanos e gente de muitas outras paragens". O livro foi editado em Compostela pela editora Através.
UM BAIRRO CHEIO DE ARTES
Na quinta-feira, 19 de Setembro, deu-se o arranque de mais uma série de exposições integradas na iniciativa Bairro das Artes, que este ano assinala o décimo aniversário e que engloba uma série de galerias e espaços expositivos da zona do Bairro Alto. Começo por destacar a incursão de Cristina Ataíde nos azulejos (na imagem), com a exposição "O Caminho das Mãos" na Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências 2), até 15 de Novembro. Esta exposição, começada a preparar há cerca de dois anos, apresenta cinco composições com azulejo em relevo e em várias cores. Ao mesmo tempo, estão expostas diversas experiências de texturas, cores vidrados e engobes que Cristina Ataíde desenvolveu simultaneamente. Outros destaques desta edição do Bairro das Artes vão para os desenhos de Pedro Proença na Abysmo (Rua da Horta Seca 40), para as fotografias do prémio Estação Imagem 2019 na Casa da Imprensa (Rua da Horta Seca, 20), para a exposição "Antecâmara", com fotografias de Inês d’Orey, na Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12), para a exposição de fotografia "Futuro Repetido", de Mário Macilau, no Espaço Santa Catarina (Largo António Sousa Macedo 7) e para seis tapeçarias de Cruzeiro Seixas, na Galeria das Tapeçarias de Portalegre (Rua da Academia Das Ciências). Todas as informações sobre esta iniciativa estão em bairrodasartes.pt. Finalmente, destaque ainda para a exposição "Miguel Palma. (Ainda) O Desconforto Moderno", uma antológica do artista que inclui 54 peças, muitas delas surpreendentes, e que inaugurou esta semana no Museu Colecção Berardo.
PETISQUICES
Durante alguns anos, A Paz foi um dos meus poisos preferidos para almoçar. Ficava no Largo da Paz, na Ajuda, tinha à sua frente o sr. António, a mulher e uma ajudante na competentíssima cozinha, e os filhos na sala. As postas de garoupa grelhadas eram épicas, mais épica ainda era a cabeça do mesmo peixe, cozida, que vinha para a mesa desmanchada pelo sr. António para ser partilhada sem trabalho pelos apreciadores. Mas havia também um pernil às segundas e petiscos diversos nos outros dias. As voltas que o mundo dá levaram ao encerramento d’A Paz após a morte do seu proprietário e agora, no mesmo local, há cerca de dois anos, está o Restaurante Mestrias Nova Tasca, uma belíssima petisqueira. A decoração foi refrescada, mas não demasiado, as mesas são de tampo de mármore e as cadeiras, salvo erro, são as originais do antecessor, sólidas e confortáveis. No largo em frente, que entretanto teve obras de recuperação, há uma esplanada. Na lista há petiscos como moelas, pica-pau, ovos com farinheira. E, nos pratos, há bochecha de porco, bitoque, arroz de choco e de polvo, e bacalhau à Brás, entre outros. As batatas fritas são às rodelas finas, feitas na hora, e o bitoque está acima da média na qualidade da carne. O serviço é atento e simpático, o local é mesmo bom para petiscar. Eu, que gosto de almoçar sozinho, arrependi-me de não ter companhia para petiscar qualquer coisa de entrada e para dividir a honesta tarte de figo e alfarroba que veio no final. Vinhos a copo, entre eles um bom Monte das Servas tinto. Ao almoço, é sossegado. Ao jantar, muitas vezes, acolhe grupos. Largo da Paz 22, telefone 913 342 204, reservas disponíveis nas várias plataformas e no facebook.
POP INESPERADO
É um Iggy Pop inesperado este que nos surge no seu mais recente álbum, "Free". Aos 72 anos, Iggy Pop mostra a sua vivacidade ao enveredar por um caminho completamente inesperado, concretizado na colaboração com o guitarrista Noveller e o trompetista de jazz Leron Thomas. É um disco contemplativo, no qual Iggy, como ele próprio afirma, deixa outros artistas exprimirem-se por ele, restando-lhe emprestar a sua voz. É preciso recordar que este novo disco é o que se segue a "Post Pop Depression", feito em 2016 com Josh Homme, dos Queens Of The Stone Age. Esse era um disco que soava àquilo que as pessoas esperam de um disco de Iggy Pop. Este não é assim e agudiza a ideia de que há discos do rocker Iggy Pop e discos do contemplativo James Newell Osterberg, o seu verdadeiro nome. Já agora, é preciso recordar as inflexões da actividade dos últimos anos: em 2009, cantou uma versão de "Autumn Leaves" no álbum "Préliminaires", onde namorou o jazz, enquanto em 2012 se aventurou pelo pop e cantou "Michelle", dos Beatles, A seguir veio o rocker de "Post Pop Depression", um curioso nome nesse contexto, e agora chama para título a necessidade de se libertar de formas musicais que o tornaram famoso. Temas deste novo disco como "Love’s Missing", "James Bond" ou "Dirty Sanchez" têm palavras que Iggy Pop poderia cantar em qualquer fase da sua carreira - sobre amor, dominação ou sexo -, mas o conceito musical aproxima-se do jazz e sua forma vocal é a dos crooners - mas como é Iggy Pop proclama alto e bom som "online porn is driving me nuts".
Nota: o autor escreve com a antiga ortografia