Opinião
Fotografias na rua
O lugar da fotografia é na rua? Pode ser. As imagens de Sebastião Salgado, no seu trabalho "Génesis", estão junto do Arco da Rua Augusta. São 38 fotografias.
FOTOGRAFIAS NA RUA
O lugar da fotografia é na rua? Pode ser. As imagens de Sebastião Salgado, no seu trabalho "Génesis", estão junto do Arco da Rua Augusta. São 38 fotografias. Até 14 de Janeiro pode ser vista esta exposição organizada pela Fundação La Caixa. Sebastião Salgado, 76 anos, é economista de formação e apaixonou-se cedo pela fotografia. Recusou uma oferta de trabalho do Banco Mundial para se dedicar à imagem e tem feito trabalhos notáveis sobre o meio ambiente e a natureza humana. As fotografias são a preto e branco, como é habitual no trabalho de Salgado.
Outras recomendações: no Porto, na Galeria Sput&Nick The Window (Rua do Bonjardim 1340), a dupla de artistas Daniel Moreira e Rita Castro Neves apresenta uma exposição sobre o tema do cortelho - uma pequena construção em pedra de granito, abrigo em forma de iglu, característico da paisagem rural do Noroeste português. A exposição "O Cortelho" estará patente até 30 de Janeiro. Na NO.NO, em Lisboa, Ana Pérez-Quiroga apresenta até 9 de Janeiro a exposição "De Que Casa Eres? Episodios de un cotidiano". Em Faro, no Museu Municipal, até 17 de Janeiro, estão expostos trabalhos de Xana, António Olaio e Tiago Batista, sob a designação genérica "O Lápis Mágico".
BACK TO BASICS
Por melhor que uma estratégia possa parecer, convém olhar para os seus resultados.
Winston Churchill
SEMANADA
Segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Portugal, 6% da população não tinha, no ano passado, capacidade para pagar as despesas do dia-a-dia ou para liquidar a tempo rendas e outros encargos * outros 19% não tinham dinheiro para aquecer as suas casas * a despesa do Estado em educação, em termos de percentagem do PIB, está a cair desde 2016 * a despesa do estado na saúde, em percentagem do PIB, caiu em 2016, 2017 e 2018 e só recuperou um pouco em 2019 * a receita fiscal entre 2015 e 2019, em impostos directos e indirectos, aumentou cerca de 20% * no mesmo período, a despesa corrente do Estado em percentagem do PIB caiu cerca de 10% * o défice público do último trimestre deste ano, medido em proporção do produto interno bruto (PIB), deverá registar o segundo valor mais alto, logo atrás do obtido por Sócrates em final de 2010 * Marcelo Rebelo de Sousa prevê gastar 25 mil euros na sua campanha eleitoral para as presidenciais, Ana Gomes admitiu que gastará o dobro, o PCP prevê 450 mil euros, André Ventura 160 mil, Tino de Rans aponta para 16 mil, Tiago Mayan Gonçalves prevê 40 mil e Marisa Matias 256 mil * a provedora de Justiça revelou na Assembleia da República que só agora foram acatadas recomendações dadas desde 2018 sobre a actuação do SEF no aeroporto de Lisboa * os médicos do sector privado da saúde que tratam doentes Covid não foram incluídos na primeira vaga de vacinados.
FRASE DA SEMANA
É uma enorme carga burocrática. Trouxe um pequeno bosque de árvores abatidas para entregar ao Estado informação que já tem.
Tiago Mayan Gonçalves, ao entregar no Tribunal Constitucional a sua candidatura presidencial, pela Iniciativa Liberal
PENSAR PORTUGAL
Além da espuma dos dias, escolho estes excertos da mais importante intervenção política feita em Portugal neste ano que agora acaba. Falo da intervenção de Pedro Passos Coelho numa conferência sobre a importância de Alfredo da Silva. O seu discurso foi muito para além das questões conjunturais do SEF ou da TAP que chamaram a atenção dos noticiários. Escolhi estes excertos, editados, que são, creio, um enquadramento perfeito da situação de Portugal. Aqui fica, para memória futura:
"Agora que já não há nem o rei nem a monarquia para culpar pelas nossas desgraças, agora que também já não há as ditaduras nem a sociedade fechada e pequenina que nos limitava, agora está na hora de olharmos para nós próprios e fazermos o que tem de ser feito enquanto vamos a tempo de alterar as coisas como pretendemos, para que nem tenhamos de voltar a passar por experiências tão traumáticas como as que vivemos após a grande crise de 2010, nem estejamos condenados a uma desqualificação paulatina dos nossos sonhos e aspirações de poder viver uma sociedade verdadeiramente mais democrática e com mais justiça."
"Aproximámo-nos significativamente, em termos reais, da média europeia na primeira meia dúzia de anos da integração quando éramos apenas 15 países. Mas conseguimos singularmente regredir à medida que países mais pobres e menos desenvolvidos que nós se integraram na União Europeia. Poderá dizer-se que regredimos mais nos anos de crises que tivemos de enfrentar, o que é verdade. Mas isso esquece que os outros também enfrentaram as crises e que a média europeia reflete esse desempenho de todos, pelo que se nos afastámos mais dos outros durante as crises, foi porque a nossa vulnerabilidade estrutural nos impõe nas crises prejuízos maiores do que aos outros."
"Não será, finalmente, conveniente perguntarmo-nos: que Portugal é este que não consegue fugir à cauda da Europa quando praticamente todos os outros conseguem? A resposta terá de ser dada por nós próprios. Olhando para dentro da sociedade portuguesa e mudando o que é preciso. Mudar nas estruturas públicas e privadas. Conseguir, se assim o desejarmos, implantar regras estáveis e confiáveis. Responsabilizar a sociedade civil e o Estado e cultivar um exemplo de salvaguarda e de separação de interesses que possa incutir o desenvolvimento do capital social e da confiança."
LA PALISSADE DA SEMANA
O jornalista de televisão que foi o provedor constata que nestas eleições presidenciais as entrevistas políticas televisivas ganham um relevo particular.
José Manuel Barata Feyo
O CADERNO DE CARTIER-BRESSON
Todos os anos ofereço a mim mesmo uma prenda. Este ano foi uma magnífica edição feita pela Thames & Hudson de "Scrapbook", de Henri Cartier-Bresson, publicado pela primeira vez em 2006. A história do livro é ela própria um episódio. Em 1946, aos 38 anos, Cartier-Bresson viajou de barco para Nova Iorque, na sequência de um convite para expor no MoMA, The Museum Of Modern Art, que na altura começou a mostrar fotografia. Na mala levava 300 fotografias, impressas em pequeno formato. Na chegada a Nova Iorque comprou um livro de apontamentos, colou nas suas páginas todas essas imagens, e levou-o aos curadores do MoMA para que eles pudessem ter uma melhor ideia do seu trabalho. Todas as fotografias desse caderno, que foi reproduzido pela primeira vez na edição da Thames & Hudson, foram originalmente feitas entre 1932 e 1946. Martine Franck, sua viúva e presidente da Fundação Henri Cartier-Bresson, que morreu em 2012, contou que o original deste caderno de apontamentos estava numa velha mala escondida no meio de uma estante da casa onde viviam. De vez em quando, recorda nas notas iniciais do livro, o fotógrafo dizia-lhe que este era o seu mais precioso objecto, a par do álbum que tinha preparado para o realizador Jean Renoir, na esperança de poder fotografar a filmagem de uma das suas obras, como veio a acontecer aliás. Agnès Sire, diretora da Fundação Cartier-Bresson, conta as histórias à volta deste "Scrapbook", numa introdução que reproduz as páginas da agenda de Bresson, documentos oficiais, imagens de família, a troca de correspondência com David "Chim" Seymour, o obreiro desta exposição em Nova Iorque. A maior dificuldade da exposição no MoMA, no pós-guerra, era a falta de papel fotográfico para garantir boas impressões das imagens. Inicialmente, a exposição estava pensada para 75 fotos e no fim acabou por mostrar 163, em ampliações de 30x40 e 40x50. Foi também feita uma versão mais reduzida, de 100 imagens, que o MoMA levou em digressão por várias cidades americanas. Esta edição do "Scrapbook" inclui, ao longo de 260 páginas, não só reproduções das páginas originais, mas também diversos textos de enquadramento histórico e informações que ajudam o compreender o processo criativo e o método de selecção de Henri Cartier-Bresson para a exposição que o lançou definitivamente como um nome incontornável da fotografia do século XX.
DIXIT
Só com instituições mais fortes venceremos. Golpes de sorte e de génio, habilidades e invenções, de nada servirão. Instituições e liberdade, sim.
António Barreto
O PIANO
Soube-se em 2020 que o pianista Keith Jarrett, 75 anos, decidiu, por motivos de saúde, não voltar a realizar concertos. No início da sua carreira, nos anos 1960, tocou com os Jazz Messengers de Art Blakey, mas foi como pianista no grupo de Miles Davis, nos anos 1970, que ganhou rapidamente fama. Ao longo da carreira tocou também com músicos como Charlie Haden, Paul Motian ou Freddie Hubbard, entre outros. Na sua extensa discografia destacam-se as gravações efectuadas ao vivo, nomeadamente o histórico The Koln Concert, de 1975, que impôs o seu estilo e a sua sonoridade e o tornou uma figura incontornável da história do jazz. Ao decidir parar com as suas actuações públicas, Keith Jarrett anunciou um novo disco, gravado ao vivo, em 2016, na capital húngara. Jarrett afirma que The Budapest Concert é o melhor de todos os seus registos gravados ao vivo, superando outro disco do mesmo ano, de um recital em Munique, e defende mesmo que a gravação de Budapeste é melhor do que o The Koln Concert. Todas as gravações ao vivo de Jarrett baseiam-se na improvisação, o que torna cada concerto diferente do outro. Aqui, neste novo disco duplo lançado há poucos meses, há 12 partes, como ele gosta de classificar os temas nas notas dos discos. Cada uma destas partes surge como um momento musical autónomo, mas todos esses momentos estão relacionados entre si, do mais curto, de cerca de três minutos, ao mais longo, que excede os 15. Apenas uma das partes, a última, recebe um título - "Blues", um surpreendente boogie-wooggie que assim deixa no ar um Jarrett mais raro e solto. No final há ainda o registo dos dois encores, "It’s A Lonesome Town" e "Answer Me". Duplo CD ECM, disponível em streaming no Spotify.
O autor escreve com a antiga ortografia
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