Opinião
O Estado da Nação
Na atual situação, uma das coisas que mais criam desconfiança nas pessoas é a forma ziguezagueante como o Governo encara o combate à pandemia.
O Governo nunca deve ser deixado nas mãos de quem cometa acções irresponsáveis.
George Washington
O Estado da Nação
Na atual situação, uma das coisas que mais criam desconfiança nas pessoas é a forma ziguezagueante como o Governo encara o combate à pandemia. Houve claramente tratamentos diferenciados entre o que foi permitido e o que foi proibido, e nem sempre se percebeu o porquê das decisões num caso e noutro - a Fórmula 1 foi o caso recente mais flagrante. O perigo de uma segunda vaga, mais forte e perigosa, era conhecido há muito, ninguém pode dizer que foi uma surpresa. Mas a verdade é que as hesitações e contradições dos últimos meses complicaram a mensagem de prudência. O combate à pandemia passa também pelo exemplo, pela transparência nas decisões, pela capacidade de mostrar uma estratégia. O que acontece é que o Governo andou a correr atrás do prejuízo, tem sido mais reactivo que preventivo. Se há uma estratégia e uma linha clara, por mais polémica que seja (estou a lembrar-me da Suécia…), então aposte-se tudo no que for decidido. Correr apenas ao sabor do vento não é uma boa solução. Compreendo que haja cansaço, em primeiro lugar dos que estão mais directamente envolvidos na coordenação desta luta, mas não pode acontecer que se fique a dormir, como aconteceu na maior parte dos últimos meses. Ninguém sabe a cura, mas já muita gente sabe o que não deve acontecer. E houve claramente tolerância a mais, o que gerou maus exemplos e agravou todos os problemas. O que estamos agora a passar tem que ver com isso mesmo.
• 43% do sector da restauração equaciona insolvência • a transmissão televisiva de touradas em canais de sinal aberto será proibida a partir de 2022 • este ano, devido à pandemia, realizaram-se 48 corridas de touros, menos 159 do que em 2019 • um rapaz de 16 anos tinha em casa, em Albufeira, duas jibóias, uma pitão e uma tarântula • o número de trabalhadores demitidos em processos de despedimento colectivo entre janeiro e setembro já é de cerca de 5.400 e é o mais elevado desde 2014, o último ano da troika em Portugal • a taxa de desemprego, que no segundo trimestre deste ano estava em 5,6%, subiu para 7,8% no período entre julho e setembro • em Portugal, o tempo médio gasto por uma empresa para cumprir as obrigações fiscais é de 243 horas, enquanto na Irlanda é de 82 horas • analisado o processo de pagamento de impostos, Portugal é o sexto pior país entre os 141 estudados em relatórios do Fórum Económico Mundial e do Banco Mundial • ao nível da burocracia regulamentar, ocupamos o 96.º lugar e a 113.ª posição quanto ao funcionamento da Justiça • segundo dados do Ministério Público, os inquéritos abertos por crimes de corrupção mostram um aumento de 100% entre 2014 e 2018 • mais de 600 mil condutores foram detectados em excesso de velocidade desde o início do ano e, apesar da pandemia e da diminuição da circulação, o número de multas aumentou 25% • entre Março e Maio deste ano, foram administradas menos 77.300 vacinas, uma queda de 13% face ao período homólogo do ano anterior.
Dixit
A situação é grave e as medidas restritivas são indispensáveis, mas sem liderança e sem mensagem tardarão a produzir efeitos. O Governo esgotou-se.
Paulo Rangel
Escrita Gonzo
- Histórias urbanas ou ficções publicitárias? Um pouco de ambas. É esta a receita de "Azulejos Pretos", o novo livro de Pedro Bidarra. O título vem do local central da acção que marca a narrativa - uma casa de banho inteiramente forrada a azulejos negros, toda ela preta, por onde desfilam personagens, se criam casos e se devoram vícios. No fundo, é a metáfora da decadência destes tempos onde o mundo se organiza em torno de uma retrete. Mais do que uma crónica sobre noites marginais e personagens em busca de excitações casuais, "Azulejos Pretos" é o retrato do desencanto perante a sucessão de estereótipos que proliferam à nossa volta. A personagem central é o mestre de cerimónias que vê desfilar os actores secundários no palco do WC enquanto tece considerações sobre a sua vida e a dos outros. Há um pouco de evocação do género de escrita que Hunter S. Thompson popularizou como "Gonzo Writing", onde o autor se confunde com o protagonista. Nas notas de apresentação do livro, ele é assim descrito: "Sendo o romance de um convulso anti-herói, ‘Azulejos Pretos’ é um fresco cínico, satírico, ácido, mas também escondidamente enternecido das últimas quatro décadas da nossa vida, contadas e rememoradas numa só noite, numa casa de banho de azulejos pretos." Duas citações marcam o livro: "Se não fores pássaro, tem cuidado para não acampares à beira de um abismo", de Nietzsche; a outra é um excerto de "Once In A Lifetime", uma canção dos Talking Heads, do álbum "Remain In Light". Como David Byrne cantava, "Well, How Did I Get Here?" - essa é a pergunta que baliza o protagonista da narrativa. Edição Guerra & Paz.
A arte do azulejo
A Galeria Ratton dedica-se, desde 1987, a fazer do azulejo o suporte para o trabalho de numerosos artistas que vai convidando. Faz peças de arte pública e painéis e azulejos individuais. Agora, em colaboração com a Embaixada de Itália, e a propósito de um livro de Antonio Tabucchi, "Requiem", a Ratton convidou Marta Wengorovius e Pedro Proença para criarem as peças que compõem a exposição "Entre O Sol E A Lua, Uma Alucinação". A ideia da Embaixada foi homenagear as vítimas da pandemia e, ao mesmo tempo, manter a ligação ao azulejo português que está presente no seu edifício, no pátio e na escadaria do Palácio dos Condes de Pombeiro. Assim nasceu o convite a Marta Wengorovius e a Pedro Proença para revisitarem os azulejos do palácio e criarem um diálogo entre essas peças e o imaginário presente no único livro escrito em português por António Tabucchi. Foi assim que os dois artistas se envolveram num processo de criação assente na inspiração recíproca entre pintura e literatura que caracterizou também a obra de Tabucchi. Até 31 de Dezembro, na Rua da Academia das Ciências 2C.
Outras sugestões: na Galeria Cisterna (Rua António Maria Cardoso 27), Sara Maia mostra uma série de pinturas e desenhos à qual chamou "Contadora de Histórias". E, na nova Galeria Sokyo Lisboa (Rua de São Bento 440), pode ver a primeira exposição em Portugal da ceramista japonesa Mishima Kimiyo.
Arco da velha
Sete condenados do processo Face Oculta escapam à cadeia há nove anos, apresentando novos recursos, e apenas outros três estão detidos.
O nascimento de uma lenda
A canadiana Joni Mitchell tinha 20 anos quando gravou as suas primeiras canções, que aparecem agora num novo conjunto de cinco CD que recuperam essas gravações antigas, feitas antes ainda de ter gravado o seu primeiro LP, "Songs To A Seagull", em 1968. Esta caixa é o primeiro volume dos seus arquivos sonoros - "The Early Years (1963-1967)". Na época das primeiras gravações aqui incluídas, Joni Mitchell ainda usava o seu nome verdadeiro, Roberta Joan Anderson, e aparecia com um ukulele - a guitarra veio mais tarde. Foi um DJ de rádio de então, Barry Bowman, que no Verão de 1963 a convenceu a gravar, no estúdio da sua emissora, nove temas folk em duas sessões, e foi um dos amigos desse tempo, Danny Evanishen, que lhe sugeriu aprender guitarra. A primeira faixa do disco de estreia (a coletânea está organizada por estrita ordem cronológica de gravação) é o clássico "The House Of The Rising Sun". As gravações dessa sessão só reapareceram em 2015 e, nos anos seguintes, foram redescobertos outros materiais. Neil Young, outro canadiano e que também tem estado a recuperar o seu arquivo, ajudou Mitchell neste processo. Foi assim que, ao longo de quase um ano, se recuperou e remasterizou o material que agora aparece nos cinco CD. Ao todo, são 119 temas, gravados em bares, em sessões improvisadas, em programas de rádio, em concertos, um pouco por todo o lado. Desde as primeiras gravações, de 1963, até às de 1967 que encerram este primeiro volume dos arquivos, nota-se a evolução de uma criadora - na maneira como usa a voz (mas que está lá desde o início), na forma como imagina a música e a toca e, sobretudo, como evoluiu de tradicionais folk para as suas próprias composições, introspectivas, que vão reflectindo o seu pensamento. Em cinco anos, desapareceu Roberta Joan Anderson e nasceu Joni Mitchell. É essa transformação que ouvimos neste primeiro volume dos seus arquivos sonoros. Disponível no Spotify.
Voltar à prova
Gosto de voltar a restaurantes que não frequento muito, mas que me impressionaram numa visita anterior. Umas vezes tenho desilusões, noutras alegrias. E foi com muito contentamento que saí do restaurante A Prova, em Belém, num regresso realizado há poucos dias. O restaurante é pequeno, meia dúzia de mesas, e no espaço coexiste uma garrafeira bem escolhida, com preços sensatos, e uma mercearia com bons produtos de várias regiões - queijos, enchidos, conservas e compotas, por exemplo. A casa está nas mãos de um casal, José e Paula, ela na cozinha, ele na sala. Ali vai-se petiscar e Paula gosta de propor coisas novas que vai aperfeiçoando. Desta vez, a grande novidade foi um leitão da Bairrada desfiado em crocante de massa filo. Pela mesa circularam também batata-doce recheada e bolinhas de alheira com geleia de fruta, que também se portaram bem. Ainda melhor se portaram umas vieiras, cozinhadas na chapa, no ponto exacto, muito bem temperadas, a fazer realçar o sabor a mar. No final, um requeijão com doce de abóbora rematou uma refeição que foi acompanhada por um tinto do Douro, o Passagem reserva, por um branco da Bairrada, o Bone de Pedro Martim, e um Soalheiro Rosé. Para prova futura ficam os cogumelos selvagens em molho de mostarda e limão e a sanduíche de bolo lêvedo com queijo da ilha e calda de figo. Para quem quiser outros petiscos, há preguinhos no pão e tábuas de queijos e enchidos. O Prova tem um serviço de "take-away" com diversas quiches, bacalhau com alheira de caça ou com broa e espinafres e um lombinho de porco Wellington, entre outras possibilidades. As entregas são feitas no dia a seguir à encomenda pelos telefones
215 819 080 e 966 046 218. O Prova fica na Rua Duarte Pacheco Pereira 9E, no Restelo, próximo do célebre café Careca.