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09 de Outubro de 2020 às 09:20

Marcelo, o engolidor de sapos

O primeiro sinal de corrupção numa sociedade é defender que os fins justificam os meios.

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SEMANADA

 

A dívida espanhola pode chegar a 120% do PIB no final do ano e a portuguesa poderá ultrapassar os 130% l em Portugal, existem mais de 4300 taxas que são aplicadas a empresas e às famílias l em oito distritos, fixaram-se no ano passado mais estrangeiros do que o número registado de nascimentos de bebés l mais de 10% dos bebés nascidos em todo o país são de mães de outras nacionalidades que não a portuguesa l são cobrados 30 milhões de euros por ano de uma taxa de gás que devia ter acabado em 2017, mas cujo fim não foi regulamentado l as vendas de vinho do Porto caíram cerca de 40% entre Janeiro e Agosto l no último ano, foram roubados 270 carros por mês l o Banco Alimentar já está a apoiar 440 mil pessoas, mais 60 mil do que antes da pandemia l a dívida portuguesa deve ultrapassar os 130% no final do ano, enquanto a dívida espanhola pode chegar a 120% l um estudo recente sobre hábitos de leitura revela que 70% dos alunos do básico e secundário não lêem por prazer, 31% nunca viu familiares a ler, 31,5% nunca ouviram contar histórias em família e 57% admitem que em casa existe uma relação distante com os livros e com a leitura l segundo a Marktest, cerca de 62% dos portugueses com mais de 15 anos, quase cinco milhões e meio de pessoas, usa serviços de mensagens instantâneas, o triplo dos que o faziam em 2013, e o valor sobe para 95% entre os 15 e os 24 anos l nos últimos cinco anos, as dez maiores sociedades de advogados do país efectuaram contratos com entidades públicas, no valor total de 30 milhões de euros.

 

DIXIT

A burocracia da Administração Pública é diabólica, e é mentira que esteja relacionada com as regras europeias.

Elvira Fortunato

 

 

BACK TO BASICS

O primeiro sinal de corrupção numa sociedade é defender que os fins justificam os meios.

Georges Bernanos

  

 

Contas polémicas

Foi com perplexidade que li que Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Rio indicaram, em sintonia com António Costa, o nome de José Tavares para Presidente do Tribunal de Contas. O facto de ele, enquanto quadro dirigente dessa instituição, poder ter auxiliado o Governo Sócrates a contornar as regras existentes no Tribunal cria, no entanto, uma dúvida: quem aceitou validar o nome de José Tavares não sabia dessa situação, ou sabia e decidiu que não era relevante? Nenhuma das situações abona em favor dos intervenientes. Parece que Marcelo Rebelo de Sousa se transformou de encantador de serpentes em engolidor de sapos.

 

De Rio, pouco se espera e já nos habituou a fazer jeitos a Costa. Percebemos agora que o Presidente, refém do receio de uma crise política, dá jeitos de contorcionista para evitar problemas antes das próximas presidenciais. Claro que no meio disto fica por esclarecer como é que o perfil de José Tavares se enquadra no critério que o próprio Marcelo definiu em declarações públicas como necessário para o sucessor de Vítor Caldeira: "exatamente com o mesmo grau de exigência no combate a conluios, compadrios e corrupções" que o anterior Presidente. Vítor Caldeira não era um burocrata de uma instituição: esteve por três mandatos à frente do Tribunal de Contas Europeu e, no seu mandato no Tribunal de Contas português, não hesitou em confrontar membros do Governo e autarcas, colocando reservas às suas actuações, o que lhe valeu críticas públicas de diversos membros destacados do PS. A razão da sua não recondução tem que ver com isso e não com outras questões.

 

A secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, já veio alertar para o facto de um escrutínio muito apertado da aplicação dos fundos poder inviabilizar a sua aplicação prática. Está tudo dito, não está? A não recondução dos incómodos passou a ser o procedimento. Quem se mete com o PS, leva – esse velho lema acaba de ter mais uma confirmação prática. Com a conivência deste Presidente da República.

 

Um policial arrebatador

Duas situações cruzam-se neste policial: a reabertura de uma investigação do assassinato de uma família quase inteira e o tráfico de armas. O cenário é a Suécia contemporânea e o pano de fundo da acção, que decorre em vários países, mostra um retrato duro do efeito que imigrantes vindos de cenários de guerra desencadeiam numa sociedade como a sueca, um tema, aliás. que tem sido recorrente em muitos dos romances policiais nórdicos dos últimos anos. De um lado, um polícia à beira da reforma que decide reabrir um caso, do outro um ex-agente infiltrado que com ele trabalhou e que se vê envolvido numa guerra de gangues. O livro chama-se "A Aniversariante" e o seu autor é o sueco Anders Roslund. O nome vem do começo da história: uma menina é a única sobrevivente de toda a sua família, morta quando se preparava para ir soprar as velas do bolo do seu quinto aniversário.

 

Emocionante até ao fim, com uma escrita viva, personagens magnificamente traçadas, o livro é um policial negro, ao mesmo tempo que um "thriller" sociopolítico. Anders Roslund foi jornalista durante década e meia, antes de se dedicar exclusivamente à escrita, focado em policiais. Primeiro em dupla com Borge Hellstrom, um ex-criminoso que se tornou escritor, e agora, desde a morte do seu parceiro em 2017, a solo.

 

Fotografias

Todd Hido é um dos nomes mais importantes da fotografia norte-americana contemporânea. Com uma actividade editorial intensa (já produziu 17 livros), Hido começou a expor em finais dos anos 1990 e a editar no início deste século. A sua série "House Hunting" – fruto de viagens pelos Estados Unidos, onde se focou em imagens nocturnas de casas em paisagens rurais e de subúrbios – deu-lhe notoriedade e reconhecimento, e é um dos pontos fortes da sua primeira exposição em Portugal, no Imago Photo Festival.

 

Patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, a exposição inclui também trabalhos da sua nova série "Bright Black World", na qual Hido sai das paisagens americanas e passa para paisagens desoladas do norte da Europa. A exposição inclui ainda imagens da série de nus e de retratos que fez em paralelo com a série "House Hunting" e ainda colagens recentes. A exposição de Todd Hido fica até 3 de Janeiro no MNAC.

 

Outra exposição em destaque neste Imago é "Novas Visões na Fotografia Contemporânea", que está dividida entre as carpintarias de São Lázaro e o Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras, ambas até meados de Novembro. Outra sugestão: na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, Ana Vidigal apresenta "Arpad e As Cinco", com obras feitas propositadamente para esta mostra e que evocam Maria Helena Vieira da Silva, Ana Vieira, Paula Rego e Lourdes Castro.

 

Segredos berlinenses

Em 1960, Ella Fitzgerald, então com 43 anos, actuou em Berlim e, dos concertos realizados, resultou um disco histórico na sua discografia – "Ella In Berlin, Mack The Knife". Dois anos mais tarde, em 1962, Ella regressou de novo a Berlim para mais uma série de concertos, e Norman Granz, o seu empresário (e fundador da Verve Records, a histórica etiqueta de jazz), gravou-os como era seu hábito – umas vezes porque as usava para posterior transmissão em rádios, outras para material de base para novas edições. Mas, desde que foram feitas, as fitas com as gravações dessa série de concertos berlinenses no mês de Março de 1962, no Sportpalast da cidade, estiveram desaparecidas. Coisa rara na época, quase há 60 anos, foram feitas gravações em mono e em stereo em simultâneo, o que agora permitiu um trabalho de fundo sobre os registos, que originalmente têm muito boa qualidade sonora. Foi dessas fitas que nasceu uma nova edição, em CD e duplo LP – "Ella, The Lost Berlin Tapes". Ao todo, são 17 temas, desde o histórico "Mack The Knife" a "Summertime", passando por "Cry Me A River", um fulgurante "Cheek To Cheek", e versões de "Someone To Watch Over Me" e "Wee Baby Blues", entre outros.

 

Ella estava em grande forma vocal e foi acompanhada por Paul Smith no piano, Wilfred Middlebrooks no baixo e Stan Levey na bateria. O trabalho de recuperação das fitas e de produção foi agora dirigido por Gregg Field, que trabalhou com Ella nos anos 1980 – a cantora morreu em 1996, com 79 anos.

 

Sobre o tártaro

Tenho um amigo que me dá muito bons conselhos sobre restaurantes e a sua mais recente indicação é um restaurante que nasceu no mercado Time Out e que, como vários outros, nos últimos tempos ganhou asas e voou para a rua, no caso, para ali bem perto, na Rua da Boavista 12, junto à Ribeira. O restaurante, confortável, bem decorado, dimensão média, é o MISC by Tartar-ia. O serviço é absolutamente exemplar – acolhedor, informado, a ajudar a tomar a decisão. A ementa-base é inspirada nas viagens que a sua fundadora, Maria Calheiros Machado, fez ao Médio Oriente, América do Sul e a alguns países europeus.

O nome vem da oferta diversificada de tártaros: salmão, atum, de carne, robalo e até vegetais, tártaros que constituem o essencial da lista, onde não faltam também ceviche ou um bem português arroz de lingueirão. O menu inicial foi desenhado pelo chef Vítor Santos e agora é Maria Calheiros Machado quem dirige a operação da cozinha no dia-a-dia. O começo foi protagonizado por uns belíssimos croquetes de beringela, com tahine de batata doce laranja. Depois vieram os tártaros. O de atum é marinado com óleo de sésamo, coentros e raspa de lima, e faz-se acompanhar de um puré de abacate com maionese e bolacha de sésamo, esponja de tinta de choco e rebentos de shiso. Depois apareceu o bife tártaro asiático com carne de vaca cortada manualmente e marinada em sweet chili sauce, óleo de sésamo, coentros, pimenta e tabasco.

 

Para uma próxima ocasião, fica um tártaro de robalo com escabeche de beterraba, pasta de folha de wasabi e crocante de pele de robalo. A sobremesa foi uma tarte de queijo incontornável. A copo, foi servido um espumante Filipa Pato, que deu muito boa conta, e um surpreendente tinto do Douro Superior, de Lucinda Todo Bom. O serviço é fantástico, talvez porque a fundadora começou por estudar recursos humanos antes de se formar em hotelaria e restauração. Local a repetir. Rua da Boavista 14, tel. 218 051 457.

 

ARCO DA VELHA

A cientista Elvira Fortunato está há mais de um ano a tentar adquirir para o centro onde trabalha um microscópio electrónico que custa dois milhões de euros, verba que provém de uma bolsa de investigação que ela própria ganhou, e que não consegue desbloquear por dificuldades burocráticas.
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