Opinião
O muro
O Banco de Portugal devia ser um muro intransponível contra a fraude e ameaças ao sistema financeiro português.
"A arte existe para que a realidade não nos destrua."
Nietzsche
O muro
O Banco de Portugal devia ser um muro intransponível contra a fraude e ameaças ao sistema financeiro português. Como a história recente comprova de forma recorrente, tal não sucede. Nestes últimos dias as notícias em torno de Isabel dos Santos e do banco EuroBic vieram avolumar novas suspeitas sobre a ineficácia do Banco de Portugal. Para resumir a história temos um banco central que não vigia os bancos, um banco central que não fiscaliza movimentos suspeitos, ou seja, um regulador que não regula. É certo que faz lindos estudos, mas curiosamente não lançou alertas em tempo devido, apesar de tanto estudo, sobre a situação do BES, do BPP, do BPN ou até do Montepio. Não fossem as exigências europeias sobre as nomeações para a banca e até isso provavelmente passaria ao lado no nosso banco central. A instituição tornou-se inimputável. O Conselho Consultivo do Banco de Portugal, de quem não se ouviram reparos ao que tem sucedido, tem integrado distintas figuras do regime como Francisco Louçã, Luís Nazaré, João Talone ou Murteira Nabo. Diz a lei que a este Conselho "compete pronunciar-se, não vinculativamente, sobre o relatório anual da atividade do banco e sobre a atuação do banco decorrente das funções que lhe estão atribuídas". Ninguém deu ainda por nada de relevante vindo de tão distintas personalidades. Menos ainda do seu sempre sorridente governador, Carlos Costa, que é perito em atravessar um dilúvio sem se molhar e em se manter a boiar no meio da tempestade. O Banco de Portugal, assim, pouco mais é do que um refúgio de políticos reformados, escola de candidatos a ministros ou trampolim para cargos internacionais. Em suma, em vez de banco central é um albergue espanhol. O Banco de Portugal mais parece um verdadeiro muro da vergonha.
Em cinco anos foram apreendidos 2,5 milhões de comprimidos por suspeita de falsificação e os estimulantes sexuais estão no topo da tabela • a Câmara de Lisboa gastou 18 mil euros em carimbos para chancelar folhas de papel na mesma altura em que afirma estar a desmaterializar processos • entretanto o espólio da Hemeroteca Municipal continua depositado numa garagem com poucas condições há sete anos • na última década houve uma quebra de 16% nas vendas de livros de ficção • o julgamento de um homem que se fez passar por assessor do Presidente da República foi adiado cerca de um ano por o juiz ter alegado dor de dentes • o Ministério da Educação confirmou que a meio de Janeiro continuavam a existir disciplinas que não tinham ainda iniciado as aulas por falta de professores • o sindicato dos inspectores da PJ está preocupado com o aumento de mulheres naquela polícia e pediu à Direcção que trave a entrada de uma maioria de agentes do sexo feminino • o Estado interrompeu as negociações com as famílias dos comandos mortos em instrução no ano de 2016 e o Governo entende que só pagará indemnizações às famílias se for obrigado em Tribunal • as obras num lote de terreno em Soltróia comprado em hasta pública à Autoridade Tributária, com garantia de construção, foram embargadas por uma resolução do Governo • em 2019 foram contabilizados 4192 médicos estrangeiros a trabalhar no país, um aumento de 8,8% em relação ao ano anterior • a filha de Ana Rita, a bombeira de Alcabideche que morreu em 2013 nos fogos do Caramulo, vai receber dez euros por mês de compensação pela morte da mãe, valor a que se juntam 90 euros para alimentação • Carlos Silva, militante socialista e líder da UGT, acusou António Costa de maltratar sindicalistas dentro do partido.
Dixit
"Portugal deve a Eanes, para além da afirmação democrática e do esforço de consciencialização cívica, a recondução das Forças Armadas à sua função de defesa nacional, a atenção prestada tanto aos Açores e à Madeira como ao interior e muitas preocupações de solidariedade social."
Jorge Miranda
Línguas viperinas
Michelle Dean é uma jornalista e crítica literária canadiana, atualmente a viver e a trabalhar nos EUA. Tem escrito para as revistas The New Yorker, The New Republic, The New York Times Magazine e Elle e em 2016 foi distinguida com uma menção do National Book Critics Circle pela excelência da sua abordagem aos livros e autores. "De Língua Afiada", agora editado entre nós pela Quetzal, permite a Michelle Dean levar-nos a conhecer melhor um conjunto de mulheres que, segundo ela, fizeram da opinião uma arte. A primeira frase do livro é esclarecedora: "Reuni neste livro um conjunto de mulheres que têm o denominador comum de, ainda em vida, terem ficado conhecidas como sendo de língua muito afiada." Susan Sontag, Dorothy Parker, Hannah Arendt, Rebecca West, Joan Didion, Mary McCarthy, Pauline Kael, Renata Adler, Janet Malcom e Nora Ephron são exactamente as línguas afiadas escolhidas por Michelle Dean. A autora apresenta cada uma destas mulheres, enquadrando-as no seu tempo, relatando como viveram, quase uma minibiografia com a particularidade de em todas surgirem citações dos seus escritos que permitem ver como de facto tinham as línguas afiadas. Dean sublinha que "estas mulheres, cada uma à sua maneira, desbravaram um caminho para que outras pudessem continuar". Delicioso - quer pelas histórias, quer pelas citações.
Lapa no deserto
Cada vez que passo próximo da sede da CGD lembro-me da Roménia do tempo de Ceausescu: um edifício megalómano e horrível, impositivo e arrogante. É lá que está instalada a Culturgest que podia ser uma das grandes instituições culturais do país se cuidasse melhor da sua relação com as pessoas. Mas, se a instituição-mãe, que é o banco, destrata os seus clientes, que esperar do resto? O mais espantoso de tudo, nesta questão da relação com o banco, é que os clientes da Caixa não têm, por regra, conhecimento do que se passa na Culturgest. E, embora tenham descontos em algumas actividades, elas são-lhes parcamente comunicadas, para não dizer escondidas. Parece que a Caixa tem vergonha de dizer aos seus clientes o que a Culturgest faz. Há uns anos tive ocasião de falar com um responsável da Culturgest na época, chamando a atenção para a forma como a sua instituição encarava a comunicação e como a relação com os públicos não era estimulada. Não pareceu sensível ao assunto, embora muitas se queixasse da falta de pessoas nas actividades que promovia. Vem toda esta conversa a propósito de uma excelente exposição que abriu na Culturgest na semana passada, dedicada à obra de Álvaro Lapa. A exposição está muito bem organizada e montada, em torno da relação do artista com os livros (e a sua própria escrita), evidencia diversas facetas menos conhecidas da sua obra, nomeadamente mostrando a sua biblioteca e os seus "Cadernos de Escritores". Até 19 de Abril poderá ver (deverá ver…) "Lendo Resolve-se: Álvaro Lapa e a Literatura", a exposição de que falo e que devia ser amplamente divulgada, fora das rotinas habituais e pouco funcionais. O que motivou as minhas linhas foi o facto de lá ter ido num domingo ao fim da manhã e praticamente não haver público. A exposição tinha aberto no sábado anterior e não tinha ninguém, apesar de ser dia de entrada gratuita. Compare-se o que se passa aos domingos no CCB ou na Gulbenkian e veja-se a diferença. É uma pena, Álvaro Lapa e Óscar Faria, que organizou a exposição, mereciam muito mais.
Arco da velha
O suspeito de ser o cabecilha do assalto a Tancos poderá ser libertado dentro de dias por atingir o prazo de prisão preventiva sem acusação formal do Ministério Público, tal como já aconteceu recentemente com os Hells Angels, suspeitos de associação criminosa e homicídio.
Um quarteto
Quando me apetece encontrar alguma coisa nova para ouvir tenho algumas rotinas. Uma delas é ir ao site da editora ECM, ver as novidades e depois passear pelo Spotify a descobri-las. Foi assim que dei com "Not Far From Here", o novo disco do quarteto de Julia Hulsmann, uma pianista e compositora de jazz alemã. Aqui está acompanhada pelo saxofonista Uli Klempendorff, Marc Muellbauer no baixo e Heinrich Köbberling na bateria. O quarteto gosta de arriscar, mantendo uma enorme coerência na forma como dialoga entre si. O disco inclui composições de todos os músicos e uma interpretação de "This Is Not America", um clássico de David Bowie, feito em co-autoria com Pat Metheny e Lyle Mays, e que é um dos pontos altos do disco (retomado como derradeira faixa numa outra versão, apenas ao piano). Hulsmann assina cinco composições e uma delas, "Weit Weg", merece especial destaque pela forma como a pianista e o baixista dialogam, com uma quase imperceptível presença da bateria. O saxofonista Klempendorff é o elemento novo nesta formação, até aqui um trio que tocava há cerca de 17 anos e ele tem uma presença marcante, como aliás é patente na faixa de abertura "The Art Of Failing".
Uma taverna
Confesso que até agora as minhas experiências gastronómicas em Nisa, uma vila no Alto Alentejo, não eram nada entusiasmantes. Na generalidade coisas fracas, insípidas, sem ambiente nem graça - gustativa ou convivial. Desta vez, no entanto, tenho de rever a minha opinião. A culpa desta mudança reside na Travessa da Vila onde Paulo Bagulho dirige a cozinha com saber e imaginação. Mas comecemos pelo local - uma sala simples e simpática, serviço atento e pronto, mesas e bancos corridos. Para começar, na mesa havia bom pão, queijo e azeitonas da região, todos de boa qualidade. Da ementa contava açorda de ovas com peixe do rio - no caso um safio frito - uma alhada de cação, lombinhos com molho de azeite e coentros e febrinhas do alguidar grelhadas. Há um vinho da casa, passável, mas para a qualidade da comida o melhor é mesmo ver uma das outras propostas da lista. Desta vez provou-se o safio que estava bem frito, no ponto, sem gordura e a açorda, que era rica em ovas e muito bem temperada. Os lombinhos com molho de azeite mereceram vários elogios. A sopa de cação, que infelizmente não foi provada, pode ser servida como entrada ou como prato principal. A Taverna da Vila fica perto do Castelo de Nisa, no Largo Dr. António José de Almeida 2 e tem o telefone 965 890 164. Está associada a um outro espaço, o Quintal da Festa, na Rua 25 de Abril 61, onde existe também uma mercearia com produtos locais - espaço mais dado a temperaturas mais altas que as actuais, em que também pontifica na cozinha o mesmo chef Paulo Bagulho, que gosta de vir às mesas falar com os clientes de forma descontraída. Esta Taverna fica no registo.