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29 de Dezembro de 2017 às 09:53

A esquina do Rio

Quase metade dos portugueses abstém-se nas eleições e a percentagem é maior ainda entre os que têm menos de 35 anos. Isto quer dizer que praticamente metade da população (43,07% nas mais recentes legislativas) não quis eleger deputados, não confia nos políticos e nos partidos em que se organizaram.

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"O género humano não pode suportar muita realidade."
T. S. Eliot

Pulhice
Quase metade dos portugueses abstém-se nas eleições e a percentagem é maior ainda entre os que têm menos de 35 anos. Isto quer dizer que praticamente metade da população (43,07% nas mais recentes legislativas) não quis eleger deputados, não confia nos políticos e nos partidos em que se organizaram. E que fazem os partidos, os deputados eleitos por metade da população e os seus dirigentes? Em vez de procurarem conquistar a confiança e mostrarem-se como exemplo de probidade, revelam-se um exemplo de dissimulação e aldrabice. O que se passou com o processo da nova Lei de Financiamento dos Partidos é a demonstração clara da pouca-vergonha instalada na Assembleia da República. O funcionamento do regime não é barato - e o que está aqui em causa não é o custo financeiro da democracia e do funcionamento do sistema, o que está em causa é a ética política e sobretudo a maioria dos partidos não querer fazer de todos nós parvos. Na Assembleia da República, PS, PSD, PCP, Verdes e Bloco de Esquerda organizaram-se numa conspiração de silêncio, reunindo à porta fechada, sem divulgação de agenda, escondidos dos jornalistas acreditados no Parlamento, sem sequer redigirem actas do que se passava nas reuniões. A coisa é de tal modo que agora não se sabe quem propôs o quê nas alterações verificadas ao financiamento dos partidos. Quando chegou a hora da votação, apenas o CDS e o PAN votaram contra a conspiração. A frente única da aldrabice aprovou a lei. Até o líder da Comissão de Transparência da Assembleia da República não foi informado do que se passava, tão-pouco o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, muito menos o Presidente da República. Fixem o nome dos actuais líderes parlamentares dos partidos - eles são os primeiros responsáveis por este golpe do baú. Haverá melhor retrato da degeneração do sistema político do que este?

Dixit
"Sou uma lobista social; se eu quisesse estar na política, já estaria."
Paula Brito e Costa

Semanada
 A Câmara Municipal de Lisboa, através da EGEAC, comprou 30 mil cartolas vermelhas e pretas por 57 mil euros para oferecer aos espectadores da passagem do ano no Terreiro do Paço  as festas de fim de ano em Lisboa vão custar 650 mil euros, igualmente suportados pela EGEAC, que vive essencialmente das receitas geradas pelos visitantes do Castelo de São Jorge  a esquadra de Arroios, em Lisboa, foi encerrada entre 22 de Dezembro e 2 de Janeiro por falta de agentes, indica um aviso afixado na porta das instalações  Bragança e Beja são os dois distritos que captaram maior número de imigrantes estrangeiros entre 2008 e 2016  os estudantes estrangeiros no Instituto Politécnico de Bragança têm um impacto anual de 12,3 milhões de euros na economia local  o investimento estrangeiro em Portugal, no primeiro semestre de 2017, foi de 119 mil milhões de euros  o número de alunos do ensino superior a estudarem para serem professores é o mais baixo dos últimos 20 anos  em Novembro, 44% das páginas dos sites auditados pela Marktest foram acedidas através de equipamentos móveis  segundo o estudo "Os Portugueses e as Redes Sociais", também da Marktest, 39% dos utilizadores de redes sociais lêem comentários de consumidores sobre produtos/serviços antes de comprar  familiares de Miguel Frasquilho, ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças e ex-deputado do PSD, terão recebido transferências de uma conta na Suíça, detida pela Espírito Santo Enterprises.

Folhear
Desde 2015, a revista Monocle edita em Dezembro uma publicação intitulada "Forecast", que pretende apontar as principais tendências para o ano seguinte. Na edição deste ano, recomenda-se a leitura de um ensaio de David Miliband, ex-responsável pela política externa do Reino Unido, onde defende que a globalização é perseguida à esquerda por ser inimiga da igualdade e perseguida à direita por ser terreno da contestação à ordem estabelecida. Um dos fenómenos da crise actual da globalização, segundo Miliband, vem do facto de a economia e a política, que durante muito tempo se entenderam, estarem agora em divergência de forma acentuada. É uma visão interessante da crise mundial. A revista aborda ainda a importância de ter nas cidades locais confortáveis para pessoas de idade, com comércio de rua e zonas que incentivem que os residentes mais velhos façam parte da comunidade e participem nela - aqui está um bom lembrete para os responsáveis por Lisboa, que preferem atirar os mais velhos para fora da cidade e das zonas onde sempre viveram. Já agora, ao ler a Forecast descobri que a nova exportação suíça são camarões, que começaram a ser produzidos em grande quantidade no país para serem exportados para toda a Europa. Para rematar, uma visão imperdível sobre aquilo que faz da Holanda um país especial: "Se não fossemos criativos, estávamos condenados a viver abaixo do nível do mar e a ficarmos afogados", diz um dos entrevistados.

Gosto
Da forma como Marcelo Rebelo de Sousa mostrou, ao longo do ano, como se pode estar de forma diferente no mais alto cargo político do país, a dar exemplos ao resto dos políticos. 

Não gosto
Vários jogadores da equipa de futebol do Rio Ave estão a ser investigados por suspeita de viciação de resultados, levando a sua equipa a perder.

Ver
Finalmente, consegui ir à Bienal de Coimbra, que encerra já no último dia do ano depois de ter inaugurado a 11 de Novembro. Trata-se da segunda edição desta segunda Bienal de Arte Contemporânea, agora dedicada ao tema "Curar e Reparar". A iniciativa representa um assinalável esforço da cidade e da região centro para estabelecer uma mostra internacional de tendências, em muitos casos com obras feitas expressamente para os locais onde são exibidas - e várias delas claramente efémeras como a própria Bienal. O espaço magnífico do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova é aquele onde foi mais bem conseguida a materialização do conceito fundador deste ano e onde estão claramente as mais conseguidas obras inéditas e também as apresentações de obras de criadores estrangeiros aqui mostradas pela primeira vez em Portugal. O efeito conseguido neste antigo Mosteiro, que na maior parte do século XX albergou um quartel e é hoje ainda propriedade militar, abandonada e decadente, é verdadeiramente impressionante. Destaco os trabalhos de Fernanda Fragateiro, Francis Alys, James Lee Byars, Julião Sarmento e William Kentridge, que aliás proporciona um final telúrico do percurso do Mosteiro. Depois disso é muito difícil encontrar paralelos com as exposições apresentadas nos outros seis locais da Bienal - algumas pretensiosas e vazias, outras falhadas, outras ainda desnecessariamente a procurarem justificativos ideológicos que sustentem uma prestação plástica medíocre. A curadoria foi de Delfim Sardo com Luiza Teixeira de Freitas.

Arco da velha
Apesar de viver em Lisboa com o ministro Vieira da Silva, desde 2009, a deputada Sónia Fertuzinhos continua a receber, todos os meses, do Parlamento, mais de mil euros de subsídio de deslocação para Guimarães. 

Ouvir
A primeira metade da década de 60 foi a época de ouro da aproximação do saxofonista Stan Getz à música brasileira. São os anos Bossa Nova, durante os quais ele lançou cinco álbuns agora reunidos numa caixa, pela prestigiada editora Verve, para quem estas preciosidades foram gravadas. E quais são esses álbuns? Comecemos por "Big Band Bossa Nova", com arranjos de Gary McFarland, onde se destacam interpretações instrumentais de temas como Melancolico, Chega de Saudade, e Samba de Uma Nota Só. Em 1962, Getz junta-se ao guitarrista Charlie Byrd e edita "Jazz Samba", onde se destacam temas como Desafinado, O Pato e Baía. Pouco tempo depois surge "Jazz Samba Encore", já com participações de Luiz Bonfa e Maria Toledo, que cantam Só Danço Samba, Insensatez ou Saudade Vem Correndo. Depois Stan Getz e o guitarrista Laurindo Almeida na guitarra fazem um disco pouco conhecido que explora novos caminhos no cruzamento entre o saxofone e a guitarra. E, por fim, a jóia da coroa desta colecção surge quando Stan Getz se junta a João Gilberto, com a participação de Antônio Carlos Jobim, no LP "The Girl From Ipanema", onde além do tema-título se destacam Desafinado, Corcovado, O Grande Amor e Vivo Sonhando. Além desta caixa de CD "Stan Getz - Bossa Nova Years", a Verve lançou também "The Divine Miss Dinah Washington" e "Classic Lady Day", de Billie Holiday, ambas igualmente reproduzindo cinco LP originais.

Provar
O panorama gastronómico em Lisboa andou morno este ano e a coisa resume-se assim: alguns bons restaurantes, na comida, serviço e ambiente, degradaram-se em relação aos seus clientes habituais e esmeram-se em relação aos visitantes estrangeiros. A falta de mão-de-obra qualificada começa a fazer-se sentir nos estabelecimentos de maior prestígio, onde a rotação de colaboradores é cada vez mais visível. Sobretudo nos restaurantes localizados nas zonas mais turísticas, o cliente nacional é tratado pelos empregados de mesa da mesma forma que os taxistas tratam um cidadão português à chegada ao aeroporto. Claro que há excepções, mas elas são reduzidas e pouco frequentes entre os chamados chefs da moda, uma raça que começa a ser uma praga e a quem é permitido o que não se tolera a um empregado de balcão de uma tasca de bairro. No fundo, tudo isto radica numa certeza, que é a galinha de ovos de oiro dos novos grupos empresariais da restauração: os clientes portugueses são uns chatos que aparecem eventualmente várias vezes ao ano se se sentirem bem tratados e os estrangeiros muito raramente repetem a visita; os primeiros não gastam muito e torcem o nariz aos preços dos vinhos e de fantasias culinárias, os segundos não se queixam dos preços e sorriem pasmados. A variedade fast-food dos novos chefs é a mais recente praga - depois de anos a fazerem menus de degustação muitas vezes insuportáveis, dedicam-se agora a uma variedade de comida rápida feita com menos regras e preceitos que os existentes em qualquer McDonald's. Depois das estrelas Michelin, o batalhão dos chefs de aviário entrou no campeonato dos "food corners", como o que agora abriu no El Corte Inglés de Lisboa. Resta a consolação de bons restaurantes, por enquanto ainda fora de zonas turísticas e das tascas dedicadas à cozinha popular.


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