Opinião
A esquina do Rio
O MAAT tem muito para ver por estes dias. Começo por "Electronic Superhighway", uma exposição produzida pela Galeria Whitechapel de Londres, em 1916, e que reúne mais de 100 peças que mostram o impacto das novas tecnologias e da internet nos artistas de meados da década de 60 até ao presente.
Back to basics
Mesmo no trono mais sumptuoso, a verdade é que apenas estamos sentados no nosso próprio rabo.
Michel de Montaigne
O sururu
Vai para aí um grande sururu por causa do Web Summit. As redes sociais, um dos pilares da expressão pública da nova sociedade, foram o centro das críticas, remoques e ataques à iniciativa que delas em boa parte nasceu. Esclareço que, para mim, o Web Summit não é a santa milagreira que vai resolver o problema das start-ups portuguesas, nem uma escola de casos de sucesso. Mas é uma boa feira, uma enorme feira de um sector específico que está no centro da nova economia, uma forma de proporcionar pontos de encontro, fomentar debates e, às vezes, criar notícias internacionalmente - como aconteceu com as revelações sobre a campanha de Trump, feitas por um dos seus protagonistas. Eu cá prefiro que tudo isto suceda em Lisboa do que noutra capital qualquer - ajuda a pôr-nos no mapa e traz-nos mundo. Mas, é bom ter isto presente, também reforça a necessidade de que quem manda na cidade reflicta com cuidado como quer tratar e posicionar o turismo, como quer posicionar a cidade em termos de recuperação urbanística e atracção de empresas. E, sobretudo, obriga necessariamente o Governo a ver as assimetrias que existem num país que é capaz de acolher com sucesso um evento desta complexidade e, ao mesmo tempo, deixar arder vastas porções de território, permitir a morte de uma centena de pessoas nos fogos, não conseguir garantir a segurança, nem nos incêndios nem nos hospitais, como agora se percebeu. É este o paradoxo do Portugal contemporâneo e o Web Summit também tem essa utilidade - agudiza a comparação e mostra como o Estado tem comportamentos diferentes. É bom termos o Web Summit, é bom aprendermos, é bom que o Sr. Cosgrave ganhe dinheiro com o assunto porque assim também nós ganhamos: este é o caso de uma "win-win situation". Mas o êxito da realização, a eficácia da produção do evento e a correcção de erros do ano passado traz a responsabilidade de o Estado não se restringir a eventos de propaganda e começar a preocupar-se com os cidadãos. O sentido do Web Summit é esse: de nada serve a inteligência artificial se as pessoas forem destruídas.
Semanada
• Na semana do Web Summit, o alojamento local em Lisboa teve uma ocupação de 80% • há 120 grupos de participantes no Web Summit que têm por objectivo visitar os bares do Bairro Alto e proximidades • foi uma falha de software no sistema de informação de autópsias que levou a PSP a interromper os velórios de vítimas de legionela, colocando os cadáveres dentro de sacos de plástico à frente dos familiares • na sequência dos incidentes na discoteca Urban, a PSP informou que não prevê reforçar o patrulhamento à noite em Lisboa • os processos existentes em tribunal sobre violência exercida por seguranças não suspendem a sua licença de actividade, nem lhes retiram o cartão profissional • a verba prevista no Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde não chega para cobrir as suas despesas e a dívida a fornecedores continua a crescer e já ultrapassa os mil milhões de euros • em sete anos, um em cada três empregos podem ser substituídos por sistemas de tecnologia inteligente; segundo um estudo da Marktest, a utilização da internet através do telemóvel quase quadruplicou nos últimos cinco anos • o futebol vale 43% do total de apostas do jogo online • a Amazon vai passar a fazer entregas gratuitas em Portugal a partir da sua filial espanhola.
Ver
O MAAT tem muito para ver por estes dias. Começo por "Electronic Superhighway", uma exposição produzida pela Galeria Whitechapel de Londres, em 1916, e que reúne mais de 100 peças que mostram o impacto das novas tecnologias e da internet nos artistas de meados da década de 60 até ao presente. A exposição inclui obras multimédia, filmes, pintura, escultura, fotografia e desenhos de mais de 70 artistas, entre eles Nam June Paik, Judith Barry, Douglas Coupland, Jodi, Richard Serra, Thomas Ruff e Amalia Ulman, entre outros. Está no edifício da Central Tejo até Março do próximo ano. Ainda no edifício da Central Tejo recomenda-se "Quote/unquote, entre apropriação e diálogo", uma selecção de obras da Fundação EDP subordinada ao tema da apropriação na arte contemporânea. A exposição estará patente até Fevereiro do próximo ano e inclui obras de artistas como Pedro Calapez, Eduardo Batarda, Luís Campos, Nuno Cera, José Pedro Croft, Ângelo de Sousa e Fernando Calhau, entre outros. A completar este ciclo de exposições do MAAT está "Bónus", uma projecto de Ana Jotta, que sai dos edifícios do MAAT para um espaço no número 30 da Rua do Embaixador, em Belém, e que inclui gravuras e peças de bronze em tiragem única. Esta exposição nasce da relação entre a artista e o museu, relação que parte da atribuição do Grande Prémio Fundação EDP a Ana Jotta em 2013. "Bónus", o título escolhido pela artista, reflecte o desejo de levar para um espaço de características não museológicas, numa rua de grande circulação e comércio da freguesia de Belém, um conjunto de trabalhos recentes e inéditos, levando-os para mais perto da comunidade local envolvente do MAAT.
Arco da velha
O Ministério da Administração Interna comprou, há dois anos, um software para monitorizar o SIRESP que nunca usou; depois de Pedrógão, a Protecção Civil requereu a utilização dessa aplicação que, no entanto, permaneceu inoperacional nos incêndios de 15 de Outubro.
Ouvir
A prestigiada etiqueta de jazz Blue Note teve a ideia de pegar em seis dos mais destacados músicos que gravam para a editora, cada um dirigindo o seu próprio grupo, e juntou-os. É uma ideia explosiva que pode correr mal ou correr muito bem. Correu muito bem. Para culminar, resolveram chamar ao duplo CD resultante desta junção "Our Point Of View", um título ele próprio provocatório. No caso, juntaram-se os talentos de Robert Glasper no piano, Marcus Strickland no saxofone, Lionel Loueke na guitarra, Derrick Hodge no baixo eléctrico, Kendrick Scott na bateria e Ambrose Akinmusire no trompete. Como se isto não chegasse, Wayne Shorter e Herbie Hancock aparecem a dar ar da sua graça no primeiro tema do segundo disco em "Masquelero", um original do próprio Shorter. À excepção deste e de "Witch Hunt", também de Wayne Shorter, todos os outros nove temas do duplo CD são da autoria de membros deste sexteto de luxo, quase todos versões de composições que gravaram a solo nos seus discos. Gostava de realçar "Bayinah", no segundo disco, um original do guitarrista Lionel Loueke, e que mostra de forma exemplar o prazer de tocar em conjunto e em romper barreiras e conceitos estabelecidos - afinal, é essa a essência do próprio jazz. Nesse sentido, este disco é uma introdução perfeita ao que de melhor se faz no jazz contemporâneo. Blue Note All - Stars, "Our Point Of View", duplo CD distribuído em Portugal pela Universal.
Gosto
A exportação de fruta portuguesa aumentou 40% nos primeiros oito meses deste ano.
Não gosto
Os prazos dos tribunais e da justiça em Portugal continuam na cauda da Europa.
Folhear
Hannah Arendt foi uma das mais influentes pensadoras do século XX. Alemã, de origem judaica, foi perseguida pelos nazis. A situação na Alemanha levou-a a emigrar para os Estados Unidos ainda antes da Segunda Grande Guerra, onde consolidou a sua reputação na área da filosofia política, ou teoria política - como ela preferia chamar-lhe. Na Universidade de Marburg, onde estudou em 1924, um dos seus professores foi Martin Heidegger, 17 anos mais velho do que ela, casado, e um dos mais reputados filósofos da época. A relação entre o professor de 36 anos e a aluna de 19 evoluiu da atracção intelectual e tornaram-se amantes, clandestinos, uma relação escondida, que a levou a partir para outra universidade sem nunca esquecer a relação. Depois de concluir os seus estudos em Filosofia, Arendt começou progressivamente a interessar-se por teoria política, nomeadamente pelo papel das mulheres na sociedade e a questão judaica. Heidegger, por seu lado, era dos nomes mais importantes da filosofia alemã da época e a sua obra desenvolveu-se em torno do sentido do ser. Em 1933, aderiu ao partido nacional-socialista, precisamente o ano em que Hitler ascendeu ao poder e em que Hannah Arendt esteve presa pelos nazis, antes de emigrar. Heidegger havia de afirmar que o romance com Arendt foi "o mais excitante, mais orientado e mais rico" período da sua vida e que essa criatividade se reflectiu na sua obra mais importante, "Ser e Tempo". Agora, pela primeira vez, surge reunida num único volume a correspondência trocada entre Hannah Arendt e Martin Heidegger entre 1925 e 1975, o ano em que ela morreu. É um diálogo feito com base na paixão e admiração recíprocas que se manteve ao longo dos anos, contrariando a distância geográfica e as diferenças ideológicas, mas é sobretudo um constante diálogo entre duas das mais importantes vozes filosóficas do século XX. Hoje em dia, se calhar, isto tudo é incorrecto e seria um escândalo que levaria ao despedimento de ambos - mas, se não tivesse acontecido, não tínhamos "Arendt-Heidegger, Cartas 1925-1975", que foi traduzido do alemão por Marco Casanova e editado pela Guerra & Paz.
Dixit
É tempo de a China ocupar o seu lugar no centro do palco mundial.
Xi Jinping, Presidente da República Popular da China
Provar
Estamos no Verão de São Martinho - embora o Outono ande tímido e a chuva arredia, para mal dos nossos pecados. Esta é a época do ano em que se comem castanhas assadas, acompanhadas de água-pé, uma bebida tradicional que celebra o fim das vindimas e o vinho novo e que as normas comunitárias arredaram das prateleiras, norma que a ASAE se apressou a implementar com o desvelo que aplica às tradições. A água-pé é uma bebida tradicional de Portugal, com baixo teor de álcool, normalmente à volta de oito graus, resultante da fermentação da adição de água ao bagaço da uva e é, em geral, confeccionada para consumo nos magustos e outras festividades tradicionais do Outono. Tem a tonalidade de um clarete, um sabor suave, bebe-se à temperatura ambiente, mais fresca do que morna e pode ter um leve gasoso. A sua comercialização está proibida - legalmente, só pode ser utilizada para consumo familiar do produtor de vinho. Quer isto dizer que ou arranjamos familiares que façam vinho ou teremos de ir à procura de almas caridosas que a dispensem, correndo o risco da ilegalidade. Esta é daquelas situações ridículas - a produção de água-pé não é proibida, a sua comercialização é que é. Assim se dá cabo de uma tradição por obra e graça de uns rapazes em Bruxelas, aos quais o destemido Mário Centeno se quer agora juntar. Eu, por mim, espero comer castanhas e beber água-pé neste Verão de São Martinho. E sei onde posso encontrá-la.
Mesmo no trono mais sumptuoso, a verdade é que apenas estamos sentados no nosso próprio rabo.
Michel de Montaigne
O sururu
Vai para aí um grande sururu por causa do Web Summit. As redes sociais, um dos pilares da expressão pública da nova sociedade, foram o centro das críticas, remoques e ataques à iniciativa que delas em boa parte nasceu. Esclareço que, para mim, o Web Summit não é a santa milagreira que vai resolver o problema das start-ups portuguesas, nem uma escola de casos de sucesso. Mas é uma boa feira, uma enorme feira de um sector específico que está no centro da nova economia, uma forma de proporcionar pontos de encontro, fomentar debates e, às vezes, criar notícias internacionalmente - como aconteceu com as revelações sobre a campanha de Trump, feitas por um dos seus protagonistas. Eu cá prefiro que tudo isto suceda em Lisboa do que noutra capital qualquer - ajuda a pôr-nos no mapa e traz-nos mundo. Mas, é bom ter isto presente, também reforça a necessidade de que quem manda na cidade reflicta com cuidado como quer tratar e posicionar o turismo, como quer posicionar a cidade em termos de recuperação urbanística e atracção de empresas. E, sobretudo, obriga necessariamente o Governo a ver as assimetrias que existem num país que é capaz de acolher com sucesso um evento desta complexidade e, ao mesmo tempo, deixar arder vastas porções de território, permitir a morte de uma centena de pessoas nos fogos, não conseguir garantir a segurança, nem nos incêndios nem nos hospitais, como agora se percebeu. É este o paradoxo do Portugal contemporâneo e o Web Summit também tem essa utilidade - agudiza a comparação e mostra como o Estado tem comportamentos diferentes. É bom termos o Web Summit, é bom aprendermos, é bom que o Sr. Cosgrave ganhe dinheiro com o assunto porque assim também nós ganhamos: este é o caso de uma "win-win situation". Mas o êxito da realização, a eficácia da produção do evento e a correcção de erros do ano passado traz a responsabilidade de o Estado não se restringir a eventos de propaganda e começar a preocupar-se com os cidadãos. O sentido do Web Summit é esse: de nada serve a inteligência artificial se as pessoas forem destruídas.
• Na semana do Web Summit, o alojamento local em Lisboa teve uma ocupação de 80% • há 120 grupos de participantes no Web Summit que têm por objectivo visitar os bares do Bairro Alto e proximidades • foi uma falha de software no sistema de informação de autópsias que levou a PSP a interromper os velórios de vítimas de legionela, colocando os cadáveres dentro de sacos de plástico à frente dos familiares • na sequência dos incidentes na discoteca Urban, a PSP informou que não prevê reforçar o patrulhamento à noite em Lisboa • os processos existentes em tribunal sobre violência exercida por seguranças não suspendem a sua licença de actividade, nem lhes retiram o cartão profissional • a verba prevista no Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde não chega para cobrir as suas despesas e a dívida a fornecedores continua a crescer e já ultrapassa os mil milhões de euros • em sete anos, um em cada três empregos podem ser substituídos por sistemas de tecnologia inteligente; segundo um estudo da Marktest, a utilização da internet através do telemóvel quase quadruplicou nos últimos cinco anos • o futebol vale 43% do total de apostas do jogo online • a Amazon vai passar a fazer entregas gratuitas em Portugal a partir da sua filial espanhola.
Ver
O MAAT tem muito para ver por estes dias. Começo por "Electronic Superhighway", uma exposição produzida pela Galeria Whitechapel de Londres, em 1916, e que reúne mais de 100 peças que mostram o impacto das novas tecnologias e da internet nos artistas de meados da década de 60 até ao presente. A exposição inclui obras multimédia, filmes, pintura, escultura, fotografia e desenhos de mais de 70 artistas, entre eles Nam June Paik, Judith Barry, Douglas Coupland, Jodi, Richard Serra, Thomas Ruff e Amalia Ulman, entre outros. Está no edifício da Central Tejo até Março do próximo ano. Ainda no edifício da Central Tejo recomenda-se "Quote/unquote, entre apropriação e diálogo", uma selecção de obras da Fundação EDP subordinada ao tema da apropriação na arte contemporânea. A exposição estará patente até Fevereiro do próximo ano e inclui obras de artistas como Pedro Calapez, Eduardo Batarda, Luís Campos, Nuno Cera, José Pedro Croft, Ângelo de Sousa e Fernando Calhau, entre outros. A completar este ciclo de exposições do MAAT está "Bónus", uma projecto de Ana Jotta, que sai dos edifícios do MAAT para um espaço no número 30 da Rua do Embaixador, em Belém, e que inclui gravuras e peças de bronze em tiragem única. Esta exposição nasce da relação entre a artista e o museu, relação que parte da atribuição do Grande Prémio Fundação EDP a Ana Jotta em 2013. "Bónus", o título escolhido pela artista, reflecte o desejo de levar para um espaço de características não museológicas, numa rua de grande circulação e comércio da freguesia de Belém, um conjunto de trabalhos recentes e inéditos, levando-os para mais perto da comunidade local envolvente do MAAT.
Arco da velha
O Ministério da Administração Interna comprou, há dois anos, um software para monitorizar o SIRESP que nunca usou; depois de Pedrógão, a Protecção Civil requereu a utilização dessa aplicação que, no entanto, permaneceu inoperacional nos incêndios de 15 de Outubro.
Ouvir
A prestigiada etiqueta de jazz Blue Note teve a ideia de pegar em seis dos mais destacados músicos que gravam para a editora, cada um dirigindo o seu próprio grupo, e juntou-os. É uma ideia explosiva que pode correr mal ou correr muito bem. Correu muito bem. Para culminar, resolveram chamar ao duplo CD resultante desta junção "Our Point Of View", um título ele próprio provocatório. No caso, juntaram-se os talentos de Robert Glasper no piano, Marcus Strickland no saxofone, Lionel Loueke na guitarra, Derrick Hodge no baixo eléctrico, Kendrick Scott na bateria e Ambrose Akinmusire no trompete. Como se isto não chegasse, Wayne Shorter e Herbie Hancock aparecem a dar ar da sua graça no primeiro tema do segundo disco em "Masquelero", um original do próprio Shorter. À excepção deste e de "Witch Hunt", também de Wayne Shorter, todos os outros nove temas do duplo CD são da autoria de membros deste sexteto de luxo, quase todos versões de composições que gravaram a solo nos seus discos. Gostava de realçar "Bayinah", no segundo disco, um original do guitarrista Lionel Loueke, e que mostra de forma exemplar o prazer de tocar em conjunto e em romper barreiras e conceitos estabelecidos - afinal, é essa a essência do próprio jazz. Nesse sentido, este disco é uma introdução perfeita ao que de melhor se faz no jazz contemporâneo. Blue Note All - Stars, "Our Point Of View", duplo CD distribuído em Portugal pela Universal.
Gosto
A exportação de fruta portuguesa aumentou 40% nos primeiros oito meses deste ano.
Não gosto
Os prazos dos tribunais e da justiça em Portugal continuam na cauda da Europa.
Folhear
Hannah Arendt foi uma das mais influentes pensadoras do século XX. Alemã, de origem judaica, foi perseguida pelos nazis. A situação na Alemanha levou-a a emigrar para os Estados Unidos ainda antes da Segunda Grande Guerra, onde consolidou a sua reputação na área da filosofia política, ou teoria política - como ela preferia chamar-lhe. Na Universidade de Marburg, onde estudou em 1924, um dos seus professores foi Martin Heidegger, 17 anos mais velho do que ela, casado, e um dos mais reputados filósofos da época. A relação entre o professor de 36 anos e a aluna de 19 evoluiu da atracção intelectual e tornaram-se amantes, clandestinos, uma relação escondida, que a levou a partir para outra universidade sem nunca esquecer a relação. Depois de concluir os seus estudos em Filosofia, Arendt começou progressivamente a interessar-se por teoria política, nomeadamente pelo papel das mulheres na sociedade e a questão judaica. Heidegger, por seu lado, era dos nomes mais importantes da filosofia alemã da época e a sua obra desenvolveu-se em torno do sentido do ser. Em 1933, aderiu ao partido nacional-socialista, precisamente o ano em que Hitler ascendeu ao poder e em que Hannah Arendt esteve presa pelos nazis, antes de emigrar. Heidegger havia de afirmar que o romance com Arendt foi "o mais excitante, mais orientado e mais rico" período da sua vida e que essa criatividade se reflectiu na sua obra mais importante, "Ser e Tempo". Agora, pela primeira vez, surge reunida num único volume a correspondência trocada entre Hannah Arendt e Martin Heidegger entre 1925 e 1975, o ano em que ela morreu. É um diálogo feito com base na paixão e admiração recíprocas que se manteve ao longo dos anos, contrariando a distância geográfica e as diferenças ideológicas, mas é sobretudo um constante diálogo entre duas das mais importantes vozes filosóficas do século XX. Hoje em dia, se calhar, isto tudo é incorrecto e seria um escândalo que levaria ao despedimento de ambos - mas, se não tivesse acontecido, não tínhamos "Arendt-Heidegger, Cartas 1925-1975", que foi traduzido do alemão por Marco Casanova e editado pela Guerra & Paz.
Dixit
É tempo de a China ocupar o seu lugar no centro do palco mundial.
Xi Jinping, Presidente da República Popular da China
Provar
Estamos no Verão de São Martinho - embora o Outono ande tímido e a chuva arredia, para mal dos nossos pecados. Esta é a época do ano em que se comem castanhas assadas, acompanhadas de água-pé, uma bebida tradicional que celebra o fim das vindimas e o vinho novo e que as normas comunitárias arredaram das prateleiras, norma que a ASAE se apressou a implementar com o desvelo que aplica às tradições. A água-pé é uma bebida tradicional de Portugal, com baixo teor de álcool, normalmente à volta de oito graus, resultante da fermentação da adição de água ao bagaço da uva e é, em geral, confeccionada para consumo nos magustos e outras festividades tradicionais do Outono. Tem a tonalidade de um clarete, um sabor suave, bebe-se à temperatura ambiente, mais fresca do que morna e pode ter um leve gasoso. A sua comercialização está proibida - legalmente, só pode ser utilizada para consumo familiar do produtor de vinho. Quer isto dizer que ou arranjamos familiares que façam vinho ou teremos de ir à procura de almas caridosas que a dispensem, correndo o risco da ilegalidade. Esta é daquelas situações ridículas - a produção de água-pé não é proibida, a sua comercialização é que é. Assim se dá cabo de uma tradição por obra e graça de uns rapazes em Bruxelas, aos quais o destemido Mário Centeno se quer agora juntar. Eu, por mim, espero comer castanhas e beber água-pé neste Verão de São Martinho. E sei onde posso encontrá-la.
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