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13 de Fevereiro de 2015 às 10:05

A esquina do Rio

Vivo quase metade da semana numa pequena aldeia a 40 quilómetros de Lisboa, ainda com uma forte componente agrícola, que coexiste com grandes unidades industriais essencialmente exportadoras, com um espírito de comunidade arreigado, com sociedades recreativas que fazem festas e um comércio local onde toda a gente se conhece.

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Back to basics

Muito daquilo que é apresentado como idealismo não é mais do que amor disfarçado ao poder.
Bertrand Russell

 

 

Retrocesso

Vivo quase metade da semana numa pequena aldeia a 40 quilómetros de Lisboa, ainda com uma forte componente agrícola, que coexiste com grandes unidades industriais essencialmente exportadoras, com um espírito de comunidade arreigado, com sociedades recreativas que fazem festas e um comércio local onde toda a gente se conhece. Até ao ano passado, a Câmara Municipal de Palmela tinha travado o crescimento demasiado de grandes superfícies dentro das malhas urbanas.
No Verão de 2014, autorizou um supermercado de média dimensão dentro dessa povoação - apesar de, num raio de dez quilómetros, existirem mais seis supermercados e grandes superfícies. Essa povoação tinha um comércio local dinâmico e variado, com uma forte oferta de produtos frescos, de produtos locais, alguns deles com denominação de origem. Nessas lojas encontrava-se o melhor que ali se produzia - fosse queijo fresco do dia, pão cozido a forno de lenha, doces regionais, peixe vindo de madrugada da lota de Setúbal ou fruta e hortícolas da região. Nestes pouco mais de seis meses, já encerraram meia dúzia de lojas, derrotadas pelo supermercado - onde nem tudo é mais barato, poucas coisas são tão frescas e onde os produtos naturais não abundam. Este supermercado é de um dos maiores grupos nacionais, uma empresa que propagandeia responsabilidade social e apoio aos produtores.
Na realidade, a nível local, não é nada disso que se vê - destruição de valor, quebra da vida em comunidade, destruição da frágil economia familiar que estava baseada em pequenos comércios. A maneira como as cadeias de supermercados afectam a economia local, sem benefícios evidentes quando as contas são bem feitas, é um dos maiores problemas do país nos últimos anos e as câmaras municipais têm muitas responsabilidades nas autorizações que concedem. Custa-me ouvir a senhora da loja onde me habituei a ir dizer que não sabe se conseguirá manter a porta aberta muito mais tempo. Isto não é progresso. É retrocesso.

 

 

Semanada

• António Costa continua a não querer dizer se Guterres já o informou da sua indisponibilidade para Presidente da República  Alfredo Barroso, fundador do PS, classifica António Vitorino, apontado como um dos possíveis candidatos socialistas a Belém, como "um facilitador de negócios"  Rui Rio, que alguns apontam como eventual candidato, anunciou desejar um Presidente da República mais interventivo  uma sondagem do Correio da Manhã indica
que, caso Guterres não se candidate, Marcelo Rebelo de Sousa ganha com vantagem folgada aos três outros nomes da área do PS já indicados - Jaime Gama, António Vitorino e Maria de Belém, sempre com mais de 60% dos votos  pelo terceiro ano seguido, as exportações portuguesas superaram as importações efectuadas  a Alemanha é o país europeu com o qual Portugal tem maior défice comercial  o preço da carne de porco caiu 20% devido ao impacto do embargo de vendas à Rússia  dos 126 mil imóveis transaccionados no ano passado, 23 mil envolveram estrangeiros e os franceses estão a aproximar-se dos chineses em número de aquisições  o Parlamento considerou exorbitantes as multas aplicadas pelo fisco devido ao não pagamento de portagens e que chegam a atingir um aumento de 900% sobre o valor original que o automobilista teria que pagar  metade dos contratos públicos em 2013 foi por ajuste directo  o Governo anunciou querer saber quem são e como se financiam os donos dos órgãos de comunicação social portugueses.

 

 

Folhear

Sediada em Nova Iorque, a Aperture Foundation é uma organização sem fins lucrativos dedicada à divulgação da fotografia em revistas, livros, exposições e actividades de formação. Edita uma magnífica revista, publicada sazonalmente, quatro vezes por ano. A edição deste Inverno tem sobejos motivos de interesse. O maior será talvez um artigo sobre a influência da escrita na obra do fotógrafo Walker Evans, conhecido sobretudo pela sua obra no campo da fotografia documental para revistas como a Time ou a Fortune. Mas a presença da literatura esteve sempre por perto, nas séries que fez para acompanhar alguns textos de autores que mais o interessavam. E assim descobre-se como Flaubert, Baudelaire ou Proust, por exemplo, exerceram uma notável influência na sua obra - é um magnífico ensaio de David Campany. As relações da fotografia com o texto são também exploradas em "Word vs Images" onde diversos autores de ficção elaboram sobre o assunto, entre os quais, Lynne Tillman e Tom McCarthy.
Outra abordagem curiosa à ligação da imagem com a literatura é a história das capas, fotográficas, da editora New Directions, que em meados do século passado apostou em imagens, por vezes quase experimentais, para capear obras de William Carlos Williams ou Yukio Mishima, entre outros. E, claro, há portfolios de autores como Hervé Guibert e descobertas como as fotografias feitas por William S. Burroughs. A edição pode ser comprada directamente à Aperture Foundation ou encomendada via Amazon ao preço de capa de 25 US$.

 

 

Gosto

Pedro Cabrita Reis está a expor em Toulon, no Hôtel des Arts, e o comissário da exposição, Jean François Chougnet, o primeiro director  do Museu Berardo, considera-o "um artista genial com capacidade para fazer projectos de dimensão absolutamente fora do comum".

 

 

Não gosto

De ouvir um relato de uma intervenção policial no bairro da Cova da Moura que teria incluído expressões como "vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos executados", dirigidas a jovens de cor que foram detidos, dois deles da direcção do Moinho da Juventude, projecto comunitário que existe há 30 anos na Cova da Moura, premiado pela  Assembleia da República.

 

 

Ver

Esta semana é incontornável falar da colecção Sonnabend, que estará na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva até 3 de Maio. É uma rara oportunidade de ver de perto, em Lisboa, um conjunto significativo de obras de artistas como Robert Rauschenberg, Roy Lichtenstein, Andy Warhol ou Jasper Johns. Feita em colaboração com a Sonnabend Collection Foundation (Nova Iorque) e a Fondazione Musei Civici di Venezia - Ca' Pesaro Galleria Internazionale d'Arte Moderna (Veneza), a exposição Sonnabend | Paris - New York reúne um importante conjunto de peças da colecção histórica da Galeria Sonnabend, mostradas durante os primeiros cinco anos de actividade da galeria em Paris, entre 1962 e 1967, recorrendo a um total de 50 obras de 15 artistas que melhor representam o movimento Pop e Minimal Art em esculturas, pintura e desenho - e alguns desenhos pouco conhecidos de Roy Liechtestein são boas descobertas desta exposição. A inauguração esteve cheia de gente que não costuma ir a exposições, menos ainda de arte moderna, mas que se sentiram compelidos ao "frisson" nova-iorquino levado ao Jardim das Amoreiras. O poder foi ao Museu - fico na dúvida se, para se mostrar, ou se para ver.

 

 

Arco da velha

O caso dos submarinos provocou uma crise no PS e Ana Gomes e Isabel Moreira passaram a semana a atacarem-se mutuamente. Ana Gomes desencadeou um ataque a Paulo Portas sobre os submarinos baseada em escutas cuja transcrição confundiu canal com Canalis e aquilo com Kiel. Apesar disso, Ana Gomes disse não estar disposta a receber lições de Isabel Moreira.

 

 

Ouvir

É surpreendente como aos 73 anos Bob Dylan tenha ainda a capacidade de surpreender como fez, no início da década de 60, com os seus primeiros discos. Eterno apaixonado pela tradição musical norte-americana, que dos blues à country, foi sempre o motor da inspiração das diversas fases da sua carreira. Iconoclasta por natureza, desprezando as verdades estabelecidas, Dylan fez agora um disco baseado em temas que foram interpretados por Frank Sinatra - 10 temas que fogem ao óbvio do repertório e vão buscar pérolas esquecidas do cancioneiro popular norte-americano - como "I'm A Fool To Want You", "Stay With Me", "Autumn Leaves", " Full Moon and Empty Arms" ou "What 'll I Do", para citar só algumas. É preciso ter coragem para aos 73 anos dar uma volta destas à carreira, surpreendendo tudo e todos. Dylan canta com paixão o que Sinatra cantava com gosto. E canta com um gozo contagiante, raro, com uma capacidade de interpretação que só os grandes talentos são capazes de mostrar. Assim se prova que uma canção pode ser revisitada sem ser traída, que não é da imitação que nasce a luz, mas que é da surpresa que nasce o encanto. Bob Dylan, "Shadow In The Night", CD Sony Music na Amazon ou no Spotify. Na semana passada, na gala do MusiCares na qual foi homenageado como Personalidade do Ano, Dylan fez um discurso que retrata a sua visão sobre a música popular norte-americana. Imperdível - pode ser lido aqui: http://www.thedailybeast.com/articles/2015/02/09/bob-dylan-s-whole-life-in-30-minutes.html?via=mobile

 

 

Dixit

Uma percentagem elevada da população caiu numa situação dramática.

Luis Barbosa, Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa

 

 

Provar

Tinha ouvido falar bastante do La Parisienne, um restaurante recente, situado no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, em Lisboa, e que, como o nome indica, tem na cozinha francesa a sua inspiração. É mais cozinha tradicional, descansem os cépticos da "nouvelle cuisine", e por alguma razão o restaurante usa o subtítulo Bistrot Français. A decoração é simpática, o serviço é escorreito, a sala é acolhedora mas falta qualquer coisa para a experiência ser completamente conseguida. Seguindo sugestão alheia, provei um bife tártaro, que estava no ponto no que à qualidade, corte e tempero da carne diz respeito. É uma pena que as batatas fritas fossem tão fracas, francamente inferiores ao que é aceitável num restaurante destes - e um tártaro com batatas fritas inquietas perde um pouco da sua graça. Do outro lado da mesa, a experiência foi melhor, com um filete de robalo com molho de pimenta rosa e legumes. Dizem-me que a choucroute e o cassoulet da casa (mal traduzido é um cozido è francesa), merece elogios - convém notar que os enchidos franceses utilizados são da responsabilidade do chef Xavier Charrier, que há uns anos abrira uma charcutaria no Linhó, que fez fama. O La Parisienne é de um casal francês que aterrou em Lisboa, Olivier Vallancien e a sua mulher Lumir Ardant-Leverd, e depois recrutaram Xavier Charrier. Hei-de lá voltar para navegar mais nas listas e verificar o estado das batatas fritas.
Largo Rafael Bordalo Pinheiro 18, telef. 964203947.

 

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