Opinião
A esquina do rio
Esta semana, dei comigo a pensar que as piores alianças são as ditadas pela ambição pessoal num processo de tomada de poder.
Os factos são o maior inimigo da verdade.
Miguel de Cervantes
Semanada
• Fernando Nobre avisou que não excluiu voltar a candidatar-se à Presidência da República • em 2013, em relação ao ano anterior, os portugueses consumiram menos carne, leite, fruta, cereais e vinho • as propostas de revisão do IRS traduzir-se-ão no aumento do imposto para 70% dos contribuintes • a cobrança de IRS nos primeiros seis meses deste ano foi 427 milhões de euros maior que no primeiro semestre de 2013 • segundo a Marktest, o concelho de Oeiras é o que apresenta maior percentagem da sua população pertencendo às classes sociais alta, média alta e média - 69,4% do total, enquanto Cascais tem 61,6% e Lisboa 60,5%; Portugal foi o terceiro país da União Europeia em que a dívida pública mais subiu; os portugueses aplicaram em Junho mais de 400 milhões de euros em dívida pública • a dívida portuguesa já vai em 741 mil milhões, mais cinco mil milhões que em Dezembro passado • o endividamento do Estado cresceu 2%; em sentido contrário, o endividamento dos particulares desceu 1,2% e o endividamento das empresas caiu 2,2% • no Turismo, os primeiros cinco meses do ano revelaram números mais fortes do que os registados em igual período de 2013, ano recorde do sector • o sector da construção perdeu 30% dos trabalhadores entre 2008 e 2012; no mesmo período, a maior quebra do volume de negócios foi na agricultura e pescas, com uma quebra de 25,2%, logo seguido da construção, que caiu 20,3% • o Governo quer colocar empresas privadas a passar multas de estacionamento • metade dos 14.500 reclusos portugueses é reincidente • as propostas que António Costa vai apresentar na convenção dos seus apoiantes não incluem, nos nove painéis definidos, qualquer referência às questões do défice, da dívida e da consolidação orçamental.
Road to nowhere
Esta semana, dei comigo a pensar que as piores alianças são as ditadas pela ambição pessoal num processo de tomada de poder. Lembrei-me disto a propósito das declarações de fé numa espécie de bloco central, de contornos indefinidos, esta semana surgidas. Como corolário de um arrulho de pombinhos que dura há uns anos, António Costa e Rui Rio emitiram esta semana pensamento conjunto sobre a antecipação do calendário eleitoral para as legislativas e manifestaram confiança política um no outro, assim como disponibilidade recíproca para entendimentos futuros. Já se sabia que Rui Rio e António Costa são ambiciosos e, lendo declarações recentes dos dois, constato ser cada vez mais evidente que se julgam superiores aos demais - sobretudo dentro dos respectivos partidos. Ambos estão numa cruzada pessoal pelo poder: Costa de forma saliente no PS, Rui Rio ao seu estilo mais conspirativo no PSD. Em nenhum se vislumbra programa político, apenas ocasional conjugação de interesses. Os dois prometem acordo de regime, mas ninguém sabe em que princípios concretos será assente esse acordo. E os dois estrearam uma nova figura da política portuguesa: candidatos a candidatos. As ideias que apregoam são tão inesperadas como sacos de plástico a encherem-se passageiramente de ar, ao vento. Costa e Rio apoiam-se porque criaram estas personagens, ficcionadas, de "compagnons de route" e definiram que assim poderiam conquistar o poder. O único problema é que ninguém sabe onde leva a estrada que eles querem percorrer.
Dixit
"Seria um privilégio para o país ter o engenheiro António Guterres como Presidente da República" - disse António Costa em relação ao ex-primeiro-ministro que fugiu depois de uma derrota nas autárquicas de 2001, sabendo o estado do país, para o qual, aliás, o seu Governo notoriamente contribuiu.
Arco da velha
O cúmulo da idiotice legislativa do Ministério das Finanças e do Fisco é uma lei que deixa dúvida sobre se os reformados podem trabalhar, a título gratuito e de voluntariado para o Estado, sem perderem o direito à sua pensão de reforma.
Gosto
A época futebolística começou com uma vitória do Sporting sobre o Benfica.
Não gosto
Presos por violência doméstica quadruplicaram em quatro anos.
Ver
Duas chamadas de atenção para o MUDE - Museu do Design e da Moda. Esta semana, inaugurou a exposição "O Respeito e a Disciplina que a todos se impõe" (na foto), que mostra mobiliário para equipamentos concebidos durante a época do Estado Novo e que percorre a história e o legado da Comissão para Aquisição de Mobiliário, criada em 1940 e que até 1980 contribuiu para modelar a paisagem interior dos edifícios representativos do Estado, desde Hospitais a Direcções-gerais, estabelecendo padrões de funcionalidade e uma orientação estética bem definida. A exposição teve curadoria de João Paulo Martins. Ainda no MUDE, e até 31 de Agosto, continua a exposição "Os Iconoclastas Anos 80", que apresenta sete dezenas de peças do acervo da colecção Francisco Capelo, desde Vivienne Westwood e Malcolm McLaren até Anish Kapoor, passando por Thierry Mugler, Ettore Sottsass, Christian Lacroix ou Issey Miyake e Comme des Garçons.
Folhear
O livro mais recente de Miguel Esteves Cardoso, "Amores e saudades de um português arreliado", continua a transmitir surpresa e encanto na descrição de observações do quotidiano, que ajudam a traçar o retrato do que nos rodeia, mas tem uma dimensão pessoal maior e uma maneira de ver a vida mais emocional e sentida. Lendo agora estes textos, de seguida, em vez da leitura pontuada pelos tempos de edição no "Público", eles ganham outra densidade e outro sentido. Uma das coisas que sempre me atraiu em Miguel Esteves Cardoso é a forma como ele consegue ser o espelho dos estados de espírito de uma geração. Não é, e suponho que nunca quis ser, o porta-voz de coisa alguma. Limitou-se a observar, a relatar, a fazer a crónica das coisas, dos hábitos e dos costumes, um género que entretanto havia desaparecido da escrita portuguesa no último quarto do século passado. Ao longo dos anos, foi mudando a sua forma de olhar e de escrever e, no prefácio de "Amores e saudades de um português arreliado", Miguel Esteves Cardoso afirma que "dantes, tentava escrever colectivamente, generalizando sempre que podia", e sublinha que actualmente tem aprendido a ser melhor a escrever sobre os próprios sentimentos, porque "os leitores facilmente apagam e substituem os objectos de amor, saudade e arrelias" que motivam o autor.
"A solidão é essencial para quem escreve, mas escreve-se para partilhar emoções vividas. A melhor coisa que pode acontecer a quem escreve é alguém, do outro lado, pensar 'sim, é mesmo assim.'" - nesta frase, está contada a essência daquilo que verdadeiramente conta. "A única coisa é a vida. A única coisa é a vida de cada um. Sem vida, nada feito. Viver não é a melhor coisa que há: é a única coisa. Cada momento da vida não é único. Mas há momentos únicos. A nossa felicidade não é passá-los como quisermos. É dar por ela a aproveitá-los", escreve Miguel Esteves Cardoso algures nestes textos agora agrupados em livro. No fim destes "Amores e Saudades de um português arreliado", há uma certeza - ele continua a ser o intérprete de uma época e a testemunha de uma geração que tardou a descobrir a vida e a encontrar o Amor.
Ouvir
"Fuzzy Logic", de Taylor Haskins, é um disco especial. Haskins tem-se afirmado como um dos mais originais trompetistas a aparecer nos últimos anos. Aqui surge na companhia do guitarrista Ben Monder, do baixista Kermit Driscoll e do baterista Jeff Hirshfield. O CD tem dez temas, oito originais e duas versões, uma de um tema de Thomas Dolby ("Airwaves") e outra de uma canção de Tom Waits ("Take It With Me"). Se os oito temas originais mostram bem o valor deste quarteto, o talento de Haskins e a sua capacidade como produtor, é nas versões e sobretudo, na de "Airwaves" onde, ao lado da guitarra de Monder, se torna patente a sua capacidade de interpretação e a importância do fraseado do trompete, sem exibicionismos fáceis. Gosto muito do trabalho na faixa título, "Fuzzy Logic", mas também de "Perspective", do clima de sedução da faixa inicial "Somewhere I've Never Travelled" ou ainda da maneira como se desenvolvem temas como "Four Moons" ou "Too Far". CD Sunnyside, na Amazon.
Provar
Vale a pena provar o prego de atum em bolo do caco que é servido no Le Chat - para quem não sabe, é uma das melhores esplanadas de Lisboa, o sítio ideal para o fim de tarde no Verão, com uma vista única. O Le Chat é uma estrutura de vidro que fica ao lado do Museu Nacional de Arte Antiga, com o rio todo pela frente, numa localização privilegiada. Depois das obras do último Inverno, ficou com um pouco mais de espaço e mais confortável, quer no interior, quer na esplanada. A carta apresenta numerosas sugestões de petiscos, a começar por uma bem aviada tábua de queijos e enchidos. Além do prego de atum, provou-se o pica-pau, os pedaços de carne de boa qualidade, bem temperados, acompanhados por pickles e focaccia, e um pedido extra de uns chips de batata doce que estavam fantásticos. A imperial é bem tirada, a lista de vinhos não é extensa, mas tem ofertas consensuais a preços sensatos e a casa propõe ainda alguns cocktails. Nas sobremesas, destaque para os gelados de pastel de nata e de mojito. O serviço é simpático, nesta altura do ano é muito bom ver ali nascer a noite.
O Le Chat foi considerado pelo New York Times como um dos locais a conhecer em Lisboa. Fica no jardim 9 de Abril, à Rua das Janelas Verdes e tem o telefone 213 963 668.