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Pedrógão a 100%

Regra geral, as catástrofes não ficam a dever-se a um só motivo. Salvo em situações fulminantes, como atentados terroristas ou fenómenos naturais de inusitada violência e imprevisibilidade, as tragédias são o resultado de um concurso de circunstâncias adversas.

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Não foi a trovoada, nem os ventos, nem o SIRESP, nem a Protecção Civil, nem os eucaliptos, nem o lixo florestal, que provocaram a tragédia de Pedrógão. Foi tudo junto. A canhestra tentativa de se encontrar um culpado único, inerte ou de carne e osso, só encontra explicação no manobrismo político, na trica corporativa e em muito preconceito.

 

Esqueçamos a trovoada. Se não tivesse sido um raio a desencadear o incêndio, teria sido um pirómano ou uma fagulha de um assador de sardinhas. Sim, esteve lá a famigerada "regra dos 4x30" (temperatura superior a 30 graus, 30 dias sem chuva, humidade inferior a 30%, vento superior a 30 km/h), como em tantos outros fogos que não conheceram vítimas mortais. Em Pedrógão foi decisiva. Nunca se determinará se em 10, 30 ou 50 por cento. O que se sabe é que o dispositivo de combate aos fogos só se encontra em pleno a partir do início do Verão (idêntica pecha à da época balnear). O que significa que não terá sido possível mobilizar para o inferno primaveril de Pedrógão, pelo menos com a mesma presteza, os meios necessários. É a primeira falha, administrativa, do sistema.

 

Numa declaração ao DN que terá passado despercebida, um general da GNR dizia que, independentemente de falhas nas comunicações, só um número de efectivos equivalente ao da Volta a Portugal teria sido capaz de barrar por completo a entrada na trágica EN-236, dadas as suas múltiplas vias de acesso. De novo: quando se justifica e quanto vale um estado máximo de prontidão? Nunca se determinará se a influência deste factor foi de 10, 30 ou 50 por cento.

 

O SIRESP nasceu torto. Não por se tratar de uma PPP, como alguns aduzem, mas por ter estado enredado em malhas obscuras, onde os factores técnicos e financeiros não foram cuidados do melhor modo. É o Tetra que temos, manifestamente mal dimensionado e com falhas graves de redundância. Como conceber que não disponha da possibilidade de acesso à via satélite, em caso de colapso das redes terrestres? Houve falhas, sim, em Pedrógão. Nunca se saberá se a sua influência foi de 10, 30 ou 50 por cento.

 

Depois há o malvado eucalipto. Sabe-se que o Eucalyptus Globulus consome recursos hídricos, arde com relativa facilidade, alimenta uma forte fileira industrial e ocupa aproximadamente 25% da floresta portuguesa. Sabe-se também que é uma das raras fontes de rendimento de populações do interior, como os autarcas da região Centro frequentemente salientam. E sabe-se, por fim, que nos 200 mil hectares de eucaliptos, sobreiros e pinheiros geridos directamente pela indústria da celulose a área ardida é anualmente inferior a 1%. Aqui chegados, onde acaba a culpa do eucalipto e começa a dos proprietários? Nunca se determinará se a sua influência foi de 10, 30 ou 50 por cento.

 

A solidariedade dos portugueses, essa foi de 100%.

 

A figura do mês: Al-Jazeera

 

É o ponto fulcral da campanha anti-qatari em curso. Mais do que tudo, a coligação sunita do Golfo pretende calar a Al-Jazeera. "We don't claim to have press freedom" - afirma sem rebuço um embaixador dos Emirados Árabes Unidos (EAU) ao jornal britânico The Guardian

 

Num movimento sem precedentes, Arábia Saudita, EAU, Bahrain e Egipto cortaram, no início do mês, relações diplomáticas com o Qatar, impuseram-lhe sanções económicas e, com o apoio de Donald Trump e o silêncio dos europeus, lançaram um ultimato com 13 reivindicações, entre as quais se contam o fim das relações com o Irão e a extinção da Al-Jazeera.

 

Criada em 1996, a cadeia televisiva Al-Jazeera tornou-se uma referência internacional, um caso único de uma certa liberdade de expressão no mundo árabe. O que significa, para os anacrónicos regimes do Golfo, uma ameaça aos seus sistemas feudais e à cruzada anti-xiita.

 

Com a publicação do relatório da FIFA sobre os subornos na atribuição do Mundial 2022, o Qatar está em maus lençóis. Esqueçam os estádios de quarta geração.

 

Número do mês: 22 milhões

 

É o número de cidadãos estado-unidenses que deixariam de estar cobertos por qualquer plano de saúde caso a legislação anti-Obamacare fosse por diante. O número foi avançado por uma comissão independente - o Congressional Budget Office (CBO) - e está a causar um indisfarçável mal-estar entre as hostes republicanas.

 

O relatório do CBO revela que, de imediato, mais de 15 milhões de americanos ficariam privados de seguro e que as despesas de saúde tenderiam a disparar até valores insuportáveis para os estratos sociais mais desfavorecidos, designadamente a população aposentada. Para mais de metade dos actuais beneficiários do Affordable Care Act, a adopção do plano Trump significaria uma triplicação do valor dos prémios. Em contrapartida, o Tesouro atenuaria o défice orçamental em cerca de 320 mil milhões de dólares num período de 10 anos.

 

Por tudo isto, o Trumpcare está a enfrentar sérias dificuldades no Senado, sendo imprevisível o resultado da votação final. "A política tem de estar primeiro", afirmam os republicanos dissidentes. A política de Obama, presume-se.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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