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O Barça virá disputar o campeonato português?

Nada nos diz que uma Europa fragmentada seja uma melhor garantia para o sucesso do que aquela que hoje temos. Só sabemos que a de hoje é lamentável.

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Os catalães lá saberão de si, que nós, primos ibéricos distantes, já temos estados de alma que nos bastem. Estaremos curiosos, isso sim, quanto ao resultado das eleições autonómicas do próximo domingo, ao crescendo dos anseios independentistas e ao que daí poderá advir para os equilíbrios peninsulares, por mais incerto e moroso que se revele o desfecho. E nada nos inibe, claro, de reflectir sobre o que poderá vir a ser o mais dramático dos processos de secessão dos últimos cem anos na Europa Ocidental.

 

Razões de legitimidade histórica, geográfica e cultural para a concretização de sentimentos patrióticos há-as para todos os gostos. Ao longo dos séculos, umas viram-se realizadas em nações - muitas delas de forte heterogeneidade -, outras não. A Península Ibérica não escapou a esta lógica, assente nas guerras, na economia e nos movimentos sociais. Sabemos que a sua configuração política poderia hoje ser bem diferente se não tivessem ocorrido factos e surgido personagens que acabaram por talhar o seu mapa. Séculos volvidos, Portugal tem as suas fronteiras políticas e identitárias bem assentes. Pelo que vemos, a Catalunha tem um problema por resolver - a maioria da sua população parece querer libertar-se de Castela - e está, tal como qualquer povo, no direito de se emancipar. A sua motivação principal nem sequer parece ser a económica (não passa da terceira região na escala de riqueza espanhola, atrás de Madrid e do País Basco), ao contrário do que frequentemente ocorre em situações idênticas (o Norte de Itália, por exemplo).

 

A questão catalã não tem de ser tratada por uma União Europeia (UE) que não existe, ou que só existe para tratar das conveniências geoestratégicas dos seus Estados mais poderosos. Quando esteve em causa a partição sangrenta da Jugoslávia, o corte da Checoslováquia ou a amputação do Kosovo à Sérvia, a UE esteve do lado dos interesses alemães. E sempre que a Escócia ensaia um movimento de independência, democraticamente aceite pelos ingleses, a UE mete a viola ao saco, como deve ser, porque ninguém se mete com Londres nem tem lições a dar aos britânicos.

 

Durão Barroso deu o mote - se os catalães declarassem a independência, a UE não os admitiria como membros, o que é pouco menos do que ridículo -, a banca internacional seguiu-se-lhe, os poderes castelhanos idem e agora só faltava mesmo a tropa do futebol ameaçar que o Barça ficaria de fora do campeonato espanhol, porque só Andorra (!) tem um estatuto de excepção.

 

Pobre Europa, que se move sem nexo nem consistência política para coisa alguma! Se a tentação independentista grassa em muitas regiões europeias é sobretudo porque a UE é pouco mais do que uma ficção, falha de mecanismos de representação democrática, não solidária, alinhada com os interesses dos mais fortes e complacente com os nacionalismos xenófobos de líderes populistas (veja-se o exemplo indecoroso da Hungria).

 

Nada nos diz que uma Europa fragmentada seja uma melhor garantia para o sucesso do que aquela que hoje temos. Só sabemos que a de hoje é lamentável.

 

Figura do mês: Alexis Tsipras, primeiro-ministro da Grécia

 

Eram muitos os que aspiravam pelo regresso da direita ao poder na Grécia. Desde o eleitorado conservador à esquerda radical - desejosa de demonstrar que a cedência de Tsipras à vontade de Bruxelas fora o pecado original -, passando pelas instâncias europeias e todos os seus correligionários, a ânsia de ver a Nova Democracia de volta encheu de esperança o pensamento dominante. Como pensar que a capitulação (na linguagem da dissidente Unidade Popular) seria perdoada pelos mesmos eleitores que, em referendo, haviam escolhido a via da recusa? Como pensar que a social-democratização do Syriza não seria o seu próprio fim, condenado que estaria à assimilação pelo sistema tradicional? Alex Tsipras não terá vida fácil, entre os imperativos de austeridade e o clientelismo da sociedade grega, entre a pressão avassaladora da dívida pública e a batalha pela sua reestruturação ante um colégio europeu que lhe é despudoradamente hostil. Os gregos sabem das tormentas que ainda vão ter de suportar e mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, escolheram o cidadão Alex para timoneiro.

 

Número do mês: 17,7 mil milhões de dólares

 

É necessário recuar a 1999 para se encontrar um tão chorudo pacote de aquisições empresariais como o que 2015 registará. E o óscar, neste ano de todas as surpresas, irá certamente para a Altice. A recente compra do operador de cabo norte-americano Cablevision por um valor próximo dos 16 mil milhões de euros entra na exuberante lista das operações top-$15bn da presente década. O patrão da francesa Altice, Patrick Drahi, é um empresário da escola agressiva, fortemente alavancada, dos finais do século passado. Só nos últimos dois anos, adquiriu a NextRadio TV, a SFR, a Virgin Mobile, a Suddenlink e a Portugal Telecom, além de um par de outras tentativas goradas na fileira global das comunicações. É claramente um caso de estudo, cujo desfecho é imprevisível, face à dinâmica do mundo digital. No passado não muito longínquo, este tipo de estratégias não criou valor para os adquirentes - vejam-se os casos da Worldcom, da Vodafone ou da Telefonica, com as suas temerárias incursões em geografias e segmentos de mercado para que não estavam devidamente artilhadas. No mundo ubíquo do século XXI, tudo parece em aberto. Estará?

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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