Opinião
O máximo do mínimo ou o mínimo do máximo?
Como frequentemente acontece, somos despertados para a realidade da forma mais cruel. 2017 ficará para sempre marcado como o ano de todos os fogos.
Em mais uma manifestação das leis de Murphy, ardeu tudo o que era provável que ardesse. As tragédias de Junho e Outubro não foram só o resultado da falência dos sistemas ditos de protecção civil, nem da pretensa inabilidade dos seus responsáveis. Foram antes o desfecho previsível de uma velha história de desacertos, irracionalidades e desistências de que ninguém, nem os poderes públicos, nem os agentes privados, sai inocente. E foram, acima de tudo, a revelação de um país que virou costas ao interior, abandonando-o à sorte das economias de subsistência, da pobreza e do envelhecimento populacional.
Agora, que tudo falhou, volta a ser preciso mais Estado. Os mesmos que sempre o quiseram mínimo clamam por intervenção máxima. Quem nunca se preocupou com o facto de Portugal ser o país europeu com a menor fatia de gastos, em relação ao PIB, para o combate a fogos exprime indignadamente a sua revolta pela falta de meios de coordenação e acção no terreno. Antes assim, mais vale tarde do que nunca. A anunciada revolução nos dispositivos de prevenção e combate a incêndios chega pelos piores motivos, mas todos esperam que chegue a tempo de evitar novas tragédias no futuro, pelo menos com a extensão das que vivemos neste fatídico ano.
O rescaldo e o diagnóstico estão feitos. As medidas afiguram-se as certas. Algumas delas, como a militarização de meios e estruturas de intervenção, são tão óbvias que só espanta não terem sido implementadas há muito mais tempo. Os esgares de desagrado das associações de bombeiros voluntários são compreensíveis para quem sente ter feito tudo o que podia no salvamento de pessoas e bens. Sim, o país deve-lhes um reconhecimento profundo. Mas as guerras, como a do fogo, em que os factores de risco e imprevisibilidade se intensificarão por via das alterações climáticas (as tragédias de 2017 ocorreram fora do período "oficial" do Verão), vencem-se com militares e profissionais competentes. Aos voluntários, por abnegados que sejam, não se poderá exigir mais do que funções de suporte activo, devidamente enquadrado por estruturas nacionais e regionais de comando, fortemente hierarquizadas.
Mais Estado é o que se exige também no ordenamento do território, na gestão de florestas, dos baldios e na capacidade de intervenção legal sobre o domínio privado. Como forçar o emparcelamento em nome do interesse público? Como obrigar proprietários pobres a efectuar gastos para limpeza dos seus parcos domínios? Como convencer um pequeno proprietário de que tem de arrancar o eucalipto e o pinho que lhe dão algum sustento para plantar sobro ou azinho? Como chamar e reter jovens para a agricultura, silvicultura e pecuária nos distritos do interior Norte e centro? Como responsabilizar os agentes económicos empresariais pelo mapa florestal, condicionando-lhes o negócio? O Estado mínimo?
A figura do mês: Cristiano Ronaldo
Pela quinta vez (a quarta nos últimos cinco anos), o nosso madeirense conquista o troféu de melhor do mundo no reino do futebol. Poderá bem ser a última, a menos que a Selecção de Todos Nós (como era carinhosamente designada nos tempos da televisão a preto e branco) se supere no Mundial da Rússia com o futebol frio e eficiente de Fernando Santos.
Por preconceito de classe, razões clubísticas ou outras quaisquer, CR7 está muito longe de obter a unanimidade da opinião dos portugueses (e dos outros também). Talvez porque o nosso espírito latino, mais dado à inspiração do que à razão, desdenhe dos que atingem, pelo suor e profissionalismo, patamares superiores de competitividade.
Gostamos de Beckhams e Piqués porque são da mesma divisão mediática e estilística das Kardashians. Simpatizamos com Ibrahimovics e Balotellis porque são arrogantes com os patrões e com o público, como no fundo muitos gostariam de ser. Messi é um caso à parte, até pela simplicidade com que encara a vida e o fair-play com que aceita a coroação de CR7 pelo mundo do futebol.
Número do mês: 10,5 milhões de USD
Foi, segundo o Washington Post, o montante gasto, só no 3.º trimestre do corrente ano, por três dos maiores players globais do mundo digital - Facebook, Google e Amazon - em actividades de lobbying nos Estados Unidos. Desconhecem-se os valores gastos no espaço europeu.
Nas terras do Tio Sam é obrigatória a publicação das verbas despendidas em actividades de lobbying, cuja "indústria" ocupa largas dezenas de grandes, médios e pequenos escritórios de advogados, além de freelancers de variadas proveniências. Uma prática que seria bem-vinda no Velho Continente, onde as actividades de influência e intermediação passam ao lado de qualquer escrutínio.
Transparência à parte, estes gigantes digitais - a que se poderiam somar Apple, Microsoft, ATT, Twitter ou Uber - vêem-se confrontados com um número crescente de demandas legais e investigações sobre práticas de concentração de meios, abuso de poder de mercado, utilização ilícita de dados ou violação de normas publicitárias. De quanto será a factura global?
Economista; Professor do ISEG/ULisboa