Opinião
Se um Weiwei é bom...
Mas aqui, como em todas as outras cidades, o segredo da recuperação não está no que soubermos repetir ou manter, mas em tudo o que conseguirmos fazer a mais. Na diferença, nas novidades. Ou pensamos nisso agora, ou ficamo-nos por Ai Weiwei.
O que é que pode fazer a diferença numa cidade? Quando o mundo despertar, seja em Junho, Outubro ou Dezembro, o que é que vai determinar quem são os campeões da recuperação pós-covid? Nas últimas semanas, li mãos-cheias de artigos sobre as novidades de 2021 e, com toda a sinceridade, só vi um acontecimento com essa capacidade. Bizarramente, o menos falado de todos: a exposição de Ai Weiwei. Uma autêntica bazuca mediática, se for bem explorado, que pode valer mais relevância ao nosso país do que todas as iniciativas de promoção turística já anunciadas neste trémulo 2021.
Caso lhe pareça irrelevante, e já esteja com vontade de saltar para outra página, saiba que este texto não é sobre arte moderna, como até me apetecia, mas sobre recuperação económica. Ou melhor ainda, sobre planeamento – essa nova obsessão colectiva dos portugueses. Isto porque se queremos ter alguma esperança de concorrer com os maiores portentos europeus, como Madrid, Paris, Barcelona, Amesterdão ou qualquer cidade que participe no campeonato do protagonismo, é preciso fazer este tipo de exercício. Contar as armas, escolher os cavalos e ir à procura do que nos falta. Com pressa, ou mesmo urgência, porque nenhum destes vizinhos está a dormir enquanto confina.
Ai Weiwei é um presente que nos caiu do céu nesta guerra. Aliás, não caiu do céu porque o mérito tem nome: a iniciativa da exposição, baptizada “Rapture”, é da promotora Everything is New, de Álvaro Covões, que escolheu a Cordoaria Nacional, em Lisboa, para exibir as obras do autor entre 4 de Junho e 28 de Novembro deste ano. Esclarecimento importante - não conheço o empresário Álvaro Covões, não tenho qualquer negócio nesta área, nem nenhum interesse comercial na exposição. Mas tenho, isso sim, muita esperança no evento. Nas suas repercussões.
Como antecipo acusações de exagero, explico já a razão desta aposta. Ai Weiwei é quase consensualmente aceite como o maior artista plástico da actualidade. Não em Portugal, não no seu bairro ou em qualquer país específico, mas no planeta Terra. Ora, é difícil que alguém se recorde da última vez em que o maior artista do mundo fez uma exibição com trabalho inédito em Portugal, no pico da sua forma, porque isso pura e simplesmente nunca aconteceu.
Mas é apenas uma exposição, dirão os cépticos, e a maior parte dos portugueses nem sequer sabe distinguir o seu nome de uma marca de telemóveis, dirão os paternalistas. Mas nada disso interessa. Olhando para o tema de forma fria e pragmática, só no último ano Weiwei foi mais vezes capa dos maiores jornais internacionais do que todas as ondas da Nazaré. As suas intervenções já encheram os espaços mais icónicos do mundo, como o Turbine Hall da Tate Modern, as suas peças já foram vendidas por valores a rondar os quatro milhões de euros.
E há mais, porque com Weiwei há sempre mais, já que ele é artista plástico, arquitecto, escritor, curador e realizador. Nesta sua última faceta, tem vários documentários premiados e um, em particular, dominou a agenda mediática do último Verão: Coronation, um olhar sobre a forma como a China lidou com o coronavírus (disponível na Amazon Prime). Um “olhar” que na verdade é sempre uma crítica, como tudo o que Weiwei faz há mais de uma década e que se reveste de ataques violentos ao regime comunista e à liderança de Xi Jinping.
Este currículo brilhante, o protagonismo artístico e mediático, o mérito e a actualidade das causas, tudo isso já teria interesse suficiente para uma exposição destas se demarcar no contexto internacional. Mas depois há o enorme bónus que é Weiwei estar a expor em Portugal por também ter escolhido o nosso país para viver e trabalhar. E nas poucas vezes que falou dessa escolha, como no final do ano passado, não se tem coibido de elogiar a liberdade, o tempo, as pessoas e tudo o que temos.
Sim, os festivais de música vão voltar. E os Web Summits, e as feiras de arte, e as festas populares e tudo aquilo que faz a agenda da nossa cidade. Com mais energia, talvez, por causa da paragem que deixou toda a gente com vontade de correr em vez de andar. Mas aqui, como em todas as outras cidades, o segredo da recuperação não está no que soubermos repetir ou manter, mas em tudo o que conseguirmos fazer a mais. Na diferença, nas novidades. Ou pensamos nisso agora, ou ficamo-nos por Ai Weiwei.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico