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Opinião
11 de Março de 2014 às 19:42

Putin, o temerário

Na impossibilidade de a curto prazo restrições à venda de armamento alemão e francês ou o congelamento de activos financeiros levarem o Kremlin a renunciar à anexação, chegará o Verão e a anulação das sanções mais punitivas (...) estará em negociação entre Moscovo, as capitais europeias e Washington.

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Putin contempla a anexação da Crimeia e a hostilidade frontal das regiões ocidentais da Ucrânia como uma inevitabilidade após mais de uma década de apostas falhadas em sucessivas alianças de oligarcas e políticos para fazer avançar em Kiev os interesses do Kremlin.

 

Obstar a que o alargamento da NATO chegasse a enquadrar a Ucrânia e estados do Cáucaso foi objectivo essencial dos dirigentes do Kremlin após a dissolução da URSS numa fase de contracção económica extrema da Rússia.

 

A ascensão política de Putin, a recuperação estatal dos principais recursos em hidrocarbonetos e a retoma económica trouxeram consigo o desiderato de reintegração numa nova esfera de influência hegemónica russa dos estados eslavos,  da Moldova, Geórgia, Arménia e países da Ásia Central anteriormente integrados na URSS.

 

A doutrina das zonas geopolíticas de influência privilegiada, a exaltação do nacionalismo, do cristianismo ortodoxo e da excepcionalidade russa como bases ideológicas de um estado forte capaz de impor estratégias de desenvolvimento económico foram-se consolidando desde o ano longínquo de 2000 quando Putin chegou ao poder prometendo alcançar numa década o nível de vida de Portugal.

 

O produto interno bruto "per capita" russo ainda ronda metade do português e, com uma economia que, segundo o Banco Central de Moscovo, talvez venha a crescer entre 1,5% a 1,8% em 2014 (1,3% em 2013), as expectativas a prazo são negativas atendendo à previsível redução das receitas do gás e petróleo (71% das exportações) e à baixa produtividade e competitividade dos demais sectores económicos com a excepção relativa das indústrias de armamento.

 

A lógica anexionista

A consolidação de poderes instáveis, mas irredutivelmente anti-russos nas regiões ocidentais e central da Ucrânia, é uma das possíveis consequências do "Anschluss" putinista que dificultará em extremo a cooperação política com as áreas do leste em que a população russófona predomina: Kharkiv, Donestk, Lugansk, Zaparorizhia.

 

Apesar da proximidade cultural, do bilinguismo e da importância da mescla linguística russo-ucraniana conhecida como "surjik", a acentuada clivagem política regional acentuou-se fortemente ao ponto de poder inviabilizar uma reestruturação federalista que preserve a unidade do estado após a amputação da Crimeia.

 

O leste russófono, marcado pela predominância dos sectores químico, de mineração e metalurgia - equivalentes a 10% a 15% da produção industrial nacional - pouco competitivos internacionalmente ao invés das empresas do sector agrícola, conta sobretudo com a sua ligação ao mercado russo.

 

Perdida a Crimeia e incapaz de negociar compromissos com as regiões do leste,  nenhum governo em Kiev conseguirá levar a cabo programas de estabilização financeira, redução de subsídios ao consumo, desvalorização do "grivnia", reforma fiscal e de leis de concorrência, inerentes à concessão de empréstimos internacionais.

 

A reestruturação da dívida ucraniana, ainda que represente apenas 47% do PIB, obriga à anuência de Moscovo e os aventados empréstimos europeus e norte-americanos rondando 15 mil a 25 mil milhões de dólares para a Ucrânia fazer face às suas obrigações até 2015 terão de ter contrapartidas políticas e económicas que presentemente ninguém está em condições de apresentar em Kiev.

 

No limite, a desagregação do estado e a passagem do leste para a esfera de Moscovo são uma possibilidade real.

 

Depois das sanções

 

Na impossibilidade de a curto prazo restrições à venda de armamento alemão e francês ou o congelamento de activos financeiros levarem o Kremlin a renunciar à anexação, chegará o Verão e a anulação das sanções mais punitivas (em particular as respeitantes a movimentação de pessoas e capitais) estará em negociação entre Moscovo, as capitais europeias e Washington.

 

Este cálculo por parte do Kremlin implica, contudo, que a Rússia seja capaz de conter a seu favor a contestação nas regiões do leste da Ucrânia para forçar cedências das autoridades que venham a impor-se em Kiev.

A resistência ucraniana às exigências de Moscovo e o desconforto dos meios de negócios russos serão dois dos principais factores a subverter os cálculos de Putin que numa fuga para a frente será tentado a levar a lógica anexionista às últimas consequências. 

    

Jornalista

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