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Opinião
22 de Março de 2016 às 19:35

O terrorismo e a raiva

O choque é maior por zonas de Bruxelas sob vigilância excepcional, como o principal aeroporto ou imediações de instituições europeias, acabarem alvo de ataques terroristas e será de temer que a raiva vingue sobre a impotência.

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Na véspera dos ataques de Bruxelas, o procurador federal, Frédéric van Leuw, revelou terem sido abertos cerca de seis dezenas de processos por terrorismo desde Janeiro, somando-se a 315 instaurados em 2015.

 

O procurador de Paris, François Molins, referenciava, por sua vez, 772 suspeitos sob investigação ou procurados pela autoridades francesas no âmbito de 244 inquéritos antiterroristas em curso.

 

A cumplicidade

 

Descontadas omissões por razões de segurança, além de operações secretas de serviços de espionagem e contra-espionagem, a conferência de imprensa dos procuradores em Bruxelas deixava claro que a captura de Salah Abdeslam, cidadão francês de origem marroquina residente na Bélgica, pouco mais fora do que um êxito episódico.  

 

Abdeslam conseguiu escapar à caça ao homem desde os atentados de Novembro em Paris ao esconder-se em Molenbeek, o mais problemático dos 19 municípios de Bruxelas pela concentração de islamistas e jihadistas, graças a cumplicidades de residentes.      

             

Sobressai assim a alienação de elementos das comunidades islâmicas, notória na constatação do ministro do Interior, Jan Jambon, de que todos os meses cinco muçulmanos saem da Bélgica para se juntar ao Califado de al-Baghdadi na Síria e Iraque, apesar de a média de partidas jihadistas ser mais baixa do que a dezena e meia registada desde meados de 2014.    

 

A escala da ameaça ultrapassa falhas do policiamento de proximidade, temores a intimidações e discriminações, e centra-se na mobilização ideológica de muçulmanos emigrados, nascidos ou conversos, em torno de doutrinas exclusivistas de extermínio de infiéis e apóstatas.

                        

Da política ao apocalipse

 

Os núcleos jihadistas em fusão com congéneres do Iémen à Síria seguem lógicas diferentes dos nacionalistas e islamistas que combateram pela independência da Argélia enfrentando Paris.

 

A reivindicação de independência arrebatou entre 1954 e 1962 parte da comunidade muçulmana em França, levou nacionalistas argelinos e a extrema-direita francesa ao terrorismo, alentou actos de terror promovidos pelo Estado, mas não excluiu a possibilidade de negociação política.

 

O jihadismo, pelo contrário, radica na motivação religiosa e crença no advento de califados através do martírio salvífico pessoal à custa do morticínio indiscriminado.

 

Para Estados ameaçados por jihadistas, da Bélgica à Rússia, está fora de questão admitir negociar com jihadistas mesmo que os cálculos estratégicos possam considerar compromissos para neutralizar certas alas intransigentes.    

 

A vertente jihadista atingiu, entretanto, o esplendor ao convergir com o triunfo do acto terrorista espectacular e intimidatório graças à comunicação em directo via rádio, televisão e internet.       

 

O momento fatal

 

Foi em Setembro de 1970.

 

Quatro aviões de passageiros de companhias dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Suíça (fracassado o sequestro de um aparelho da "El Al" israelita) foram desviados para Dawson's Field na Jordânia pela Frente Popular para a Libertação da Palestina. 

 

Nesse Setembro, as televisões gravaram e transmitiram as conferências de imprensa de sequestradores e piratas do ar, a troca de reféns por terroristas detidos, os combates entre guerrilheiros palestinianos e tropas do rei Hussein no Intercontinental Hotel de Amã e a explosão dos aviões sequestrados.

 

O acto terrorista indiscriminado, provocando o maior número possível de vítimas vinha ganhando terreno como táctica intimidatória desde o início do século XX nas colónias europeias, chinesas e japonesas, e banalizou-se com a brutalização generalizada da Grande Guerra de 1914-18.

 

Os media confundiram depois meio e mensagem.

 

Dawson's Field abre a era do terrorismo mediático "urbi et urbi".

 

Coisas más     
                                      

Maior hostilização das comunidades islâmicas e recusa acrescida ao acolhimento de refugiados e emigrantes oriundos de países de maioria muçulmana são consequências previsíveis de mais um atentado na Europa Ocidental.

 

A imposição de crescentes restrições no espaço Schengen e repúdio por envolvimento diplomático e ajuda humanitária no Magrebe e no Levante contar-se-ão, provavelmente, entre reacções imediatas que podem jogar a favor de nacionalistas proteccionistas e xenófobos da Alemanha à Grã-Bretanha.

 

A tentação de bombardear por bombardear para alardear maior intervenção nas guerras da Síria e do Iraque mesmo na falta de aliados no terreno e objectivos políticos bem definidos poderá, ainda, vir a somar-se às nefastas.

 

A táctica terrorista é bem capaz de arruinar muitas estratégias.

            

Jornalista

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