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20 de Setembro de 2016 às 21:05

Fiasco em Nova Iorque, morticínio na Síria

O cessar-fogo falhou, as conversações do Grupo Internacional de Apoio à Síria em Nova Iorque são irrelevantes, Obama não tem mais cartas para jogar e os combatentes aproveitam o compasso de espera que se arrastará até nova administração acertar agulhas na Casa Branca em meados de 2017.

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Cinco anos e meio após o rebentar da guerra, Bashar al-Assad sobreviveu, tem segura a retaguarda do litoral alauíta em Lataquia, retém Damasco e cerca Aleppo.

 

As tropas alauítas, contudo, esgotaram reservas e não têm capacidade de recuperar territórios perdidos para grupos predominantemente jihadistas que mobilizam a maioria sunita. 

 

A Jabhat al-Nusra - redenominada Jabhat Fatah al-Shaam (Frente para a Conquista do Levante) após cisão recente com Al-Qaeda - e o chamado Estado Islâmico sobrelevam outros grupos sunitas, que disputam também apoios da Arábia Saudita e Qatar.

 

As divergências entre opositores sunitas ao regime de Damasco e a radicalização jihadista condicionam veleidades de intervenção militar norte-americana, francesa ou turca por falta de aliados fiáveis.

 

Moscovo, por seu turno, goza da vantagem negocial de poder arrastar Washington e a Turquia, para o compromisso de ataques em conjunto a "grupos terroristas" - em especial a jihadistas da Jabhat Fatah al-Shaam e do Estado Islâmico - que, necessariamente, acabam por favorecer al-Assad. 

 

Ameaçar com uso da força e, depois, esquivar-se ao confronto é fatal em tempo de guerra e Washington arriscou a credibilidade a partir do momento em que Obama delimitou, em Agosto de 2012, uma "linha vermelha" no caso de Bashar recorrer a armas químicas.

 

Ao negar-se, precisamente um ano depois, a uma intervenção militar após tropas sírias atacarem com gás sarin em Ghouta, arredores de Damasco, Obama nunca mais recuperou crédito por terras do Levante.     

 

A Rússia, pelo contrário, ao intervir militarmente em Setembro de 2015 assegurou veto de facto em qualquer negociação, salvaguardou Tartus, sua única base naval no Mediterrâneo, e aliada ao Irão, que controla entre 40 a 60 mil combatentes xiitas, e passou a garantir o mínimo vital de controlo territorial ao regime.

 

Moscovo e Teerão divergem, no entanto, quanto à importância que concedem ao trato com a minoria druza, aos interesses curdos, do Hizballah xiita libanês e na avaliação do reforço militar israelita nos Montes Golã.

 

A unificação das províncias curdas no Norte da Síria é, por outro lado, inaceitável para a Turquia, que vela, ainda, pela minoria turcomena, mas negociável para russos, iranianos e norte-americanos, dispostos a ignorar objecções alauítas em função da situação no Iraque.      

 

A ofensiva do exército iraquiano para reconquistar Mosul, em poder do Estado Islâmico desde Junho de 2014, é, presentemente, o factor militar mais relevante para os destinos imediatos da Síria e do Iraque.

 

Caso a ofensiva fracasse ou uma vitória das forças de Bagdade desencadeie perseguições à maioria sunita de Mosul, a sofrida coabitação de curdos e xiitas no Iraque ficará comprometida.

 

A reconquista de Mosul, por seu turno, evitando abusos contra a maioria local sunita, debilitaria a capacidade de o Estado Islâmico manter Raqqa no Norte da Síria e reduziria significativamente a base territorial do Califado proclamado por al-Baghdadi.   

 

Para Obama, depois de falhar em catadupa objectivos estratégicos do Levante ao Afeganistão, ver o Estado Islâmico desalojado da maior cidade do Norte do Iraque mitigaria um balanço regional desolador em que apenas se salvam o acordo nuclear com o Irão e o simbolismo da morte de Osama bin Laden.    

 

Em Nova Iorque, ao abrir a assembleia-geral da ONU, diplomatas, chefes de Estado e Governo, constatam pouco poder fazer por cerca de 4,5 milhões de sírios carentes de auxílio humanitário e, menos ainda, por outro milhão cercado em zonas de combate. 

 

A integridade do Estado sírio é dada como irremediavelmente perdida e a salvaguarda de desalojados, refugiados e perseguidos aguarda melhores dias.   

 

Jornalista

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