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26 de Maio de 2015 às 19:42

Felipe, o mediador

A consumar-se a transição para compromissos governativos multipartidários nas eleições legislativas do final deste ano, Felipe VI vai recuperar uma função de mediação política que a monarquia espanhola perdeu em 1982.

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A votação das municipais consagrou a transferência de cerca de três milhões de eleitores do Partido Popular (PP) e do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) para candidaturas apoiadas pelo Podemos ou patrocinadas por Ciudadanos.

 

Uma abstenção praticamente inalterável (35% vs. 36% em 2011, tendo a votação para as Cortes mobilizado nesse ano 72% dos eleitores) não permite exagerar o peso de uma revolta anti-sistema contra os dois partidos do poder em Madrid que colheram 27% (PP) e 25% (PSOE) dos sufrágios. 

 

À erosão de conservadores e socialistas ou à irrelevância de "Esquerda Unida" (7% nas legislativas de 2011 e 5% nas municipais de domingo) junta-se, ainda, o triunfo de Ada Colau em Barcelona com uma plataforma de esquerda alheia à confluência independentista que, nas suas vertentes de esquerda e direita, aparenta, contudo, estar em condições de se impor nas eleições autonómicas de Setembro.

    

Más dá el duro

 

O partido de Mariano Rajoy foi penalizado pelas suas colossais responsabilidades em sucessivos escândalos de corrupção institucional, empresarial e pessoal, tal como sucedera anteriormente ao PSOE.

 

Acresce que uma recuperação económica mantendo mais de 20% da mão-de-obra e acima de 40% dos jovens no desemprego deixa a desejar e tem consequências eleitorais contrárias às expectativas de decisores financeiros e económicos e à retórica dos poderes políticos em Espanha e na União Europeia.

 

Jordi Pujol, presidente da Generalitat de Catalunya entre 1980 a 2003 e desde 2012 denunciado por actos de corrupção e fraude não condenou até agora a Convergència y Unió às agruras trazidos por conservadores de mau porte em Valência ou socialistas pecaminosos na Andaluzia, mas o seu exemplo de degradação moral abalou os círculos conservadores da comunidade autónoma.

 

A tardia abdicação de Juan Carlos só no ano passado abriu caminho para a monarquia tentar recuperar um prestígio delapidado por esbanjamento, infidelidades conjugais, abusos e corrupção de membros da Casa Real, agravado pela associação da Coroa a dúbios empresários e negocistas.

 

 "Más dá el duro que el desnudo", no dizer amargo do quinhentista "Lazarillo de Tormes" ao constatar o egoísmo hipócrita de quem busca fortuna sem olhar a meios, foi e é pecha de Espanha.

 

A arte do compromisso

 

Negociar compromissos no fio da navalha está na génese da democracia espanhola e, por maioria de razão, tem Felipe VI razões para reinventar uma função que fez o melhor dos anos de seu pai.

 

Juan Carlos, entronizado em 1975, legitimou a monarquia com o apoio inestimável de Adolfo Suárez num processo negocial de ruptura-reforma visando neutralizar nostálgicos do franquismo e militares direitistas.

 

O apoio de Torcuato Miranda, na presidência das Cortes e do Conselho do Reino, do general Manuel Melado, chefe do Estado-maior do exército e futuro ministro da Defesa, e do cardeal Vicente Tarancón à frente da Conferência Episcopal, revelaram-se fulcrais nos anos da transição que culminaram no confronto entre o monarca e os golpistas de 23 de Fevereiro de 1981.

 

Depois, nas eleições de Outubro de 1982, a primeira maioria absoluta de Felipe González, abriu uma fase política em que o rei deixa de ser o centro da negociação política, o par de um chefe de governo da sua extrema confiança pessoal.

 

A parada da Coroa

 

Desaparecida a ameaça de golpismo militar e contidas as ameaças terroristas de separatistas bascos ou galegos, as lideranças socialistas, conservadoras, regionalistas e nacionalistas ganharam autonomia para negociação política sem necessidade de mediação da Coroa.

 

A eventual entrada no jogo da negociação política com o poder central, dominado por conservadores e socialistas, de partidos alheios ao esquema de apoios pontuais de formações regionalistas ou autonómicas vigente desde a década de 80, abre a possibilidade do monarca retomar a arbitragem e mediação do "funcionamento regular das instituições" definida pelo artigo 56 da Constituição de 1978.

 

A monarquia constitucional parlamentar e hereditária no Estado multinacional espanhol só ganha legitimidade se contribuir directa ou indirectamente, por tradição e/ou eficácia política, para a estabilidade funcional do regime democrático.

 

Felipe VI talvez esteja perto de encontrar a sua razão de ser.

 

Jornalista

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