Opinião
Exaustão e paroxismo na guerra síria
Da Rússia e Turquia chegam indícios de acordo para partilha de esferas de influência na Síria capaz de aliciar Trump, mas tudo depende da flexibilidade do próximo Presidente ante o Irão e da atitude da UE para com Ancara.
A queda dos derradeiros bastiões jihadistas em Aleppo consumou o fracasso das ofensivas iniciadas no Verão de 2012 pelos inimigos de Bashar al Assad para conquistar as grandes cidades.
Nas hostes sunitas em armas Jabhat Fatah al-Shaam (Frente para a Conquista do Levante) - nova denominação da Jabhat al Nusra após cisão este ano com Al Qaeda - predomina ainda na província noroeste de Idlib.
O Estado Islâmico é, por sua vez, senhor de Raqa, domina metade da cidade de Deir ez Zor, além de zonas desérticas a leste, tendo retomado Palmira num ataque relâmpago.
Nas áreas rurais adjacentes a Aleppo, Hama, Damasco, Homs e no sudoeste junto à Jordânia, os jihadistas são, igualmente, a principal força de combate, estando a maior parte da fronteira norte com a Turquia nas mãos de milícias curdas.
Ancara, ao contrário de Riade e Doha, começa a admitir um entendimento com Moscovo para que Assad possa permanecer no poder se independentistas curdos forem impedidos de unificar os distritos norte de Afrin, Kobane e Qameshli e mediante autonomia para a minoria turcomena.
O imperativo estratégico de Erdogan de impedir a criação de um foco de atracção para os separatistas curdos do Sudeste da Turquia é também aceitável para os poderes xiitas dominantes em Teerão e Bagdade.
Para Ancara é, no entanto, essencial que a UE cesse pressões públicas contra o autoritarismo de Erdogan a troco da contenção da debandada de deslocados sírios e previsíveis vagas de refugiados que possam advir da queda de Mossul e represálias a sunitas no Norte do Iraque, além do recrudescer dos combates no Afeganistão.
As garantias políticas e militares que as potências tutelares possam oferecer a Assad para permanecer no poder nas regiões ocidentais, parte do centro e Sul, protegendo interesses de alauítas (cerca de 12% da população) e outras minorias, como cristãos, ismaelitas e druzos, esbarram, contudo, contra a barreira demográfica, exacerbada pelas violências recentes.
Cerca de 4,8 milhões de sírios fugiram para o estrangeiro, mas os sunitas que representavam 70% da população de 22 milhões antes do eclodir da guerra constituem ainda larga maioria e têm o vizinho Iraque como exemplo do que possam valer eventuais partilhas de poder.
Salvaguardar al Assad e os alauítas (seita esotérica do xiismo) em Damasco em nome do combate ao jihadismo sunita é proposta que Putin lançará a Trump, mas implica que sanções norte-americanas não alcancem um nível intolerável para Teerão e preservem o acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Para os sunitas da Síria e confrades do Iraque, preteridos ante curdos e a maioria xiita dominante em Bagdade, posições subalternas são dificilmente aceitáveis e a propaganda jihadista aproveitará este filão contrariando a lógica de partilhas negociados por potências regionais, russos, norte-americanos e europeus.
Frente a cerca de 100 mil homens em armas do lado sunita e curdo, al Assad conta com aproximadamente 125 mil militares das forças regulares e outros tantos combatentes de milícias alauítas, cristãs, druzas, xiitas, contingentes do Hizbollah libanês, destacamentos iranianos, voluntários xiitas iraquianos, afegãos e paquistaneses.
O enquadramento e apoio logístico russo e iraniano é um dos elementos que assegura um mínimo de coesão militar ao regime de Damasco, mas a proliferação de milícias promete dificultar a concretização de futuros compromissos políticos.
A caminho do sexto ano de guerra, a exaustão e a pulverização dos combatentes tanto poderá favorecer um compromisso como fazer arrastar o conflito consoante os interesses das potências.
Jornalista