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20 de Maio de 2014 às 20:55

Cá se fazem, lá se pagam

Ganhos extraordinários para a China na negociação para compra de gás russo somam-se aos prejuízos económicos e financeiros que a Rússia começa a pagar pela anexação da Crimeia.

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Ficou para o último dia da visita de Vladimir Putin a Xangai o eventual anúncio de um acordo sobre o fornecimento de gás siberiano que os dois estados negoceiam desde 2004 e a última fase das conversações foi marcada por sucessivas cedências russas.

 

O gás natural representa apenas 6% das fontes de energia na China, abaixo da média mundial de 24%, e é vital para reduzir a dependência do carvão e as emissões poluentes.

 

Moscovo propõe-se desde os anos 90 a vender gás natural para reduzir o desequilíbrio das trocas comerciais bilaterais - 90 mil milhões de dólares (usd) em 2013 que ambas as partes afirmam pretender aumentar para 100 mil milhões em 2015 - em que só pesam a seu favor o petróleo (8% das aquisições chinesas, deixando a Rússia atrás da Arábia Saudita, Angola e Irão) e armamento.

 

Urgência russa, paciência chinesa

 

Confrontada com clientes europeus empenhados em reduzir a prazo a dependência dos fornecimentos russos e procurando antecipar-se à oferta crescente de gás natural liquefeito da Austrália, Malásia, Indonésia, Qatar e, futuramente, dos Estados Unidos, a "Gazprom"  tem urgência em chegar a acordo com "CNPC" ainda que a negociação possa falhar se a petrolífera chinesa insistir num preço-base excessivamente baixo.

 

Um preço-base abaixo da média de 380,50 usd por 1000 metros cúbicos cobrada pela "Gazprom" nas exportações para a Europa e próxima dos 350 usd pagos pela China nas importações do Turquemenistão estava sobre a mesa na derradeira fase das negociações.

 

A "CNPC" visava, contudo, baixar ainda mais o valor do contrato e do lado russo surgiam contrapartidas como, por exemplo, parcerias na exploração de gás natural e petróleo na ilha Sacalina.  

 

Para aceitar 350 usd ou mesmo 300 usd num contrato a 30 anos com fornecimento anual de 38 mil milhões de metros cúbicos a começar em 2018 ou 2019 e susceptível de aumento até 61 mil milhões de metros cúbicos, a "Gazprom" pretendia pré-pagamento de 25 mil milhões de usd ou empréstimo de montante equivalente e o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, insistia que o valor final do acordo rondaria os 400 mil milhões de usd.

 

O pré-pagamento chinês financiaria a exploração das jazidas de Tchaianda, na Iakutia, e Kovikta, na região de Irkutsk, e o prolongamento do gasoduto "Poder da Sibéria", começado a construir em 2007, até ao porto russo de Vladivostok ou a Blagoveshchensk na confluência dos rios Amur e Zeia na fronteira com a China.

 

As vendas de gás poderiam atingir valores maiores no caso de ser considerada a retoma da construção do gasoduto do Altai previsto num acordo assinado entre Pequim e Moscovo em 2006 para ligar jazidas da Sibéria ocidental ao Xinjiang, mas abandonada a favor da opção de fornecimento às regiões do Norte da China.

 

Até aos limites

 

A concretizar-se o fornecimento de 38 mil milhões de metros cúbicos, o contrato com a China seria equivalente a 20% das vendas da "Gazprom" na Europa.

 

As vendas à China têm margem para incremento dado que as estimativas de consumo de Pequim apontam para um aumento dos 170 mil milhões de metros cúbicos registados no ano passado para 420 mil milhões em 2020. 

 

As informações sobre as negociações, com a "CNPC" a propor um preço-base cada vez mais baixo, inferior até a 300 usd, mostram a parte chinesa, com a conjuntura política e financeira a seu favor, disposta a extrair o máximo de concessões.

 

Os presidentes Xi Jinping e Putin emitiram um comunicado conjunto expressando o desejo de que os "problemas internos" da Ucrânia tivessem uma solução "pacífica e por meios políticos" e ignoraram a anexação da Crimeia.

 

Nos bastidores, os negociadores chineses cobravam ao máximo a manifestação política oficial de não-hostilização pela anexação da Crimeia e subiam a parada sem sequer hesitar em pôr em risco a assinatura de um acordo sobre gás natural que a Rússia, mais cedo ou mais tarde, terá de acabar por aceitar.

   

Jornalista

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