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23 de Dezembro de 2014 às 19:29

A última fase do putinismo

Elevar a parada no confronto com a NATO, UE e Japão para garantir a neutralização da Ucrânia a par da consolidação de entendimentos diplomáticos com China e Índia são as principais orientações definidas pelo Kremlin para o ano de 2015.

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O nacionalismo autocrático e xenófobo de Vladimir Putin deixou a claro as suas opções ao confrontar-se com as sanções ocidentais e a perspectiva de um período prolongado de preços baixos do petróleo e correlativa queda do retorno das vendas de gás natural.

 

Na revisão do orçamento para 2015 as directivas visam preservar as despesas em defesa e segurança, equivalentes a 21% do orçamento e 4,2% do PIB, no quadro do programa de modernização militar a concluir até ao final da década.

 

Os demais sectores serão alvo de cortes orçamentais de 5% em termos reais e, admitindo uma quebra rondando os 5% do PIB em 2015, a administração russa prepara-se para uma sangria nas reservas de 416 mil milhões de dólares (usd) do "Banco Central".

 

O retorno da instabilidade orçamental

 

Chegou ao fim a estabilidade orçamental da era Putin, consagrada na criação em 2004 do "Fundo de Estabilização", divido quatro anos depois em "Fundo de Reserva" (89 mil milhões usd) e "Fundo de Bem Estar" (82 mil milhões usd, garantindo o sistema de pensões).

 

Uma dívida externa total de 600 mil milhões usd, com cerca de 130 mil milhões usd a pagamento em 2015, indiciam uma conjuntura agreste na impossibilidade de acesso a financiamento internacional, exceptuando o recurso à ampliação do contrato de trocas de divisas com a China no motante de 24 mil milhões usd, assinado em Outubro, mas que não compensará a previsível degradação dos ratings.  

 

Apoio diplomático da Índia, que este ano assinou com a Rússia acordos na área da indústria nuclear civil e compras de armamento, complacências equívocas do Itamaraty ou de Pretória, compromissos com Pequim, favoráveis sobretudo à China que obtém acesso privilegiado aos recursos naturais russos, não impedem uma degradação do estatuto de Moscovo.  

 

As primeiras medidas de controlo do mercado de capitais, começando por impor limites às reservas de divisas por parte de empresas exportadores e banca privada, fazem-se já sentir e deixam incerteza sobre até que ponto irá o poder central para afastar o espectro da bancarrota de 1998.     

 

A capacidade financeira de absorção de choques provocados por oscilações nos preços dos hidrocarbonetos assentava na acumulação de receitas pelo estado à custa da expansão das exportações de petróleo, gás e minérios que passaram de cerca de metade do valor das vendas ao exterior em 2000 para 2/3 nos primeiros nove meses deste ano.

 

Metade das receitas orçamentais derivam do sector de hidrocarbonetos, controlado por empresas estatais, e, na ausência de diversificação económica e incremento da concorrência, a Rússia estagna por escassa inovação tecnológica e baixa produtividade, em particular na agricultura.

 

Corrupção e subordinação da justiça aos ditames políticos de um regime autocrático limitam o investimento directo estrangeiro e propiciam acentuada fuga de capital, superior a 134 mil milhões usd este ano.

 

Depressão demográfica 

 

As tendências demográficas negativas, em particular a taxa de reprodução por mulher de 1,7 abaixo dos necessários 2,1 para estabilização populacional, revelam outro constrangimento estrutural intratável apontando para uma redução da actual população de 144 milhões para possivelmente 100 milhões no final do século. 

 

No imediato, o regime mostra-se incapaz de contrariar a contração da força laboral estimando-se para a próxima década uma quebra de 12 milhões de trabalhadores, ou seja 15% da força de trabalho.

 

A escassa capacidade de atracção de mão-de-obra especializada estrangeira -- apesar de 11 milhões de imigrantes do Cáucaso e Ásia Central (metade ilegais) representarem 8% da população - e a relutância em rever as idades de reforma de 60 anos para homens e 55 para mulheres (num país com uma esperança de vida masculina de 64 anos e feminina nos 74 anos) definem, igualmente, os dilemas russos. 

 

O urso ferido

 

Putin reinventou uma oligarquia, buscando legitimidade na religião ortodoxa, excepcionalismo e hipostasia da grandeza da Rússia, para agregar os elementos da nomenklatura soviética, mafias e negocistas do pós-sovietismo num projecto de consagração do poder do estado sob tutela e culto do líder.

 

Por cá vale a pena ler a tradução da "Quetzal" d' "A Mística de Putin", análise pertinente da jornalista russa Anna Arutunyan para ajudar a entender estes 15 anos de putinismo.  

 

O pico expansionista militar com a invasão da Ucrânia e anexação da Crimeia, seguidas da hemorragia petrolífera, trouxe-nos à fase mais perigosa do putinismo.

 

Encurralado na mitificação e mistificação nacionalistas, o líder dificilmente poderá agregar apoios fora de uma lógica de imposição do poder imperial e não pode contemporizar com opositores entre as elites ou manifestações das diminutas oposições anti-regime.

 

Jornalista

 

barradas.joaocarlos@gmail.com

 

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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