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05 de Setembro de 2017 às 20:30

A guerra na Coreia este fim-de-semana

Os mais que prováveis disparos de mísseis de Pyongyang no próximo sábado vão selar o destino da guerra na península coreana e o futuro da Ásia Oriental.

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Para assinalar a proclamação da República Democrática Popular por Kim Il-sung a 9 de Setembro de 1948, o neto Kim Jong-un tem oportunidade de testar a credibilidade da capacidade de contenção militar dos Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.

 

Consoante a rota, classe e número de mísseis lançados, Pyongyang poderá obrigar a tentativas de intercepção pelos sistemas de defesa em terra e mar THAAD, Aegis e Patriot (PAC -3).

 

Fracassos pontuais de intercepção só irão contribuir para o retorno célere de armas nucleares tácticas norte-americanas retiradas da Coreia do Sul pela administração George W. Bush, em 1991, e reforço acelerado dos arsenais militares de Seul e Tóquio.

 

Uma ou mais intercepções bem-sucedidas assumem carácter de urgência para credibilizar a capacidade de defesa de pouco valendo a eventual explosão ou queda prematuras de mísseis norte-coreanos e menos ainda a inacção face a testes de mísseis balísticos de médio ou longo alcance.

 

Kim poderia optar por deixar correr o seu curso a discórdia patente entre Washington, Seul, Tóquio, Pequim e Moscovo, mas, considerando as atitudes provocatórias que tem vindo a tomar, o mais certo é que vise cavar ainda mais fundo as divergências.

 

Para Kim, o próximo lançamento de mísseis não exclui, de resto, o recurso, à semelhança de avô e pai, a actos de terrorismo na Coreia do Sul e no estrangeiro ou provocações militares para intimidação.

 

Kim Jong-il, por exemplo, em Março de 2010, durante a presidência do conservador Roh Moo-hyun, torpedeou uma corveta sul-coreana matando 46 militares e, meses depois, em Novembro, bombardeou a ilha de Yeonpyeong, numa zona disputada entre os dois estados, causando a morte de mais dois militares e, ainda, dois civis.    

 

O impasse reina a favor de Kim dadas as objecções da China e da Rússia a sanções mais duras contra Pyongyang e os sinais contraditórios da Casa Branca empenhada em subir a parada nas hostilidades comerciais contra Seul e Pequim ao mesmo tempo que ameaça a Coreia do Norte com "uma resposta militar massiva", apesar de ainda não ter posicionado forças suficientes para um ataque que abra uma guerra preventiva.

 

800 mil cidadãos chineses residentes na Coreia do Sul - uma comunidade herdeira da emigração de finais do século XIX e afectada pelo boicote económico imposto este ano por Pequim a Seul na sequência da instalação do sistemas antimísseis THAAD - e a presença de 180 mil norte-americanos, além de mais de 20 mil militares, são um dos constrangimentos com que joga Pyongyang.

 

Um corte parcial ou total, progressivo ou abrupto, nos fornecimentos chineses de crude (cerca de 500 mil toneladas/ano) e refinados de petróleo (aproximadamente 200 mil toneladas/ano) não afectaria os programas nucleares e o desenvolvimento de mísseis balísticos, estando a Coreia do Norte em condições de adoptar regimes de substituição de combustíveis e racionamento durante pelo menos um ano sem risco de perturbações graves.

 

A seca redundará em más colheitas de arroz, milho, batatas e soja em Outubro e Novembro, nas estimativas da FAO, do Programa Alimentar Mundial e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, e, à semelhança do ocorrido em 2015, a produção de cereais ficará bastante aquém das necessidades estimadas de 5,2 a 5,5 milhões de toneladas métricas para 2017/2018.

 

A expansão da produção e comercialização de produtos alimentares por privados, acompanhado a expansão do "sector cinzento" tolerado pelo Estado que equivale 30% a 50% do PIB, exclui, contudo, no imediato, o risco de fome generalizada que entre 1996 e 1999 causou 500 a 600 mil mortes.

 

A repatriação forçada ou o cancelamento das transferências de salários dos cerca de 100 mil trabalhadores norte-coreanos no estrangeiro, sobretudo na Rússia, privariam Pyongyang de mais de mil milhões de euros de divisas por ano, mas tal como no caso de cortes de receitas nas vendas ilegais de armamento, drogas e outros tráficos, o impacto demoraria a fazer-se sentir.

 

A conjuntura favorável, no entanto, não se prolongará por muito tempo, e Kim quer forçar a aceitação do estatuto de potência nuclear.

 

Este fim-de-semana Kim joga tudo, outra vez, em mais uma ofensiva na guerra que seu avô iniciou na madrugada de 25 de Junho de 1950.

 

Jornalista

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