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27 de Junho de 2017 às 18:38

A caça aos crocodilos chineses

Em defesa da "segurança nacional", para conter a depreciação do yuan e limitar riscos de crise no sistema financeiro, o presidente Xi Jinping cortou o oxigénio a investimentos especulativos de empresas chinesas no estrangeiro.

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"A segurança de negócios e investimentos no exterior é uma componente importante dos interesses internacionais da China", justificou o "Grupo de Liderança Central para a Reforma Global", uma das entidades de controlo presididas pelo secretário-geral comunista.

 

As investigações agora abertas em Pequim pelo regulador bancário a empréstimos para investimentos controversos no estrangeiro decorrem do alerta lançado em Abril pela Comissão Política do partido, a suprema instância de poder, sobre "riscos do sistema financeiro".

 

O "crash" bolsista de 2015, o endividamento de governos regionais e municípios, investimentos imobiliários ruinosos e serviços financeiros clandestinos, avolumaram as preocupações das autoridades.

 

A disputa há dois anos pela promotora imobiliária de Shenzhen "China Vanke" de que saiu vencedora a seguradora "Qian Hai", sediada também na cidade adjacente a Hong Kong, foi apontada como exemplo inaceitável de recurso a expedientes especulativos na luta pelo controlo de grandes empresas.

 

A fuga de capitais para o estrangeiro, via casinos de Macau, designadamente, a ao pressionar em baixa a moeda nacional, evidenciava-se, ainda, como potencial elemento destabilizador.

 

O saneamento de empresas estatais e privadas confunde-se com a condenação de altos dirigentes por corrupção e nepotismo, ainda que esta "caça aos tigres" tenha poupado em regra os descendentes directos de antigos líderes do PC, alastrando, no entanto, nos escalões intermédios e baixos do partido e administração pública na chamada "caça às moscas".

 

Xiao Jianhua, um intermediário sino-canadiano de famílias da elite comunista, foi mesmo raptado de um hotel de Hong Kong em Janeiro e, ao que tudo indica, encontra-se detido em parte incerta no quadro de investigações anticorrupção.

 

O rapto de Xiao é sinal aparente de que o presidente Xi está disposto a aproveitar a campanha de saneamento para eliminar empresários e políticos ligados a redes de influência e patrocínio rivais que pretende abater. 

 

A maior parte dos investimentos de 310 mil milhões de dólares realizados por firmas chinesas no exterior desde o início de 2016 (estimativa "Bloomberg") em empresas dos sectores energéticos ou alimentares, por exemplo, conta com luz verde do poder que em última análise controla a banca, mas uma parcela das aquisições no estrangeiro é problemática. 

 

A directiva lançada há mais de um ano por Xi para punir quem apelidou de "crocodilos financeiros" tem assim a sua concretização nos inquéritos aos grupos "Fosun", "HNA", "Anbang" e "Wanda", responsáveis por anúncios de investimentos no montante de 60 mil milhões de dólares desde Janeiro de 2016.

 

A "Rossoneri Sport Investment Lux", de Zhejiang, que concretizou, em Abril, por 740 milhões de euros, um acordo de compra do "AC Milan" à "Fininvest" de Silvio Berlusconi está também na mira das autoridades de regulação bancária.

 

Mais de 40 mil milhões de dólares em investimentos da "HNA", liderada por Chen Feng", em participações que vão do "Deutsche Bank" à cadeia hoteleira "Hilton", passando pela "TAP", despertaram as atenções do poder central para as práticas de financiamento e eventual transferência ilegal de capital para o estrangeiro do grupo da ilha de Ainão.

 

As compras da "Anbang" superiores a 10 mil milhões de dólares revelam-se ainda mais suspeitas pelo recurso do consórcio de Pequim ao financiamento através da comercialização de seguros de alto rendimento a curto prazo e o seu presidente Wu Xiaohui foi detido no início deste mês.

 

A detenção de Wu é tanto mais relevante por tratar-se do marido de uma neta de Deng Xiaoping, o líder do movimento de reformas da China pós-maoísta.  

 

A "Wanda", fundada em Dalian em 1988, expandiu-se do ramo imobiliário para grandes apostas no sector do entretenimento, tendo o líder do grupo Wang Jianlin realizado compras no estrangeiro na ordem dos 12 mil milhões de dólares desde 2016, segundo a "Bloomberg".

 

Guo Guangchang, líder da "Fosun", esteve detido para interrogatório no final de 2015, mas a proprietária da "Fidelidade" e "Luz Saúde" - duas das muitas compras no exterior que superaram 16 mil milhões de dólares nos últimos três anos - não parou o investimento no estrangeiro, incluindo a aquisição do "Wolverhampton Wanderers" por 45 milhões de libras em Julho de 2015.

 

As participações em clubes de futebol ingleses, franceses, italianos e espanhóis têm sido classificados por muitos media chineses como exemplo extremo de investimentos "irracionais" e questionam-se financiamentos bancários em que acções das empresas a adquirir são aceites como garantias.

 

A "caça aos crocodilos" junta-se à "caça os tigres" e à "caça às moscas" na impiedosa luta pela consolidação do poder que Xi Jinping leva a cabo desde o final de 2012.

 

Jornalista

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