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Brexit: um péssimo de Pareto 

Chegados ao beco atual, o meu cenário ideal é de que a política britânica encontre a forma certa de recuar na sua decisão de saída.

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A decisão de convocar um referendo em fevereiro de 2016 sobre o Brexit tinha todas as condições para correr mal, e correu.

 

A formação de um governo no Reino Unido a 13 de julho de 2016 com base na liderança de uma primeira-ministra que votou pela permanência na União Europeia e que ia gerir o processo de saída tinha todas as condições para correr mal como se está a ver.

 

O envio de uma carta a 29 de março de 2017, pelo governo britânico, informando a União Europeia de que o Reino Unido invocava o artigo 50.º do Tratado da União Europeia também reunia as condições necessárias para correr mal. E tudo indica que assim será.

 

O acordo de saída de 585 páginas (https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/draft_withdrawal_agreement_0.pdf) entre o Reino Unido e a União Europeia, erradamente chamado acordo de divórcio, também tem todas as condições para correr mal. O acordo é aliás tão ambíguo que permite dizer que nada muda na economia britânica ou que a mudança nas regras é abissal, dependendo da perspetiva do leitor.

 

O ótimo de Pareto, um conceito seminal em economia, designa uma situação em que não se consegue melhorar a situação de ninguém sem prejudicar pelo menos uma pessoa.

 

O "péssimo de Pareto", inventado por um amigo meu, é a situação em que qualquer coisa que se faça melhora a situação de alguém sem prejudicar ninguém. A política no Reino Unido parece ser um exemplo do "péssimo de Pareto".

 

No Reino Unido, a mudança de primeiro-ministro desanuviaria o ambiente e não prejudicaria ninguém. A convocação de eleições antecipadas também não. A mudança de governo no atual quadro parlamentar também melhora as coisas. Um segundo referendo sobre o Brexit ou sobre o acordo de saída é certamente benéfico. Um recuo em toda a linha na saída do Reino Unido pedindo para ignorar a invocação do artigo 50 deixaria todos mais felizes. Se os Partidos Conservador e Trabalhista se partirem em dois também melhora a situação. E se for convocado um novo referendo sobre a independência da Escócia também é bom tal como seria um referendo sobre a reunificação da Irlanda na Irlanda do Norte. Qualquer alteração política melhora a situação atual. Mas forças ocultas parecem preservar o "status quo": um verdadeiro "péssimo de Pareto."

 

A saída do Reino Unido é também muito prejudicial à União Europeia. Em questões económicas os governos britânicos costumam dar contributos de racionalidade, de que a União precisa, e salvaguardam esferas de competências nacionais.

 

O Reino Unido, a par dos antigos países do Leste europeu, faz parte dos países que não têm maiorias de esquerda crónicas nos parlamentos nacionais. No caso do Reino Unido, a sociologia política do eleitorado resulta da força das suas tradições democráticas e da compreensão do papel de representação dos seus eleitores e não a promoção de ideologias ou tentativas de implementação de utopias. Nos países do Leste, a rejeição do socialismo é o resultado das suas experiências históricas concretas e traumáticas.

 

A perda dos eleitores e governo britânicos será uma das maiores guinadas à esquerda na União Europeia. Também uma consequência assinalável que não tem nada de positivo.

 

A União Europeia não tem, na sua governação, um mecanismo formal para dar ao Reino Unido o espaço de voz que o seu primeiro ministro justificaria. Compreende-se assim o sentimento de crescente distanciamento dos governos britânicos face ao projeto europeu.

 

Em Portugal, estamos habituados a argumentar que os países devem ser tratados como iguais no seio da União. Independentemente da dimensão da sua população, economia ou contribuição institucional para a proteção comum. Mas deve-se reconhecer que dar ao representante britânico o mesmo tempo de antena e importância que se dá ao primeiro-ministro português desvaloriza a presença do Reino Unido. Nomeadamente se as decisões comuns são normalmente diferentes das que são por eles defendidas.

 

Chegados ao beco atual, o meu cenário ideal é de que a política britânica encontre a forma certa de recuar na sua decisão de saída. E se isso vier a acontecer a União deve ponderar formas concretas de inclusão do Reino Unido em todas as suas decisões. Do comércio internacional ao mercado único, do euro aos serviços financeiros, da política de imigração à defesa. Respeitando o peso específico concreto que o Reino Unido tem na Europa e no mundo.

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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