Opinião
Trocada por um telemóvel
Chamam-lhe "Phubbing", palavra que nasce do cruzamento de "Phone" com "Snubbing", e refere o ato de trocar alguém por um telemóvel. Podíamos ainda não conhecer a palavra, mas já todos sentimos a que sabe este menosprezo.
Sentir que a pessoa a quem contamos alguma coisa presta atenção, mesmo atenção, àquilo que temos para dizer é o maior bálsamo para a alma. Faz-nos sentir que importamos, enche-nos de adrenalina e de gratidão. E então se essa pessoa for suficientemente sensível e inteligente para, vendo que alguém nos interrompe, retomar na primeira oportunidade a conversa boicotada, sobe mil pontos na nossa consideração. Um simples "E como estava a dizer?" conquista-nos o coração. E a vaidade. Falando a sério, é meio caminho andado para se tornar o empregado do mês, o patrão do ano, o genro da década. E, é claro, marido até que a morte nos separe.
Contudo, se isto já não era fácil de executar, sobretudo com a consistência necessária e a autenticidade requerida - à prova de detetor de mentiras e de repelentes de lisonja -, tudo se tornou mais complicado quando o telemóvel entrou na equação. De tal forma que o ato de ignorar o interlocutor, desviando a atenção para o telefone já tem até nome: "phubbing", um cruzamento entre a palavra "phone" e "snubbing" (menosprezar). Mas mesmo antes de alguém o batizar, conhecíamos muito bem a sensação: ninguém gosta de se sentir subitamente invisível aos olhos daquele com quem queremos partilhar alguma coisa que nos importa. Muito francamente, também não nos achamos as melhores das pessoas quando o fazemos aos outros. E fazemos.
Mas o que é que torna tão irresistível esticar o indicador para o ecrã e iluminá-lo, qual ET desesperado por voltar para casa, depois de ter sido abandonado no planeta Terra? Eventualmente, porque o nosso cérebro programado para procurar a novidade convenceu-se de que é mais provável encontra-la naquele retângulo do que nas pessoas que estão à nossa volta. Sendo assim coloca um "visto" ao desgraçado que se sentou à nossa frente no restaurante (ou em casa!), acende a luz do tédio, e na primeira oportunidade incita-nos a partir à procura de surpresas no telemóvel que pousámos ao lado do prato.
Chegados aqui há duas hipóteses, que não se autoexcluem completamente. A primeira é que, de facto, o nosso interlocutor, ou pelo menos a sua conversa, já tenha dado o que tinha a dar. Nesse caso, suspeito de que só verdadeiramente o medo das consequências consegue impedir-nos de aceder ao telemóvel. Assim como assim, convém que se exercite a avaliar em microssegundos se vale a pena aturar a diatribe sem fim da esposa ofendida só para saber o resultado do jogo ou, por exemplo, se a satisfação de navegar pela internet enquanto o chefe divaga sobre o balanço das contas da empresa compensa a falta do ordenado certo ao fim do mês.
A segunda hipótese propõe que o "phubbing" resulte de uma verdadeira dependência. Que praticamos por impulso e em que, objetivamente, ficamos sempre a perder, num limbo que produz uma enorme sensação de vazio. Porque, convenhamos, ou queremos estar com as pessoas com quem não estamos, e então temos mais é que virar a vida do avesso para que isso aconteça, ou agimos por um nervoso miudinho que não nos leva a lado nenhum. Ou seja, ganhamos em reeducarmo-nos, impedindo que o telemóvel mande em nós.
Mas, no fundo, a melhor solução para o "phubbing" pode estar em (re)aprendermos a conversar. Porque conversar é interessarmo-nos pelo outro, é querermos saber mais sobre ele, recebendo em troca as suas histórias, invariavelmente fascinantes. E não sei se é por timidez, se por falta de treino, mas praticamos muito pouco a virtude da curiosidade pelos outros seres humanos. Suspeito de que devíamos começar por aí...
Jornalista
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico