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Treinarmos para viúvos

Os almoços de domingo que esperem. Vivam os filhos e netos, são o maior antídoto contra o envelhecimento, mas não podem ser (sempre) a prioridade. Felizmente vão cá estar muitos e muitos anos, e nós e/ou a nossa cara-metade talvez não.

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Sei que o título é sinistro, e que a possibilidade da morte da pessoa com quem partilhamos a nossa vida é o nosso maior medo — perto dela, a nossa é mil vezes mais irrelevante —, mas aventurei-me neste tema porque é um alerta para aproveitarmos o presente. Uma vida bem vivida é o único antídoto para o que vem a seguir.

Não deliro. As estatísticas estão aí para nos tirar as ilusões. Segundo dados de 2019, são 2,3 milhões os portugueses com mais de 65 anos, e embora tenhamos ganho mais seis anos de vida nas últimas décadas, não só a taxa de mortalidade é sempre em crescendo como os indicadores de saúde descem. E se os homens morrem mais novos, as mulheres sofrem desde cedo de doenças incapacitantes. Ou seja, a hora certa é agora!

É um paradoxo cruel que o “até que a morte nos separe” chegue na fase da vida em que os casais têm mais tempo para realizar planos que foram adiando. Em que, finalmente, os filhos estão independentes. Numa altura em que já se limaram arestas, e a relação a dois está mesmo bem. Mas, também, numa fase em que os desafios profissionais são menos exigentes e desapareceu o contexto de um emprego, em que a companhia dos outros é um dado adquirido.

Esperem, não se deprimam já. Há boas notícias: a medicina avança, a tecnologia permite manter ligações com quem importa, existem menos preconceitos contra quem volta a estudar ou a namorar (mas ainda há tantos!), os voos low-cost abriram destinos impensáveis, e o investimento na boa forma física rende frutos.

Pus-me a pensar nisto tudo e cheguei a estes mantras, a repetir a partir de agora.

1. Não adiar para amanhã o que me apetece fazer hoje. Note-se que é preciso “apetecer”, porque Deus nos livre de tornar a cura pior do que a doença e empanturrarmo-nos com “To Do Lists” que só nos deixam exaustos.

2. Os almoços de domingo que esperem. Vivam os filhos e netos, são o maior antídoto contra o envelhecimento, mas não podem ser (sempre) a prioridade. Felizmente vão cá estar muitos e muitos anos, e nós e/ou a nossa cara-metade talvez não.

3. É preciso calar o papagaio. Educados a amealhar para o amanhã, temos dentro de nós um papagaio, ou um grilo, tanto faz, que protesta sempre que tocamos no nosso pé de meia. Que está industriado a interrogar-nos se aquela despesa é mesmo “necessária”, se não podíamos antes viajar só até ao fundo da rua, se precisamos mesmo, mesmo de mudar a decoração da sala ou de máquina de lavar roupa. Espero que a covid tenha servido de lição — quando vi que em Espanha o valor das heranças em 2021 é o mais alto de sempre, só pensei em tudo de que se privaram, por serem (talvez) demasiado formigas.

4. Aprender a estar sozinha. As coisas podem não correr bem quando explicar à sua cara-metade que vai viajar uns dias sozinho para treinar para viúvo/a, mas é de arriscar. Quem fica em casa treina também. Não estou a brincar — não podemos perder a nossa identidade. Não é bom para o dia de hoje e é uma tragédia para o dia de amanhã.

5. Não ser ministra de uma pasta só. Tendemos a especializarmo-nos numa área da gestão doméstica. Um trata dos impostos, o outro da cozinha, um leva o carro à revisão, o outro cose botões nas camisas. Esforce-se por diminuir a dependência.

6. Cultivar os amigos. À medida que perdemos a paciência para muita coisa, é fácil fecharmo-nos no círculo da família direta, mas ter amigos que nos desafiam a sair da nossa zona de conforto é um investimento no presente e no futuro.

 

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