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A última viagem

É nestes momentos que agradeço aos céus não ser economista e rojo-me ao comprido pela graça de não ser ministro. Que os deuses protejam o Dr. Pedro.

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O Dr. Pedro é ministro. O Dr. Pedro é também economista. Dos economistas corre aquela piada sobre as três formas possíveis de levar uma empresa à falência: o jogo – a mais rápida; as mulheres – a mais agradável; e contratar um economista – a mais segura.

Infelizmente, o Dr. Pedro não pode pôr em prática esse desígnio. Do curriculum oficial nada consta sobre a sua imersão na vida real. A vida real é aquela em que há empresas que conseguem produzir, por vezes são capazes de vender o que produzem e algumas, com grande desgaste, até conseguem receber o valor das vendas e com esse dinheiro pagar fornecedores, salários e os impostos que sustentam os nossos queridos governantes e toda a máquina do Estado.

Mas por ser ministro deram ao Dr. Pedro uma empresa. E não foi uma qualquer, foi logo uma empresa de aviões. Aviões enormes, carregados de pilotos e hospedeiras. Gente com pinta, habituada a viajar pelo mundo. E com muitos engenheiros e tecnologia da melhor. Enfim, o sonho de qualquer empreendedor ou gestor.

Quando deram a empresa ao Dr. Pedro ele reparou logo num pequeno problema: é que não havia passageiros para encher os aviões. Ou seja, os aviões estavam todos paradinhos e ninguém comprava bilhetes para viajar, mas a empresa precisava de continuar a pagar os salários, e os próprios aviões, comprados a fiado, e uma chusma de encargos maior que as escadas do Bom Jesus.

Foi aí que o Dr. Pedro deu um murro na mesa e pensou: “Não serei eu o economista que vai levar à falência esta empresa!” E de uma penada deu um chuto aos acionistas que andavam com manias de dar palpites sobre como resolver o imbróglio e foi sacar, não sei bem onde, um empréstimo com 10 algarismos de comprido, coisa nunca antes vista.

Aquilo fez um brilharete: os salários foram logo pagos, os credores satisfeitos, um êxito. Toda a gente deu palmadas nas costas ao Dr. Pedro pelo golpe de magia executado, evitando uma falência mais que certa.

Um dos que mais palmadas lhe deu foi um tal Neeleman que como era o principal responsável pela empresa estava metido até às orelhas naquele sarilho e a ir para o fundo que nem um prego. Tenho a certeza de que agora todos os dias abre uma garrafa de Moet & Chandon para beber à saúde e longa vida do Dr. Pedro.

O problema é que os passageiros teimaram em não querer viajar, e o buraco foi ficando mais fundo. Coisa pouca, parece que 100 milhões por mês. Aí o Dr. Pedro começou a fazer umas contas, concluindo que ao fim de mais um ano tinha de voltar a inventar um empréstimo igual ao primeiro. Os dois somados davam qualquer coisa como 600€ às costas de cada família portuguesa, mesmo das que nunca sonharam andar de avião, o que poderia ser um bocado chato.

Vai daí o Dr. Pedro cismou que se não há passageiros para os nossos aviões, vamos despachar para aí uns 25% e amanhamo-nos com os que sobram. Pelo caminho pomos na rua aquele pessoal que anda para ali encostado — os tais que jurou não despedir — e os custos da empresa ficam numa ninharia.

Só que a gente que já cá anda há uns aninhos sabe o que é que a casa gasta. Despachar paletes de trabalhadores que ganham bem e com muitos anos de casa vai ser um pincel dos antigos. Estou mesmo a ver a coisa a arrastar-se para ficar no auge quando o turismo reanimar. E então vamos ver quem ganha o braço de ferro com umas greves à mistura.

Quando só tiver umas dezenas de aviõezinhos para brincar, a empresa vai ter de deixar de voar para uma série de destinos, designadamente os que têm pouca procura. E quais são? Precisamente aqueles para onde mais nenhuma companhia quer voar e onde os portugueses que por lá andam estão a contar com uma empresa nacional para os trazer até casa — já os estou a ouvir a berrar que afinal pagaram um balúrdio para ficar em terra.

O problema é que a malta enche-se de orgulho quando vê a bandeira verde rubra a rodar na pista de Frankfurt, e fica logo com vontade de cantar o hino nacional, mas a coisa passa-lhe no momento de comprar o bilhete em que, vá-se lá saber porquê, acaba por escolher os mais baratos.

O que isto significa é que com ou sem reestruturação a companhia só sobrevive se for competitiva e eficiente. Ora, ou me engano muito, ou só vai haver lugar no futuro próximo para companhias grandes em que os enormes custos de estrutura sejam diluídos por muita atividade.

O que pode, se calhar, mandar às urtigas o plano do Dr. Pedro, e a empresa acabar vendida por tuta e meia, só para salvar a face. Pelo caminho é provável que a conta a pagar por cada família tenha disparado, mas nunca se ouvirá falar da sua falência.

É nestes momentos que agradeço aos céus não ser economista e rojo-me ao comprido pela graça de não ser ministro. Que os deuses protejam o Dr. Pedro.

 

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