Opinião
A escola pública a destruir a escola pública
É urgente um “ranking” do tempo letivo que cada escola efetivamente oferece aos seus alunos, até para que se pudessem cruzar esses dados com os famosos “rankings” do sucesso escolar.
Leio a notícia de que o sindicato dos professores STOP vai prolongar o pré-aviso de greve que abrange todos os funcionários das escolas por (pelo menos) mais duas semanas, a somar às últimas duas em que algumas escolas já estiveram encerradas vários dias. Vem somar-se a uma outra greve que já paralisou algumas escolas desde o início do ano letivo, sim, este que começou há pouco mais de um mês. E não será, obviamente, a última.
Em termos práticos, isto significa que os pais vão continuar mais quinze dias (pelo menos) a diariamente preparar os filhos para a escola, arrastando-os na corrente caótica das manhãs até um portão, que tanto pode estar aberto como fechado. Nunca se sabe, ou melhor, suspeita-se, porque estranhamente estas "causas" encontram mais adeptos às sextas e às segundas-feiras. Caso esteja fechado terão de, na urgência do momento, procurar alternativas para a guarda dos filhos, ou faltar ao seu próprio emprego para ficarem com eles.
Sofrem os pais, sofre a economia nacional, mas sofrem sobretudo os alunos que, em teoria, deveriam ser a razão de ser da escola. Ano após ano, são privados de uma parcela importante de atividade letiva, de uma rotina de trabalho consistente, agravada porque calharam num estabelecimento em que professores ou funcionários aderem com mais frequência, e à vez, às mais diversas paralisações. Existem escolas onde, referem algumas associações de pais, os alunos são privados de 30 dias de aulas por ano, quando não de mais. Não faz mal, depois os pais que podem logo pagam explicações ou mudam o filho para o ensino privado.
Daí a minha proposta: é urgente que o Ministério da Educação faça um "ranking" do tempo letivo que cada escola efetivamente oferece aos seus alunos, até para que se pudessem cruzar esses dados com os famosos "rankings" do sucesso escolar. Talvez assim ficássemos com um retrato claro das consequências para as crianças que recebem um "corte" no tempo de ensino que o Estado tem o dever de lhes assegurar, e da dívida que o Estado contrai em relação a elas e às suas famílias. Neste momento, tanto quanto consegui apurar, a informação se é recolhida, não está trabalhada - objetivamente, poderia conseguir-se retrospetivamente, analisando o passado dos alunos que engrossam as taxas de insucesso e abandono escolar.
Proponho também que o Ministério da Educação medite na ironia da incoerência do que está a acontecer. Afinal, a partir do momento em que se estabelece o número de faltas máximas que um aluno pode dar, sob pena de perder o ano letivo e ter queixa na CPCJ, que consequências existem quando esse mesmo número de faltas, ou muitas mais, lhes é imposto pela própria escola? Pelos vistos, nenhuma, muito provavelmente porque estas crianças são as que não têm alternativa, as que não podem bater com a porta. Seja ela de amianto, ou não.
E sim, deixei para o fim, o que não deveria ser preciso dizer, mas eu digo. Sou a favor do direito à greve, quando se esgotaram todos os outros recursos. E se a causa do amianto une, a greve já não. Há, certamente, formas de resolver os problemas mais eficazes do que encerrar escolas aleatoriamente, ou de sessões populistas para benefício dos telejornais da noite. Já agora, fora do horário escolar, até para que os pais que trabalham também se lhes possam associar. Acreditem, desespero sempre que vejo a escola pública a destruir a escola pública.
Jornalista