Opinião
A "desmotivação" é o mantra nacional
A “desmotivação” justifica as greves, o absentismo, as baixas médicas, as más notas e, é claro, os amantes. É o verdadeiro mantra nacional, de um país onde ninguém assume culpas próprias.
Era estagiário numa grande empresa há apenas uns meses. Pediu uma reunião com o chefe, e quando se sentou à sua frente queixou-se: andava desmotivado. Sabia que era feito para grandes coisas, e só cumpriria o seu destino se progredisse mais depressa na carreira, e lhe dessem mais responsabilidades. Não tinha propriamente ideia de quais porque, está bom de ver, velar pela motivação do trabalhador, é função que cabe aos seus superiores. Suspeito que nunca percebeu porque é que o seu destino não foi tão glorioso como o imaginava, e que até hoje atribui a culpa desse facto aqueles que não foram capazes de nele acender a paixão pelo trabalho.
Coitado, foi mais uma vítima do refrão, incansavelmente repetido, como um mantra nacional. A "desmotivação" é palavra-bandeira em todas as reivindicações laborais, nos pré-avisos de greve, nos milhentos estudos sobre a satisfação no local de trabalho, sendo a mais das vezes apenas um sinónimo elegante de dinheiro, mas já estendeu os seus tentáculos a tudo. São os alunos que não se sentem motivados para aprender, por culpa do professor, bem entendido, os filhos desmotivados para apanhar a roupa que deixam cair no chão do quarto, ou sem o incentivo necessário para por a loiça na máquina, sem esquecer, evidentemente, que os relacionamentos amorosos só se desfazem por falta de motivação do outro.
Por outras palavras, esforcem-se por nos fazerem felizes, que a gente cá está para avaliar a vossa competência. Se tem dúvidas, faça um Google, e vai ver o que lhe aparece. "Ordem dos Médicos aponta insatisfação e desmotivação para aumento de faltas no SNS", que corresponderam, em 2018, a mais de 180 mil dias de trabalho perdido, mais 60 mil dias do que no ano anterior, contava o Observador. O bastonário não tem dúvidas: "É uma situação extraordinariamente preocupante e tem a ver com o facto de as pessoas estarem insatisfeitas e desmotivadas". Não está sozinho nesta convicção.
A "desmotivação" explica as baixas médicas dos professores, as fraudulentas também, as greves dos enfermeiros, dos trabalhadores da CP, dos guardas prisionais, ou de qualquer outra profissão, sobretudo quando trabalham para o Estado, eleito o grande desmotivador nacional, suspeito que porque toda a gente sabe que por muito desmotivado que esteja, não deixa de pagar os salários, a trabalhadores motivados ou não.
Não sei o nome de quem se empenhou na subversão do conceito de motivação mas estava decididamente motivado. Convenceu-nos de que a responsabilidade pela nossa motivação, reside fora de nós. Não é o contrato de trabalho que assinámos que nos vincula, mas a habilidade do chefe em tornar o nosso trabalho mais estimulante. Não somos nós que temos de queimar as pestanas para aprender, mas o professor que tem a obrigação de tornar a tabuado num exercício hilariante, e é claro que cabe à "pessoa parceira", como agora se diz, encher-nos a vida de emoções tão fortes e variadas, que nos tire a vontade de arranjar um amante. E assim andamos, de desmotivação em desmotivação até à desmotivação final.
Jornalista