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13 de Fevereiro de 2018 às 19:30

Boas intenções sem rédeas

A maioria da população do planeta encontra-se estéril. Os países estão a colapsar por falta de pessoas novas. Os EUA já foram desta para melhor.

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"O 'melhor' nunca é o melhor para todos. Quase sempre, o 'melhor' é o 'pior' para muitos."

 

A frase acima é dita e repetida mais ao menos quando estamos a virar a metade da narrativa da série "The Handmaid's Tale" (produzida pela plataforma Hulu e disponível em Portugal através do Nos Play).

 

A frase revela-se uma chave importante para a compreensão da distopia desvairada que nos é apresentada.

 

Estamos algures no tempo futuro, mas não muito para a frente. Talvez uma década, se tanto. Nesse tempo, a humanidade alcançou o seu objetivo de tornar a vida na Terra algo próximo do insuportável.

 

A maioria da população do planeta encontra-se estéril. Os países estão a colapsar por falta de pessoas novas. Os EUA já foram desta para melhor. Pelo que percebemos, boa parte do seu território está dominado por uma teocracia musculada chamada República de Gileade.

 

Os direitos humanos foram abolidos, o desejo de consumo foi classificado como pecado mortal, os desejos carnais, então, nem se fala.

 

A vida é uma desgraça para as mulheres. Elas servem de bode expiatório para tudo o que correu de mal no planeta. E foram divididas em algumas castas. As esposas dos poderosos, as empregadas e as servas (as tais "handmaids"); estas últimas são as únicas ainda capazes de engravidar.

 

As servas são tratadas como animais de estimação ou como éguas de procriação (depende da sorte de cada uma). São profundamente infelizes. Passam por rituais regulares de violação. Os frutos dos seus ventres são afastados das suas vidas mal desmamem.

 

Para quem acha que a história foi baseada no crescente movimento conservador americano (caros, Trump é só um dos baluartes da coisa, não é o fundador de nada; não confundam a doença com um dos seus agentes de contaminação), a surpresa é saber que a série é baseada num livro publicado em 1985, de autoria da canadiana Margaret Atwood.

 

Como em todas as distopias bem desenvolvidas, "The Handmaid's Tale" causa calafrios pela precisão como formula as suas teses.

 

Independente da venalidade ou fraqueza de todos homens apresentados, a personagem que nos é apresentada como a grande teórica da bagunça toda é uma mulher, amarga como uma toranja, infértil como uma flor atirada a uma fogueira.

 

Mesmo o processo de lavagem cerebral das servas é levado a cabo por mulheres, as Tias, capatazes cruéis, defensoras cegas de uma interpretação para lá de torta da Bíblia.

 

Tudo isso é amarrado com uma comparação ao movimento nazi tão óbvia quanto necessária. A questão não é como fomos parar naquele mundo. É como ainda não fomos.

 

Recomendo a série como objeto de reflexão sobre os limites dos movimentos bem intencionados (a mesma gente que criou o horror descrito, conseguiu fazer com que 80% da produção de alimentos nos EUA seja orgânica, sem o uso de fertilizantes).

 

O radicalismo nada mais é do que um boas intenções que perderam as rédeas.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, citando o escritor Nelson Rodrigues: "Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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