Opinião
Queremos viver sem centros comerciais?
Alterações significativas em qualquer uma das componentes de remuneração pode ter um impacto impensável nos ecossistemas delicados que são os centros comerciais e consequentemente, pela sua representatividade, na economia do país.
Ao longo das últimas quatro décadas, os centros comerciais assumiram um papel essencial na vida dos visitantes, dos lojistas e dos proprietários. O anseio do Portugal pós integração na União Europeia de ter maior oferta de produtos e serviços em espaços modernos, confortáveis, convenientes e com um leque muito alargado de escolhas teve uma resposta clara nos centros comerciais. Estes espaços vieram responder às necessidades dos consumidores e em simultâneo, deram aos lojistas e a investidores nacionais e estrangeiros a possibilidade de expandir o seu negócio em novas áreas com grande adesão de clientes.
Esta transformação estrutural impulsionada pelos centros comerciais resultou em profundas alterações dos hábitos de compras, criando cada vez mais uma correlação positiva entre as compras e o lazer e transformou o ato de fazer compras numa das atividades quotidianas mais importantes para um número significativo de pessoas.
Pela sua própria natureza, os centros comerciais assumiram-se como uma solução na qual todos ganham: os visitantes pela comodidade, conveniência e escolha comparada com outros pontos de comércio; os lojistas pela oportunidade de negócio, volume de clientela e organização da oferta; os proprietários porque garantem retornos de longo prazo nos seus investimentos. Graças ao trabalho feito por todos os participantes neste mercado e pelas empresas que gerem os espaços, criou-se um cenário de win/win/win que assenta num delicado equilíbrio.
Qualquer decisão que afete este equilíbrio, nomeadamente a eliminação da componente fixa da renda, poderá no médio prazo conduzir ao declínio dos centros comerciais e afetar todos os envolvidos: em primeiro lugar e a curto prazo serão os proprietários a sofrer perdas importantes, mas inevitavelmente os lojistas e os clientes serão afetados. A economia, naturalmente, sofrerá também este impacto. Passamos de um paradigma de cooperação e equilíbrio, que no final proporciona ganhos a todas as partes, para um modelo de competição onde o propósito é obter vantagem sobre a outra parte, sem uma preocupação de futuro.
Esta não é a primeira crise com que o setor se depara. Nos anteriores momentos de enorme dificuldade, os intervenientes do mercado foram confrontados com a necessidade de encontrar soluções que garantam a sustentabilidade de todos e tornou-se evidente que a colaboração entre as partes é imprescindível. Na anterior crise económica, os apoios concedidos pelos Centros Comerciais aos lojistas foram essenciais para manter muitas lojas abertas, e atingiram um valor global a rondar os 400 milhões de euros. Durante esta crise provocada pela pandemia, os proprietários voltaram a conceder apoios e carências de remunerações ajustadas a cada caso e à realidade de cada lojista, atingindo já um nível muito semelhante aos apoios concedidos durante toda a crise anterior.
Um dos principais motivos de sucesso dos centros comerciais é o equilíbrio de risco e recompensa dado pelas remunerações fixas e variáveis, permitindo que os lojistas sejam incentivados a obter o maior sucesso possível e que através dessa performance excecional, os proprietários consigam obter um ganho adicional resultante da remuneração variável. Este equilíbrio funciona por oposição ao arrendamento tradicional, no qual o desempenho dos lojistas não tem relevância. Alterações significativas em qualquer uma das componentes de remuneração pode ter um impacto impensável nos ecossistemas delicados que são os centros comerciais e consequentemente, pela sua representatividade, na economia do país.
É por isso que devemos perguntar: "Queremos viver sem centros comerciais?" Nesta fase difícil, em que procuramos soluções para apoiar a economia e impedir uma crise prolongada, é essencial que a cooperação e a proteção dos interesses comuns esteja no cerne de todas as decisões tomadas, para evitar que a resposta a esta pergunta coloque em risco o futuro dos visitantes, dos lojistas e dos proprietários. O sucesso dos centros comerciais é sempre o sucesso dos seus lojistas.
Managing Director da MVGM Portugal