Opinião
Lehman Brothers: a grande recessão e a transformação da banca
Os bancos nacionais estão, de facto, muito mais capitalizados, mais sólidos, mais eficientes, ao mesmo tempo que têm desenvolvido modelos de negócio ajustados às novas realidades, e a sua governação tem sido mais reforçada.
1. Dez anos depois da falência do Lehman Brothers são mais nítidas as lições que se puderam tirar de uma das mais profundas e longas crises financeiras globais da história económica, ainda não totalmente debelada, designadamente ao nível do fator confiança e da reputação do sistema bancário.
Existe um já largo consenso sobre as causas e as consequências da crise. E reconhece-se que, na sequência das decisões políticas tomadas à escala global, os sistemas bancários mais afetados pela crise, designadamente nos EUA e na Europa, estão muito mais fortalecidos. No entanto, muitos insistem: terão sido as ações corretivas suficientes e ajustadas às necessidades?
2. As razões mais comummente referidas para explicar o colapso de (alguns) bancos e a crise sistémica gerada são:
- Por um lado, a inovação financeira, que esteve no cerne do desencadear da crise, com a proliferação de produtos financeiros complexos (alguns tornados tóxicos), dos "hedge funds", de um elevado volume de securitizações e emissões de "mortgage-backed securities" (com os bancos europeus a serem dos seus principais compradores). Influíram também a grande dependência do "funding" de curto prazo - e menos dos depósitos - e, ainda, a globalização crescente dos serviços financeiros, sendo de mencionar nesta matéria os efeitos da arbitragem regulatória. O desenrolar da crise trouxe também à evidência outras debilidades do setor bancário, como insuficiências de "governance", cultura, ética e valores nas instituições, dos modelos de controlo interno e de fiscalização e uma gestão de risco nem sempre prudente;
- Por outro lado, as insuficiências regulatórias, da responsabilidade do poder político e das autoridades regulatórias, internacionais e nacionais, que consideravam que o quadro então vigente era suficiente (estava na "moda" a desregulação e a desregulamentação) e as abordagens da supervisão menos intensas e intrusivas que então prevaleciam.
3. As consequências da crise financeira global não se limitaram a afetar o sistema bancário, na sua rentabilidade e na sua reputação. Como escreveu Christine Lagarde, marcaram, para sempre, a geração que a viveu. A recessão económica inerente traduziu-se em pesados custos para o cidadão comum, com perda ou estagnação de salários e aumento do desemprego. Em vários países que foram vítimas da crise bancária, o PIB ainda não voltou aos níveis anteriores ao início da crise e a dívida pública nas economias avançadas aumentou significativamente, para fazer face a debilidades da economia, para a estimular e para apoiar, com aumentos de capital ou concessão de garantias, os bancos que colapsavam.
Mas não se estenderam apenas à economia e à sociedade os efeitos desta crise geradora da grande recessão. Tornam-se cada vez mais notórias as implicações também a nível político.
Uma onda de descontentamento e um ímpeto para a mudança pela mudança surgiram um pouco por toda a parte, por descrença nas soluções seguidas pelos detentores tradicionais do poder político. O sistema partidário na Europa foi-se fragmentado, dificultando a governabilidade das nações.
Para a superação deste sentimento de frustração face à estagnação dos rendimentos, no fundo, só a criação de mais riqueza e otimização da sua redistribuição entre todos constitui solução efetiva.
4. E, no entanto, a resposta política dada no início da crise foi rápida: os governos dos países do G-20 adotaram medidas para estimular a economia e facilitar o financiamento, implicando ainda o apoio a bancos em dificuldades. E decidiram promover uma profunda alteração do quadro da regulação e supervisão bancária, uma verdadeira revolução iniciada em 2008 e, na Europa, aprofundada com a criação da União Bancária.
5. Dez anos depois, os bancos estão, em geral, muito mais capitalizados, com rácios de liquidez e "leverage" confortáveis e, portanto, mais sólidos e mais bem estruturados para responder às exigências de mercado.
Foi a reforma até agora efetuada suficiente para assegurar que os bancos estão agora apetrechados para enfrentar a próxima crise sem que se verifiquem as pesadas e destrutivas consequências da que foi provocada pela falência do Lehman (e outros)?
Como escreveu Howard Davies (Chairman do Royal Bank of Scotland) "não existirá uma resposta consensual a esta questão, uns argumentarão que as reformas pós-crise, em particular as que respeitam aos requisitos de capital dos bancos, foram longe demais e que os custos, em termos de 'output', foram demasiadamente elevados.
Outros defenderão que ainda há muito a fazer (…) Mas um observador razoável tem de reconhecer que se verifica uma significativa mudança. Muitos dos grandes bancos têm agora três a quatro vezes mais capital e de muito melhor qualidade. 'Buffers' adicionais são agora requeridos às instituições sistémicas. A gestão de risco foi grandemente reforçada. Os poderes de intervenção regulatória são muito mais robustos."
Danièle Nouy afirma que, embora algumas instituições ainda apresentem vulnerabilidades, os bancos europeus estão muito mais bem preparados para enfrentar uma próxima crise, que se admite não será provocada pelo sector bancário.
6. Em Portugal, os impactos imediatos da falência do Lehman e da crise financeira estiveram associados à desvalorização de ativos, tendo, nessa fase, a nossa banca tido um comportamento muito resiliente.
Contrariamente a outros países, como Espanha e Irlanda, não tivemos uma crise bancária que provocou uma crise económica, mas uma recessão económica profunda e longa, principalmente causada pela crise da dívida soberana, que afetou significativamente a banca. O esforço muito significativo realizado a partir de 2011 e os bons resultados desse trabalho começaram a ser reconhecidos, mas a reputação do setor ainda não foi suficientemente recuperada.
Os bancos nacionais estão, de facto, muito mais capitalizados, mais sólidos, mais eficientes, ao mesmo tempo que têm desenvolvido modelos de negócio ajustados às novas realidades, e a sua governação tem sido mais reforçada.
Há ainda melhorias a realizar, designadamente, na rentabilidade, na redução de NPL, nos avanços digitais, na "governance", no domínio dos temas comportamentais e na reconquista da reputação.
Mas aprendeu-se muito com a crise e tem sido trilhado o caminho que preserve a existência, em Portugal, de uma banca forte, moderna e confiável, ao serviço da economia e dos cidadãos.
Presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB)