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Inovar, patentear e comercializar uma vacina em tempo de coronavírus

Havendo invenção de uma cura da COVID-19, não serão os interesses, mais ou menos obscuros de um Presidente norte-americano, que impedirão os portugueses de ter acesso atempado à mesma. Disso, estamos a salvo.

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No manancial de notícias relacionadas com a pandemia da COVID-19 que têm sido publicadas e das muitas que ainda hão de vir, há uma que queremos ler mais do que todas as outras: a eventual invenção - e, sim, falamos de invenção e não de descoberta - de uma vacina que cure esta infeção provocada pelo novo coronavírus.

 

Quem acompanha os temas da Propriedade Intelectual e da proteção da inovação na área farmacêutica sabe bem que o processo inventivo, especialmente nesta área, é complexo, exigente, com muito avanços e recuos, e muito dispendioso. Sabemos igualmente que entre a invenção e a comercialização, percorre-se um caminho longo de testes (em várias fases), garantias, autorizações, experimentação - e que facilmente nos faz desesperar pelo tempo que leva a ser trilhado.

 

Aliás, essa é a razão para a indústria farmacêutica ser a única que tem direito a uma exceção à regra da duração das patentes. A norma é que a patente (e, portanto, o exclusivo à exploração económica de uma invenção) dure 20 anos a contar da data do seu pedido. Ora, precisamente para compensar pelo tempo que, na área farmacêutica, pode ocorrer entre o momento da invenção e o da sua comercialização, várias legislações, em todo o mundo, criaram um regime de exceção que permite prolongar por um período adicional de até 5 anos esse prazo de duas décadas.

 

O processo de comercialização de um medicamento é especialmente rigoroso, para garantir que, lançado no mercado, a inovação não só obtém os resultados desejados, como tem a garantia de não provocar efeitos contraproducentes. Assim, por muito que as autoridades criem vias rápidas, encurtando prazos, este será sempre um processo mais lento do que o desejado, sobretudo por uma questão que a todos interessa: a garantia de qualidade. Contudo, tempos excecionais exigem medidas excecionais, pelo que pode ser que se consiga, mesmo, encurtar significativamente os prazos necessários. Todos esperamos que, em breve, possamos estar na situação em que os governos, e cada Estado em particular, tenham de fazer as necessárias diligências para colocar, de forma célere, uma vacina contra a doença COVID-19 nos diversos mercados.

 

Ainda relacionado com este tema da eventual invenção de vacina/medicamento capaz de prevenir/combater a COVID-19 foram publicadas diversas notícias, não desmentidas e apenas desvalorizadas, que davam conta de que a Administração norte-americana, no caso o seu Presidente Donald Trump, estar a tentar aliciar uma empresa alemã alegadamente bem colocada no trabalho de investigação e desenvolvimento de tal vacina, para ficar com a patente - e, logo, com o exclusivo da exploração económica de tal invenção.

 

Não questionando a veracidade de tal desejo - nem ignorando que essa vontade manifestada pelo presidente norte-americano seja real - devemos encarar estas manifestações com relativa despreocupação. É que uma patente para ser válida num país - e assim atribuir ao seu detentor a referida exclusividade de exploração/utilização - tem de ser protegida nesse país. Se assim são for, significa que a patente é de uso comum e generalizado. Ou seja, pode ser usada por quem o queira nessa geografia, sem ter de compensar o titular da patente.

Sendo a patente protegida, então garante, de facto, um exclusivo à exploração/uso, nesse país. Mas isso também obriga a respeitar e sujeitar-se às leis nacionais.

 

E, nesse aspeto, o Código da Propriedade Industrial português, como em muitos outros países, consagra regras que obrigam à exploração económica da patente, sob pena de perda dessa mesma patente. Em caso de não exploração de patente no território nacional, pode o titular ser obrigado a atribuir licenças de exploração a outras empresas.

 

Mais relevante ainda para o que hoje nos preocupa a todos: invocando interesse público, o Governo pode obrigar o titular de uma patente a conceder uma licença de exploração. A lei consagra como motivo de interesse público quando a exploração, ou a melhoria das condições em que a exploração da invenção ocorre, seja de primordial importância para a saúde pública.

 

Ou seja, havendo invenção de uma cura da COVID-19, não serão os interesses, mais ou menos obscuros de um Presidente norte-americano, que impedirão os portugueses de ter acesso atempado à mesma. Disso, estamos a salvo. Quanto ao resto façamos todos o nosso papel, e mantenhamo-nos em casa, em segurança.

 

Advogado, Presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual, Sócio da JE Dias Costa

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