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Fiscalidade: bancos 2020

Num setor tão “mal-amado” no que à política fiscal, nos últimos anos, diz respeito, convém ter presente o fundamental papel que o sistema financeiro apresenta na arrecadação da receita fiscal e na disponibilização de informação que permite o seu controlo e inspeção.

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No que a impostos diz respeito, a Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2020 (PLOE20) não traz "boas novas" ao setor bancário. Com alguma dose de esperança, típica dos inícios de cada ano, é possível que o ano de 2020 termine melhor do que começou. Façamos por isso com este texto.

 

Olhando sempre com particular atenção para o impacto das alterações legislativas no setor bancário, tem sido recorrente lembrarmo-nos da (famosa) frase de Oscar Wilde - "Posso resistir a tudo, menos à tentação."

 

Também nesta PLOE20 o legislador não resistiu a algumas tentações.

 

Para além de novo aumento das taxas de imposto do selo sobre o crédito ao consumo (aqui à boleia de algum "pigouvianismo" da medida), o legislador não resistiu à tentação de onerar a organização do património imobiliário das instituições de crédito ("bancos", por facilidade de expressão). Se a primeira medida não terá impacto direto no "bolso" dos bancos, mas sim dos seus clientes, a segunda medida não será assim.

 

A saber, caso os devedores entreguem imóveis aos bancos para cumprimento de empréstimos, o IMT apenas é devido se os imóveis não forem vendidos no prazo de cinco anos. Esta isenção justifica-se pelo facto de estarmos perante uma aquisição da propriedade "forçada" (o banco aceita o imóvel, em regra, em resultado da incapacidade do devedor em cumprir a dívida de outra forma) e temporária (o negócio bancário não é um negócio imobiliário, sendo grande a pressão regulamentar/prudencial para a sua venda).

 

Dado o considerável volume de imóveis adquiridos pelos bancos nestas condições, não raramente os grupos bancários reúnem/organizam o seu património imobiliário em outras entidades do grupo antes de decorrido o prazo de cinco anos. Ora, com a PLOE20, a referida isenção de IMT deixa de aplicar-se quando os bancos, na concretização dessa reunião/organização do património imobiliário, venderem os imóveis a partes relacionadas. O legislador não resistiu à tentação de tributar a organização do património imobiliário dos bancos - sem fundamento, a meu ver, a não ser a "tentação" da arrecadação da receita fiscal.

 

Esta norma, a concretizar-se, vem agravar a carga fiscal total dos bancos (setor por vezes percebido na opinião pública como pagando baixos valores de impostos), reforçando a importância de a analisar e apurar. Somando os impostos sobre o património, o IRC (incluindo derramas e tributação autónoma), o IVA não dedutível em resultado de prosseguirem uma atividade parcialmente isenta, a contribuição sobre o setor bancário, entre outros, os resultados certamente demonstrariam o relevante contributo do setor para a receita fiscal.

 

As medidas positivas da PLOE20 com impacto no setor são, diríamos, tímidas e colaterais. Ainda assim, será justo anotarem-se duas medidas: (i) a redução de 24 para 12 meses da mora a partir da qual passa a ser possível recuperar o IVA em créditos de cobrança duvidosa e (ii) a prorrogação do prazo de vigência do SIFIDE (benefício este que, a nosso ver, tem merecido pouca atenção do setor, considerando a evolução da oferta de produtos com componente de inovação).

 

Abusando da letra do Sérgio Godinho, feito o ponto da PLOE20, mudemos então de assunto para aquilo que nos poderá trazer 2020.

 

A primeira reflexão vai para a necessidade de redução e racionalização das obrigações declarativas exigidas aos bancos. Entre declarações de liquidação de impostos (algumas com vários anexos), guias de pagamento e declarações para reporte de informações financeiras e fiscais à AT, contam-se mais de três dezenas(!) de diferentes obrigações a cumprir, em formatos e momentos diversos ao longo do ano. Porém, 2020 trará ainda: (i) a introdução da Declaração Mensal de Imposto do Selo - esta a necessitar, seguramente, de um período de testes alargado antes da sua entrada em vigor, (ii) a entrada em vigor da DAC6 - no âmbito da qual os bancos, enquanto intermediários ou participantes, deverão reportar à AT informações sobre mecanismos de planeamento fiscal potencialmente agressivos, e (iii) convém não perder de vista a proposta de alteração da Diretiva do IVA, a qual, no âmbito da luta contra a fraude no domínio do IVA, irá introduzir novas obrigações de conservação de registos para os prestadores de serviços de pagamento.

 

Esta matéria deverá merecer uma especial atenção, atento os pesadíssimos encargos financeiro, administrativo e operacional que se impõem aos bancos para cumprimento das obrigações fiscais (inclusive, com os já existentes reportes de informação à AT, veja-se o caso da Informação Financeira de Residentes).

 

Num setor tão "mal-amado" no que à política fiscal, nos últimos anos, diz respeito, convém ter presente o fundamental papel que o sistema financeiro apresenta na arrecadação da receita fiscal (não esquecendo aqui o "tenebroso" processo de gestão da penhora de contas bancárias) e na disponibilização de informação que permite o seu controlo e inspeção.  

 

Não deixando também de notar a interpretação excessivamente limitadora que a AT tem tido no que respeita ao direito à dedução resultante da utilização de um "prorata" inferior ao devido ou pela não aplicação do método da afetação real ao IVA de despesas exclusivamente afetas a operações tributadas, formulamos dois pedidos para 2020 que, no plano dos princípios, visam corrigir duas situações que nos parecem de considerável injustiça fiscal.

 

O primeiro prende-se com a dedutibilidade em IRC do custo com a contribuição sobre o setor bancário (cuja manutenção ano após ano é já de si questionável), a qual bule com os princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva. Aguardamos com expetativa o veredito do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, que se espera para breve.  

 

O segundo, prende-se com a (eventual) não aceitação como gasto fiscal - de forma definitiva - dos encargos obrigatórios que os bancos suportam com os fundos de pensões dos seus trabalhadores, na parte não dedutível nos termos do artigo 43.º do Código do IRC. Entende a AT que estes gastos não são dedutíveis, em momento algum, nem mesmo aquando do pagamento das reformas. Tecnicidades à parte, é de facto difícil de construir o mínimo de racional que sustente que os bancos sejam amputados da dedutibilidade de um gasto que se prende com o assegurar, em substituição da segurança social, da reforma dos seus trabalhadores (por sinal, esta, sujeita a IRS).

 

Rodrigo Rabeca Domingues - PwC, Partner

Rui Pedro Martins - Crédito Agrícola, Head of Tax

 

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