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Opinião
21 de Agosto de 2014 às 19:30

A mobilidade social e o conceito de residência fiscal

A evolução do IRS tem necessariamente de se adaptar à globalização da economia. Os fluxos migratórios da população e um mercado de trabalho à escala mundial implicam alterações em conceitos enraizados no actual Código do IRS, em vigor desde 1989, que obrigatoriamente têm de ser adaptados, como é o caso da residência fiscal.

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A legislação actual considera residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

 

• Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados ou

 

• Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual

 

Reunindo os requisitos para ser considerado como residente, o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos, numa base mundial, incluindo os obtidos fora do território nacional. Esta tributação é efectuada relativamente a todos os rendimentos que a pessoa singular aufira no ano, independentemente do país da fonte ou do local onde os serviços foram prestados e da data em que chega a Portugal.

 

Actualmente, as mudanças de residência ocorridas durante o ano, seja de residente para não residente ou o inverso, causam, não só, problemas de falta de equidade, muitas vezes, inultrapassáveis, como situações de conflitos de normas, face à complexidade da determinação do país de residência fiscal.

 

A legislação vigente provoca, assim, pelo menos indirectamente, alguns entraves à mobilidade internacional dos sujeitos passivos.

 

Se por um lado, cada vez mais portugueses saem de Portugal para trabalhar noutros países, seja por via de destacamento ou para se candidatarem a novos cargos, por outro, alguns estrangeiros vêm trabalhar para Portugal e emigrantes portugueses regressam ao nosso país.   

 

No âmbito da internacionalização do mercado de trabalho, atrair quadros de levado potencial a Portugal representa um factor de competitividade das empresas, sendo necessária uma legislação fiscal que dê resposta aos novos desafios.

 

Tendo em conta que a verificação dos requisitos para a qualificação como residente implica a atractividade e respectiva tributação em Portugal (1), desde o início do ano, relativamente aos rendimentos auferidos fora do país, impõe-se a alterar a legislação interna de modo a evitar sobrecargas fiscais sobre os rendimentos obtidos no exterior antes da pessoa singular mudar para o território nacional.

 

Este agravamento de tributação é tanto mais gravoso, quanto mais elevado for o nível de tributação existente em Portugal.

 

Podendo a taxa marginal de tributação atingir, em 2014, 56,5% (2), o englobamento dos rendimentos relativos a trabalho prestado no Estado da fonte, enquanto residente nesse Estado, tem consequências nefastas, tanto para o titular dos rendimentos, como para as empresas que recebem trabalhadores no âmbito de contratos de expatriação, aos quais é, em regra, garantido um determinado nível de rendimentos, independentemente da fiscalidade do país onde o expatriado é colocado. Esta situação, para além das iniquidades que provoca, maiores ou menores, consoante o mês em que o trabalhador chega a Portugal e o montante dos rendimentos auferidos até ao momento da mudança para o nosso país, suscita ainda um conjunto de obrigações declarativas e procedimentos complexos.

 

No caso inverso, em que um residente em Portugal passa a não residente, a complexidade não é menor. Efectivamente, como refere o próprio Relatório da Comissão de Reforma do IRS, a alteração de residente a não residente, sempre que o sujeito passivo tenha actuado no pressuposto de que seria residente fiscal em Portugal, tem diversas implicações, nomeadamente em termos de retenções na fonte e de obrigações declarativas. A mudança para não residente fiscal tem, igualmente, efeitos para a totalidade do ano. A taxa de tributação dos rendimentos de trabalho dos não residentes passa a ser de 25% (3), enquanto a taxa de retenção na fonte, como residente, pode ter atingido 45%. O reembolso dos montantes retidos em excesso tem inerente um conjunto procedimentos administrativos e de obrigações declarativas, as quais não se conseguem resolver com a mera entrega da declaração anual de rendimentos.

 

 
 

Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRS convidando juristas, economistas e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje, Filomena Oliveira reflecte sobre as regras que visam facilitar a mobilidade geográfica.   

O facto das retenções na fonte terem sido efectuadas como residente cria, à partida, problemas de validação das retenções na fonte inscritas na declaração anual de rendimentos cuja resolução nem sempre é fácil.

 

A rigidez das regras existentes, apenas dirimida por via contenciosa, impunha a rápida adaptação do conceito de residência.  

 

Foi neste sentido que a Comissão de Reforma do IRS vem propor a alteração do conceito de residência, acolhendo o princípio da residência fiscal parcial já existente em diversos países.

 

A proposta de alteração passa a considerar como residentes fiscais em Portugal, as pessoas singulares a partir do momento em que chegam ao território nacional, evitando a dupla tributação sobre os rendimentos de fonte estrangeira, auferidos anteriormente.

 

No mesmo sentido, sempre que um residente passe à situação de não residente, o novo estatuto só se aplica após a pessoa deixar Portugal, mantendo-se até então a tributação como residente, evitando, neste caso o reembolso de importâncias retidas em excesso. 

 

(1) Sem prejuízo da aplicação do crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

(2) Para rendimentos anuais superiores a Euros 80.000,00, a taxa marginal é de 54% (uma taxa geral de 48%, acrescida da taxa de solidariedade de 2,5% e da sobretaxa extraordinária de 3,5%). Para os rendimentos acima de Euros 250.000,00, a taxa de solidariedade sobe para 5%, pelo que a taxa marginal passa para 56,5%.  

 

(3) Taxa liberatória aplicável aos não residentes que auferem rendimentos de trabalho dependente em Portugal. Havendo Acordo para evitar a dupla tributação internacional, a tributação poderá apenas ocorrer no país da residência.

 

Antiga inspectora da Autoridade Tributária e Aduaneira e ex-consultora de uma grande auditora internacional, Filomena Salgado Oliveira é, desde

2005, sócia-gerente da FSO, uma empresa da área da consultoria fiscal e de Segurança Social.

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