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25 de Outubro de 2017 às 19:13

A conversão das acções ao portador: a pressa como inimiga da perfeição

Foi recentemente publicada (Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de Setembro) a aguardada regulamentação para a conversão das acções ao portador em nominativas.

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Muito já se disse sobre os nobres propósitos - luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo - que nortearam o legislador para impor tal conversão, como aliás as medidas conexas (e até mais relevantes) da criação de um registo central de beneficiários efectivos. De igual forma, não será difícil descortinar as desvantagens de tais medidas: aumento de burocracia e inerentes custos e o reforço de um Estado potencialmente intrusivo.

 

Neste momento, afigura-se-nos mais importante deixar algumas notas sobre as regras para a conversão. A oportunidade é evidente, na medida em que está a decorrer o prazo para tal conversão. E é precisamente por aqui que nos propomos começar. Com efeito, é dificilmente explicável que a regulamentação seja publicada em final de Setembro e o prazo para a conversão termine logo no início de Novembro. Não faria mais sentido, numa matéria importante, conceder um prazo, por exemplo, até final do ano? Ou, de forma mais prudente e porventura mais realista, até à próxima assembleia anual de aprovação de contas?

 

Para não maçarmos o leitor com os detalhes do procedimento, referiremos apenas, de forma necessariamente muito resumida, que a regulamentação prevê que a conversão possa ser deliberada em sede de administração - o que não exclui, naturalmente, a possibilidade de ser a assembleia-geral a adoptar tal deliberação; a que se seguirá a publicação de um anúncio; e, finalmente, o registo comercial. No caso de acções tituladas, haverá ainda que actualizar os títulos ou emitir novos; e no caso de acções escriturais, proceder-se-á à anotação em contas de registo.

 

Se a atribuição de competência à administração nos parece medida sensata, já a aparente obrigatoriedade de publicação de um anúncio será mais questionável. Em muitos casos, os accionistas estão bem identificados - conhecemos muitas sociedades anónimas familiares, já para não falar nas de accionista único - e, nestes casos, o anúncio só virá acrescentar burocracia.

 

Findo o período transitório em curso sem que a conversão tenha ocorrido, o legislador veio estabelecer que as acções "apenas conferem legitimidade para a solicitação do registo a favor dos respectivos titulares", devendo eventuais dividendos ser depositados pela sociedade em conta para o efeito. Sucede que, na Lei n.º 15/2017, de 3 de Maio, que o Decreto-Lei n.º 123/2017 veio regulamentar, se previa que a não conversão determinaria a proibição de transmissão das acções e a suspensão do direito a participar em distribuição de resultados. O legislador de Setembro parece, portanto, ter ido mais longe do que o legislador de Maio: se as acções apenas conferem legitimidade para a solicitação do registo, então não conferem legitimidade para participar e votar em assembleia-geral. Mas esta medida, porém tão gravosa, não constava do elenco de consequências inicialmente previsto. E escusado será dizer que esta técnica legislativa em nada ajuda à segurança e certeza jurídicas.

 

Se, ainda que de forma equívoca, o legislador previu a situação de inércia do accionista, resta saber o que devem os accionistas fazer em caso de inércia de uma administração que não promova a conversão - sendo que, como acabamos de ver, as consequências são para o accionista que, designadamente, fica impedido de transmitir as acções. Nestes casos, poderá, em última instância, ser necessário forçar a realização de uma assembleia-geral, o que significa que, também por este prisma, o prazo para a conversão é curto.

 

Tudo visto e ponderado, não há tempo a perder para as sociedades anónimas que tenham emitido acções ao portador. Se, por exemplo, uma matéria como a adaptação ao novo regulamento de protecção de dados é para amanhã, a conversão das acções é para ontem. Deixamos ainda uma nota final: como o leitor certamente já se apercebeu, entre a obrigatoriedade de as acções serem nominativas e a criação do registo central do beneficiário efectivo, o único anonimato que existirá nas sociedades anónimas será o do nome.

 

Sócio da FCB Advogados

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