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IA: Um “ajudante de campo” para trabalhar o potencial produtivo

É sobretudo uma ferramenta ímpar na hora de tomar decisões, desde logo pelas faculdades sobre-humanas de processar dados. A IA encontra terreno fértil para crescer na agricultura (e a agricultura para crescer com ela).

29 de Maio de 2024 às 08:30
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A tecnologia há muito que tem vindo a moldar o perfil da agricultura portuguesa, mas há recurso à inteligência artificial (IA)? “Há e cada vez vai haver mais”, responde, pronto, o secretário-geral da Confederação dos Agricultores (CAP), Luís Mira.

17%Redução de custos
Deteção inteligente de pragas implementada há dois anos permitiu à Veracruz poupar 17% no custo com tratamentos. 

A Veracruz, que detém 1 .300 hectares de amendoal, nos concelhos de Idanha-a-Nova e do Fundão, avançou há dois anos com um projeto de deteção inteligente de pragas. “Temos câmaras com armadilhas espalhadas e diariamente são tiradas fotos e enviadas para a ‘cloud’ e, através de IA, é detetado o tipo de praga e mandado um alerta para os agrónomos”, explica o sócio fundador e presidente executivo do grupo luso-brasileiro. E, afiança David Carvalho, já há ganhos: “Registámos uma redução de 17% no custo de tratamentos por termos identificado pragas antes de se espalharem”.

O próximo passo será avançar para a IA generativa. E, neste sentido, a Veracruz está desenvolver uma plataforma própria de recolha de dados, a partir dos seus ‘hardwares’, como sensores, dendrómetros ou drones, para criar padrões relativos à temperatura, à humidade do solo ou ao nível de “stress” da planta e “ensiná-los” à IA para que, depois, “seja capaz de detetar se a planta precisa de água ou de nutrientes e de disparar a ação pretendida de forma automática sem intervenção humana”. O objetivo derradeiro? “A atingir um ponto em que a árvore atinge um nível de conforto tal que vai usar a capacidade produtiva no seu máximo e, em paralelo, produzir esse máximo com o menor custo possível”, sublinha David Carvalho.

Já na Quinta da Cholda fala-se de uma cultura de “pré-adesão à IA”. Para o proprietário, João Coimbra, uma coisa é até conceder que “não haverá muitas explorações no nível de decisão semiautomática baseada em dados” como a centenária propriedade da Golegã; e outra é “tentar fazer com que a IA consiga ela própria tomar linhas de decisão”. “Estamos a testar modelos, mas numa fase embrionária”, insiste.

Das 500 decisões para produzir um bago de milho antes acertava 100, agora 300 e, daqui a dez anos, talvez 400. A IA vai trazer redução do erro. João Coimbra
Proprietário da Quinta da Cholda

Com 600 hectares de campos de milho, a Quinta da Cholda anda há uma década a alimentar – “com muito trabalho e investimento” – uma base de dados, “curados e calibrados” (com um software que usa IA) e “verificados por uma empresa independente”. “O nosso maior investimento é em conhecimento e já estamos a retirar resultados sobre processos em que temos de tomar decisões”, diz, deixando transparecer orgulho dos avanços conquistados com o “ajudante de campo”, como lhe chama, num ofício imprevisível por natureza. “Das 500 decisões que tenho de tomar para produzir um bago de milho antes acertava 100, agora, 300 e, daqui a dez anos, talvez 400. A IA vai trazer a redução do erro. É para conseguir determinar o produto, com toda a variabilidade de fatores, que preciso de IA”, enfatiza. E, claro, para, ao final do dia, “melhorar o processo produtivo, subindo produções e baixando custos e emissões”, diz o veterano agricultor, antecipando “ganhos extraordinários” num caminho sem volta passível de deixar para trás quem na cadeia de valor não o trilhar: “Todo o ecossistema vai nesse sentido. Não serão só as minhas decisões – será a de quem fabrica o meu trator ou de quem me fornece sementes desenvolvidas com IA”.

João Coimbra vai, aliás, mais longe e até arrisca a possibilidade de a IA mexer no mercado das “commodities” em que se inserem os cereais: “Se calhar não vai haver tantas flutuações de preço porque vai existir uma determinação mais correta” das produções ou até do impacto de problemas geopolíticos.

Da vinha ao vinho: robôs e máquinas de separar bagos

Na viticultura também tem florescido uma “tendência crescente para explorar as utilizações da IA”, atesta o diretor-geral da ADVID -Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense. Modelos preditivos de produção pré-colheita, sensores óticos de monitorização de fermentação estão a uso no terreno aberto ainda à passagem de robôs que avaliam a dose de produto ou de quantidade de água a aplicar em função, por exemplo, do tamanho da vegetação.


Aplicação móvel da Eyesontraps, uma solução de monitorização de pragas na vinha. 

A própria ADVID, para democratizar o acesso à IA, é copromotora, a par com a Fraunhofer, de uma aplicação móvel da Eyesontraps, solução integrada de monitorização de pragas na vinha da Geodouro, que já tem uma versão beta disponível. “A monitorização de pragas é tarefa obrigatória, mas a observação manual é extremamente dispendiosa”, assinala. Na prática, esta solução procede, através de uma fotografia à armadilha convencional, a uma contagem automática de insetos e à identificação das pragas, tendo associados modelos preditivos que alertam para a sua incidência, explica o responsável da entidade gestora do “cluster” nacional de competitividade do setor da vinha do vinho. Embora haja armadilhas inteligentes – que fazem logo tudo isso – a aplicação tem “a vantagem de não ter o custo de aquisição e manutenção do equipamento”.

Para o diretor-geral da ADVID, os modelos preditivos são “uma das ferramentas fundamentais para uma prática de viticultura mais sustentável, tornando mais fácil posicionar decisões e a utilização racional de fatores de produção”, mas talvez falte consciencializar que estão ao alcance de todos. “Tanto podem ser usados por viticultores com 2 hectares como com 1.000. E, às vezes, a utilização de IA não implica custos ou dificuldades. É preciso é capacitar”, sinaliza, apontando que a ADVID tem desenvolvido ações a esse nível.

Já fora do campo, na adega descrita como “futurista” da Gran Cruz em Alijó, pela aposta em tecnologia de ponta, também se recorre a IA. “Temos um equipamento que, por via ótica, faz uma comparação da cor, do formato, da maturação e do tipo de uva entre o que indicamos ser a uva ideal – que registamos no software – e o que recebe e rejeita automaticamente as que não correspondem ao padrão”, explica o diretor de enologia do grupo, José Manuel Sousa Soares. As uvas “segregadas” seguem para o circuito dito normal. Este processo singular encontra-se circunscrito a uma parte da adega reservado aos “vinhos especiais”, uma lista que inclui “vintages” das marcas de vinho do porto Cruz, Dalva e Quinta de Ventozelo, além de uma seleção de tintos e brancos. O objetivo? “Potenciar a qualidade dos vinhos que produzimos”, afirma José Soares, sublinhando que a inovação “permite fazer uma seleção que não seria possível de outra maneira”. “Estamos a fazer uma seleção de bagos – é outro nível”, enfatiza.

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