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Vai à consulta na Marginal? Sorria, está a ser filmado

A USF Marginal filma as consultas para posterior avaliação e fotografa lesões dos doentes para analisar a respectiva evolução. Tudo com autorização do doente. A tecnologia dá uma grande ajuda na preparação destes profissionais de saúde

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As salas de consulta da USF Marginal estão localizadas num local de excelência. Se se olhar lá para fora consegue-se ver o mar, azul e brilhante, a reflectir os raios do sol. Se se fechar os olhos, consegue-se perceber quando é que o comboio, que liga o Cais do Sodré a Cascais, está a passar. Se se levar os filhos, há brinquedos para eles se entreterem. E se estiver de acordo, a sua consulta também pode ser filmada. Já houve pacientes a sentirem-se autênticas estrelas de cinema. "Correu bem, doutora?", perguntou uma utente a Ana Ferrão, coordenadora da unidade.


A gravação das consultas persegue um fim que não está próximo da sétima arte, ao contrário do que esta paciente pensava. "Este é um dos nossos projectos. Por vezes gravamos a consulta e há um médico sénior que a avalia", explica Ana Ferrão. "Noutras ocasiões, esse médico também assiste às consultas", prossegue. Mas as "webcam" que estão em todos os computadores não servem todas para filmar as consultas.


Uma das funções do aparelho é bem prosaica: "com este sistema conseguimos colocar a foto no processo do utente". "Muitas vezes vejo os processos mas não consigo identificar as pessoas pelo nome; com a fotografia é imediato", justifica Ana Ferrão, que também é médica - e curiosamente, a sua câmara não filma, só fotografa. Essa também é uma função importante. "Fotografamos as lesões do utente, quer para avaliar a sua evolução, quer para as inserirmos numa base de dados, para formação". Tudo isto sempre com autorização do doente, pois claro.


Os brinquedos nos armários saltam à vista assim que se entra em qualquer consultório destinado aos adultos. Há jogos, peluches e bonecos. A ideia é ter "um ambiente acolhedor e tranquilo" para as crianças que vão acompanhar os pais - e é sabido que os pequenos podem ser incansáveis se não estiverem entretidos. Com os brinquedos, a tarefa é mais fácil para os médicos, garante Ana Ferrão: "se as crianças estiverem distraídas, eu posso conversar calmamente com os pais".


Não há dias sem cadeiras vagas
Mas a USF Marginal também se destaca pela rapidez com que atende os seus utentes. Aliás, para ficar à espera de ser atendido, é preciso chegar mais cedo. Helena Sitae, de 42 anos, está nessas situação: chegou mais cedo e é por isso que vai "aquecer" ligeiramente o lugar. "Já cheguei a ser atendida em cinco minutos", conta, muito satisfeita por ter saído do centro de saúde de Cascais, aquele que fica junto ao mercado municipal.

 

 
Não pode ir à USF Marginal? O médico vai até si
"Quando há situações em que o utente não pode cá vir, o médico vai lá a casa". É assim que funcionam as visitas ao domicílio da USF Marginal, conta a coordenadora, Ana Ferrão. Só em 2012 houve 528 visitas ao domicílio de médicos. De médicos, leu bem, porque se estivermos a falar de visitas de enfermeiros, "o número é bem superior". No caso de recém-nascidos, a visita ao domicílio está garantida. "O teste do pézinho é feito em casa", prossegue Ana Ferrão. Em termos percentuais, 28,5% do total das consultas de 2011 foram prestadas no domicílio dos utentes. No caso de visitas de enfermeiros, o número de cuidados ao domicílio excedeu o total de consultas no centro (118%).

Ana Ferrão conta que a lotação nunca esgota. "Nunca tivemos nenhum dia sem cadeiras vagas. Nem no pico da gripe A", assevera. As razões? "Os horários - que estão mais estendidos, a programação antecipada da consulta, o nível muito baixo de faltas" dos profissionais da equipa. De facto, na sala de espera não há muitas pessoas - e as que estão não têm o ar enfastiado de quem já esperou horas para ser atendido.


Há uma outra razão importante para o atendimento rápido: nas USF só são atendidos utentes com médico de família. Isso ajuda na programação das consultas. E mesmo quando há alguma situação de urgência, a USF consegue organizar os seus recursos de forma a atender um utente no próprio dia. A única coisa que se tenta incutir nas pessoas, explica Ana Ferrão, é ligar antes de ir à USF - porque nessa chamada podem esclarecer-se logo algumas dúvidas do utente.


Leitura é incutida nas crianças
Na sala de espera das crianças está muito frio - a climatização tem um problema quase desde o início, admite Ana Ferrão - um problema que ainda não se conseguiu resolver. Além dos brinquedos, há outro inquilino nas estantes da sala: livros. Vários livros. "A televisão aqui não se liga. O que temos são livros e brinquedos, e um poster que explica aos pais como é que é expectável que uma criança evolua em termos de leitura, conforme a idade", descreve Ana Ferrão.


Dessa forma, ajuda-se os pais a perceber "que há outros instrumentos importantes" para a saúde dos seus rebentos, além das vacinas e xaropes. "Desde pequeninas que uma das coisas mais saudáveis para as crianças é ter literacia", justifica a coordenadora da USF Marginal.


As vacinas são, de qualquer forma, uma etapa obrigatória no crescimento de todos os meninos e meninas. Numa das salas onde elas são administradas está um bebé que acabou de fazer um ano. Por isso, a "prenda" são as vacinas contra a VASPR e a meningite C. A reacção deste bebé não é diferente da de qualquer outro (e eventualmente igual à de muitas crianças mais graúdas): quando a agulha toca no braço e o líquido é injectado começa um pranto que nem os mimos da mãe e das irmãs ajuda a acalmar.


USF tem a bênção da troika
Mas afinal por que é que estamos numa USF e não num centro de saúde? A resposta está na reforma que o primeiro Governo de José Sócrates implementou na saúde. Acabaram os centros de saúde tradicionais, que foram transformados em duas unidades: as Unidades de Saúde Familiar, como a Marginal, e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). Principal diferença? Nas USF, todos os utentes têm médico de família - o que faz toda a diferença no tempo de espera que os doentes têm de enfrentar. Nas USF foram criados dois modelos de gestão, A e B, ainda que a "carteira" de serviços seja a mesma em ambos. No modelo B, o salário dos médicos, enfermeiros e secretários clínicos está dependente do cumprimento de objectivos.


É um modelo "que motiva mais", concede Ana Ferrão. Na USF Marginal pratica-se esse modelo, acrescenta. "Quem estava nos centros de saúde tradicionais não tinham a possibilidade de organizar as actividades. Havia coisas com as quais não concordávamos", recorda. Com a autonomia da USF, é possível adaptar os processos e corrigir erros, e "potencializar as competências que cada profissional tem".


Um estudo da Administração Regional de Saúde do Norte mostra que, se todo o país tivesse USF, a poupança em medicamentos e meios complementares de diagnóstico seria de 232 milhões de euros. Talvez por isso, a troika "deu uma orientação para se implementar mais USF de modelo B, com remunerações indexadas ao desempenho". "Ficámos felizes da vida por a troika ter percebido isso", regozija-se Ana Ferrão.

 

 

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