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Universitários têm "bom remédio" para a crise

Na freguesia da Vitória, onde há receitas que ficam por aviar por falta de dinheiro, a associação Cura+ fornece gratuitamente medicamentos a portadores de doenças crónicas com carências financeiras.

Paulo Duarte
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Inês Carvalho enfia uma bata branca em tudo semelhante às que espera vestir durante a vida profissional que se seguirá, coloca as caixas de medicamentos em cima do pequeno balcão improvisado na lateral da loja e está quase pronta para iniciar o turno de duas horas na Vitália, localizada no emblemático Palácio das Cardosas, que será repetido noutros dois dias da semana nas outras farmácias aderentes - a Aliança e a Lemos, também no centro do Porto. A noite passada na Queima das Fitas não rouba todo o entusiasmo a esta estudante do segundo ano de Ciências Farmacêuticas, que interpela os clientes no final das compras ou enquanto esperam para ser atendidos.

Esta é uma das cerca de 80 voluntárias da associação Cura+, criada em Outubro de 2015 e que envolve alunos de vários cursos da Universidade do Porto, cujo projecto-piloto "Porto com + Saúde" está desde Março deste ano a fornecer gratuitamente medicamentos sujeitos a receita médica a portadores de doenças crónicas com carências financeiras graves. "Começar a ter uma noção" do que irá encontrar mais tarde em contexto profissional e "ajudar de alguma maneira" a amenizar um problema de uma dimensão que ignorava. São estas as motivações da jovem de 19 anos, que já se apercebeu que também "as pessoas que vão à farmácia e têm possibilidades de pagar nem sequer pensam neste assunto, não estão muito identificadas e ficam surpreendidas" por haver tanta gente que não consegue pagar os remédios.


30
Famílias apoiadas
O número de agregados familiares apoiados subiu este mês de 20 para 30. Nos primeiros três meses foram pagos 200 medicamentos.


Além destas contribuições individuais dos utentes destas farmácias, a associação que já venceu o prémio João Cordeiro, atribuído pela Associação Nacional de Farmácias, e foi agora distinguida pela Sanofi e pelo Negócios no âmbito da Saúde Sustentável, também recolhe donativos, subsídios ou patrocínios junto de entidades públicas e empresariais. De cada vez que o Fundo é movimentado segue a informação sobre os medicamentos que foram pagos com aquele montante.

Independentemente da origem do dinheiro, no final do mês salda nas farmácias estas dívidas referentes à medicação para diabetes, colesterol ou doenças psíquicas, entre outras, que havia sido levantada directamente pelos doentes, apenas com um cartão identificador.

Arrancar com "Vitória"

Para já, o "Porto com + Saúde" apenas abrange a empobrecida freguesia da Vitória, no núcleo histórico da Invicta, em que o fiado é um "fenómeno com muita dimensão" e há várias outras ocorrências de crédito já cortado e em que as receitas do médico nem chegam a ser aviadas. A descrição é da farmacêutica Paula Nadais, da Vitália, que destaca neste projecto a importância da pessoa que está na fila ao lado não se aperceber que aquele medicamento não está a ser pago do bolso do utente, pois "tudo é feito de uma forma muito discreta".

Aléxis Sousa, Inês Carvalho e Joana Carvalho são três dos elementos pertencentes à associação Cura+
Aléxis Sousa, Inês Carvalho e Joana Carvalho são três dos elementos pertencentes à associação Cura+ Paulo Duarte
Após os primeiros três meses em que garantiu o pagamento de 200 caixas de medicamentos, o número de agregados familiares apoiados passou este mês de 20 para 30. A meta passa por chegar aos 60 no final do primeiro ano de actividade, perspectiva a presidente da associação, Joana Carvalho, que tem sido contactada por outros centros de dia, farmácias e até grandes hospitais. A explicação é simples: um doente que não toma os medicamentos agrava o seu estado clínico e acaba por gerar mais despesa para o Serviço Nacional de Saúde.

A referenciação das pessoas com dificuldades está a ser feita com o apoio do Centro Social e Paroquial Nossa Senhora da Vitória, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) onde é feita a entrega e gestão das receitas e é gerada a lista dos medicamentos necessários. É também ali que começa toda a logística coordenada por Aléxis Sousa, um dos poucos que está em contacto directo com os beneficiários. "Tenho o prazer de conhecer as pessoas que estamos a ajudar porque o resto dos voluntários fartam-se de trabalhar mas não sabem quem elas são", sublinha este madeirense de 20 anos, que está no terceiro ano.



Como fez mais com menos

Voluntários todo-o-terreno e parcerias

Toda a estrutura sabe que o objectivo nas actividades que organizam para recolher donativos é "ter retorno financeiro para reforçar o fundo Cura+" e fazê-lo "com os menores custos possíveis", diz Joana Carvalho. Aproveitam as parcerias firmadas com a Faculdade de Farmácia, a Câmara do Porto ou a Casa das Associações, onde estão sediados, que, embora não concedam apoio monetário, são "essenciais" ao nível da logística ou cedência gratuita de espaços. A presidente frisa que é incutido nos voluntários essa cultura de restringir ao máximo os custos de estrutura e colaboram nas várias áreas do projecto, incluindo no contacto com as empresas.


Pontos fortes

O comprometimento dos estudantes universitários que fazem voluntariado e a confiança construída com os parceiros são os destaques desta associação portuense.

Motivação
Os perto de 80 voluntários são "a voz e a cara" da associação. A motivação, explica a presidente, vem do facto de "acharem o projecto pertinente e de também sentirem que estão mesmo a desenvolver capacidades importantes para o futuro deles" nesta área.

Transparência
Joana Carvalho põe a tónica na transparência, pois só assim consegue os apoios das outras entidades. "Temos de ser transparentes no que fazemos ao dinheiro. Toda a gente sabe para onde é que ele vai. É isso que nos dá crédito e confiança", sustenta.

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