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Esta reportagem surgiu a propósito de um projeto - o Queda-web - e de Josefa Domingos, coordenadora nacional de reabilitação na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (APDPk), que faz "milagres", literalmente, todos os dias. Mas as doenças não são uma mera estatística e ouvirmos uma história particular ajuda-nos a recordar isso mesmo. Pessoas exatamente como nós a quem um dia é tirado o tapete. Para sempre. Para António Rui Camilo esse dia chegou aos 38 anos. Da boca de um médico saiu a palavra "Parkinson" - uma patologia vista como doença dos idosos e uma sentença negra de prognóstico muito reservado.
No caso de António Camilo, o resultado foram seis anos iniciais em que este delegado de propaganda médica, casado e pai de filhos, negou o diagnóstico. O que tinha não era Parkinson, era um problema de coluna, dizia a si próprio e aos outros, até que chegou o dia em que Josefa o viu entrar pela primeira vez na Associação, arrastado literalmente pela mulher, porque já quase não conseguia andar, comer a sopa, cortar a carne ou ir trabalhar (quando conseguia) sem que fosse o filho a levá-lo. "Estava totalmente dependente. Já não conseguia fazer nada e estava convencido de que era mesmo assim", desabafa.
Afinal não era. Josefa lembra-se bem do início: "Nas primeiras vezes vinha com o seu fato, só podia vir uma vez por semana e foi assim que começámos a trabalhar." Esta fisioterapeuta especializada em Parkinson deixou-o ir chegando, esperou pelo momento certo e um dia lá lhe disse que talvez fosse boa ideia começar a trazer roupa mais adequada à realização dos exercícios necessários.
Pelo choque que a notícia de um diagnóstico como este significa e porque Josefa sabe que sem o doente e a atitude com que este vem para as sessões não se consegue metade dos resultados, a atenção à componente psicológica é um ponto de partida fundamental.
Hoje é António Camilo (foto em cima) quem muitas vezes dá apoio neste duro confronto inicial com a nova realidade: "Às vezes peço-lhe para falar com doentes que acabaram de ser diagnosticados", adianta Josefa. Um dos embates do diagnóstico tem frequentemente que ver com a idade. Existe a ideia de que é a partir de uma certa idade que surge o diagnóstico mas há pessoas diagnosticadas aos 14. Ou aos 40.
O sintoma que leva mais pessoas ao médico são os tremores, um dos primeiros indícios. Mas não foi esse o caso de António Camilo. Os sinais iniciais vieram da alteração da sua forma de estar. Outrora uma pessoa otimista e enérgica, começou a ficar "encostado a um canto" sem vislumbre algum da atitude bem-disposta de sempre. Começou por pensar que era cansaço, ou quem sabe um quadro depressivo. Mas não.
A doença de Parkinson é uma patologia degenerativa do sistema nervoso central, que tem entre os sintomas que se vão agravando gradualmente a falta de coordenação motora, os tremores, a rigidez e lentidão de movimentos, o desequilíbrio corporal, acompanhados muitas vezes de quadros depressivos e ansiosos, e, numa fase mais final, a demência. Sendo certo que, em cada indivíduo, a vivência é diferente. "É uma luta inglória mas as pessoas conseguem manter-se bem por muito tempo; há pessoas que têm Parkinson há trinta anos", garante a responsável nacional pela área de reabilitação da APDPk. Por isso mesmo, tem por lema fazer com que as pessoas que recorrem à associação "se foquem no que podem fazer". "No início achava-se que a pessoa não podia aprender. Hoje sabe-se que pode recuperar movimentos", diz Josefa.
A partir do momento em que chegam a um local que os ajuda a olhar para a doença não apenas como uma fatalidade e começam a sentir melhorias, o cenário é menos cinzento. O problema é que não há um encaminhamento imediato do médico para a fisioterapia. Foi o que aconteceu a António Camilo, a quem o médico que o diagnosticou apenas prescreveu medicação.
António Camilo foi diagnosticado há 18 anos com a doença de Parkinson. Hoje, com 56 anos, é um dos doentes que integram o projeto Queda-web criado para prevenir e gerir uma das principais consequências desta doença degenerativa: as quedas.
"Só quando assumi que tinha Parkinson é que consegui começar a melhorar", confirma António Camilo. E assim foi. Hoje, com 56 anos, e dezoito anos depois do diagnóstico, anda de bicicleta e faz "rock steady boxing" na APDPk, gosta de pescar, voltou a escrever, conduz, voltou a ir trabalhar sozinho e integra já há algum tempo os corpos gerentes, enquanto secretário da direção nacional. Aprendeu a cair, tenta estar o mínimo tempo possível sentado ou a fazer a mesma coisa e assegura que "o sofá é o pior inimigo".
A par do engasgamento, as quedas são uma das principais causas de morte nos doentes de Parkinson. Mais do que isso, o número de quedas é um indicador do estágio da doença. Quanto mais avança a degeneração, maior o registo de quedas. Acresce que "a medicação não faz efeito na marcha e nas quedas mas sim na rigidez, lentidão e tremores", explica Josefa Domingos.
O projeto Queda-web
A Associação acaba de lançar por isso o programa Queda-web, uma plataforma online destinada a melhorar a qualidade de vida dos doentes de Parkinson, capacitando os mesmos para a gestão do problema das quedas, promovendo a sua autonomia e responsabilidade para uma menor frequência de quedas e uma minimização do impacto negativo das mesmas. Tal passa, em concreto, pela realização de consultas online (de monitorização, prevenção da queda e aconselhamento pós-queda) e pela possibilidade de registo eletrónico diário das quedas pelos doentes, para partilha com os profissionais de saúde. E ainda pela disponibilização de perguntas frequentes com informação útil e vídeos informativos. Até porque, lembra Josefa Domingos, "ninguém tem uma solução eficaz para as quedas; infelizmente vão ser inevitáveis".
Recorrer a uma plataforma online tem desde logo uma vantagem imediata: chegar a muito mais pessoas e facilitar a passagem de informação aos diferentes interlocutores que lidam com os doentes no dia a dia.
O pior nas quedas acontece quando, como consequência das mesmas, o doente tem de ficar imobilizado e inativo por um período de tempo. "Para recuperar a marcha muitas vezes é um desastre", lamenta a responsável. O objetivo último deste programa é, por isso, reduzir a incapacidade e prevenir a morte prematura em pessoas com Parkinson.
O acompanhamento e gestão pós-queda é, deste modo, uma das vertentes fundamentais. "Dar a informação certa à hora certa" faz toda a diferença na recuperação.
Uma das metas de Josefa Domingos é que este programa ajude na sensibilização e formação dos prestadores de cuidados e profissionais de saúde. "Os médicos não estão por regra sensibilizados para a doença. E não é só cá. Muitas vezes, durante um internamento pós-queda, tiram a medicação para o Parkinson, o que é terrível."
No trabalho individual com os doentes, assim como nas aulas de grupo, treinam o cérebro para reaprender os movimentos esquecidos e que deixaram de ser automáticos, ensinam estratégias para o dia a dia e trabalham também a autoconfiança e a gestão da ansiedade.
"Combinamos exercícios cognitivos, físicos e de voz, como atirar uma bola enquanto se diz algo, por exemplo", refere Josefa, por forma a estimular o indivíduo via treino intensivo com dupla tarefa. Ou ensinar a cair (com as aulas de trampolim, por exemplo) e treinar escolhas motoras melhores.
A figura
Josefa Domingos
Coordenadora de reabilitação da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson
Josefa Domingos é a responsável nacional pela reabilitação na APDPk e é também o rosto do programa de prevenção e gestão de quedas. É fisioterapeuta de formação e foi-se especializando em Parkinson, onde já tem quinze anos de experiência clínica. Do seu currículo académico faz parte um doutoramento em Parkinson na Radbound University (Holanda), mestrado em Reabilitação Neurológica (Escola Superior de Alcoitão e Universidade Católica), pós-graduação em Fisioterapia Neurológica no Meio Aquático ou uma pós-graduação em Envelhecimento: Atividade Física e Autonomia Funcional na Terceira Idade. "Depois de quinze anos de prática, ainda estou a aprender algo. Observando o doente no exercício, eu aprendo" e é dessa interação que também bebe ideias para dinâmicas com os seus doentes, para o desenho de novos exercícios, sempre com o foco de não se repetir demasiado e de manter os doentes estimulados e desafiados.
Josefa tem dez doentes por dia. Na Associação, que existe há 35 anos, há 60 pessoas a entrar e a sair, acompanhadas por fisioterapeutas e um terapeuta da fala. A APDPk tem nove delegações pelo país e conta com um grande apoio do voluntariado. Os seus recursos vêm sobretudo das quotas dos sócios efetivos, e, que, dos 1.200 sócios efetivos, 800 pagam.
"Os vídeos dos projetos finalistas ficam disponíveis, a partir de 22 de novembro, em www.premiosaudesustentavel.negocios.pt"
No caso de António Camilo, o resultado foram seis anos iniciais em que este delegado de propaganda médica, casado e pai de filhos, negou o diagnóstico. O que tinha não era Parkinson, era um problema de coluna, dizia a si próprio e aos outros, até que chegou o dia em que Josefa o viu entrar pela primeira vez na Associação, arrastado literalmente pela mulher, porque já quase não conseguia andar, comer a sopa, cortar a carne ou ir trabalhar (quando conseguia) sem que fosse o filho a levá-lo. "Estava totalmente dependente. Já não conseguia fazer nada e estava convencido de que era mesmo assim", desabafa.
Afinal não era. Josefa lembra-se bem do início: "Nas primeiras vezes vinha com o seu fato, só podia vir uma vez por semana e foi assim que começámos a trabalhar." Esta fisioterapeuta especializada em Parkinson deixou-o ir chegando, esperou pelo momento certo e um dia lá lhe disse que talvez fosse boa ideia começar a trazer roupa mais adequada à realização dos exercícios necessários.
Pelo choque que a notícia de um diagnóstico como este significa e porque Josefa sabe que sem o doente e a atitude com que este vem para as sessões não se consegue metade dos resultados, a atenção à componente psicológica é um ponto de partida fundamental.
Hoje é António Camilo (foto em cima) quem muitas vezes dá apoio neste duro confronto inicial com a nova realidade: "Às vezes peço-lhe para falar com doentes que acabaram de ser diagnosticados", adianta Josefa. Um dos embates do diagnóstico tem frequentemente que ver com a idade. Existe a ideia de que é a partir de uma certa idade que surge o diagnóstico mas há pessoas diagnosticadas aos 14. Ou aos 40.
O sintoma que leva mais pessoas ao médico são os tremores, um dos primeiros indícios. Mas não foi esse o caso de António Camilo. Os sinais iniciais vieram da alteração da sua forma de estar. Outrora uma pessoa otimista e enérgica, começou a ficar "encostado a um canto" sem vislumbre algum da atitude bem-disposta de sempre. Começou por pensar que era cansaço, ou quem sabe um quadro depressivo. Mas não.
A doença de Parkinson é uma patologia degenerativa do sistema nervoso central, que tem entre os sintomas que se vão agravando gradualmente a falta de coordenação motora, os tremores, a rigidez e lentidão de movimentos, o desequilíbrio corporal, acompanhados muitas vezes de quadros depressivos e ansiosos, e, numa fase mais final, a demência. Sendo certo que, em cada indivíduo, a vivência é diferente. "É uma luta inglória mas as pessoas conseguem manter-se bem por muito tempo; há pessoas que têm Parkinson há trinta anos", garante a responsável nacional pela área de reabilitação da APDPk. Por isso mesmo, tem por lema fazer com que as pessoas que recorrem à associação "se foquem no que podem fazer". "No início achava-se que a pessoa não podia aprender. Hoje sabe-se que pode recuperar movimentos", diz Josefa.
A partir do momento em que chegam a um local que os ajuda a olhar para a doença não apenas como uma fatalidade e começam a sentir melhorias, o cenário é menos cinzento. O problema é que não há um encaminhamento imediato do médico para a fisioterapia. Foi o que aconteceu a António Camilo, a quem o médico que o diagnosticou apenas prescreveu medicação.
António Camilo foi diagnosticado há 18 anos com a doença de Parkinson. Hoje, com 56 anos, é um dos doentes que integram o projeto Queda-web criado para prevenir e gerir uma das principais consequências desta doença degenerativa: as quedas.
"Só quando assumi que tinha Parkinson é que consegui começar a melhorar", confirma António Camilo. E assim foi. Hoje, com 56 anos, e dezoito anos depois do diagnóstico, anda de bicicleta e faz "rock steady boxing" na APDPk, gosta de pescar, voltou a escrever, conduz, voltou a ir trabalhar sozinho e integra já há algum tempo os corpos gerentes, enquanto secretário da direção nacional. Aprendeu a cair, tenta estar o mínimo tempo possível sentado ou a fazer a mesma coisa e assegura que "o sofá é o pior inimigo".
A par do engasgamento, as quedas são uma das principais causas de morte nos doentes de Parkinson. Mais do que isso, o número de quedas é um indicador do estágio da doença. Quanto mais avança a degeneração, maior o registo de quedas. Acresce que "a medicação não faz efeito na marcha e nas quedas mas sim na rigidez, lentidão e tremores", explica Josefa Domingos.
O projeto Queda-web
A Associação acaba de lançar por isso o programa Queda-web, uma plataforma online destinada a melhorar a qualidade de vida dos doentes de Parkinson, capacitando os mesmos para a gestão do problema das quedas, promovendo a sua autonomia e responsabilidade para uma menor frequência de quedas e uma minimização do impacto negativo das mesmas. Tal passa, em concreto, pela realização de consultas online (de monitorização, prevenção da queda e aconselhamento pós-queda) e pela possibilidade de registo eletrónico diário das quedas pelos doentes, para partilha com os profissionais de saúde. E ainda pela disponibilização de perguntas frequentes com informação útil e vídeos informativos. Até porque, lembra Josefa Domingos, "ninguém tem uma solução eficaz para as quedas; infelizmente vão ser inevitáveis".
1.200
Associados
A Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson, criada há 35 anos, tem 1.200 sócios efetivos.
Recorrer a uma plataforma online tem desde logo uma vantagem imediata: chegar a muito mais pessoas e facilitar a passagem de informação aos diferentes interlocutores que lidam com os doentes no dia a dia.
O pior nas quedas acontece quando, como consequência das mesmas, o doente tem de ficar imobilizado e inativo por um período de tempo. "Para recuperar a marcha muitas vezes é um desastre", lamenta a responsável. O objetivo último deste programa é, por isso, reduzir a incapacidade e prevenir a morte prematura em pessoas com Parkinson.
O acompanhamento e gestão pós-queda é, deste modo, uma das vertentes fundamentais. "Dar a informação certa à hora certa" faz toda a diferença na recuperação.
Uma das metas de Josefa Domingos é que este programa ajude na sensibilização e formação dos prestadores de cuidados e profissionais de saúde. "Os médicos não estão por regra sensibilizados para a doença. E não é só cá. Muitas vezes, durante um internamento pós-queda, tiram a medicação para o Parkinson, o que é terrível."
No trabalho individual com os doentes, assim como nas aulas de grupo, treinam o cérebro para reaprender os movimentos esquecidos e que deixaram de ser automáticos, ensinam estratégias para o dia a dia e trabalham também a autoconfiança e a gestão da ansiedade.
"Combinamos exercícios cognitivos, físicos e de voz, como atirar uma bola enquanto se diz algo, por exemplo", refere Josefa, por forma a estimular o indivíduo via treino intensivo com dupla tarefa. Ou ensinar a cair (com as aulas de trampolim, por exemplo) e treinar escolhas motoras melhores.
A figura
Josefa Domingos
Coordenadora de reabilitação da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson
Josefa Domingos é a responsável nacional pela reabilitação na APDPk e é também o rosto do programa de prevenção e gestão de quedas. É fisioterapeuta de formação e foi-se especializando em Parkinson, onde já tem quinze anos de experiência clínica. Do seu currículo académico faz parte um doutoramento em Parkinson na Radbound University (Holanda), mestrado em Reabilitação Neurológica (Escola Superior de Alcoitão e Universidade Católica), pós-graduação em Fisioterapia Neurológica no Meio Aquático ou uma pós-graduação em Envelhecimento: Atividade Física e Autonomia Funcional na Terceira Idade. "Depois de quinze anos de prática, ainda estou a aprender algo. Observando o doente no exercício, eu aprendo" e é dessa interação que também bebe ideias para dinâmicas com os seus doentes, para o desenho de novos exercícios, sempre com o foco de não se repetir demasiado e de manter os doentes estimulados e desafiados.
Josefa tem dez doentes por dia. Na Associação, que existe há 35 anos, há 60 pessoas a entrar e a sair, acompanhadas por fisioterapeutas e um terapeuta da fala. A APDPk tem nove delegações pelo país e conta com um grande apoio do voluntariado. Os seus recursos vêm sobretudo das quotas dos sócios efetivos, e, que, dos 1.200 sócios efetivos, 800 pagam.
"Os vídeos dos projetos finalistas ficam disponíveis, a partir de 22 de novembro, em www.premiosaudesustentavel.negocios.pt"