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Reforma hospitalar já chegou a Coimbra

No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra a mudança está em curso. Entre vozes de apoio e de contestação, as opiniões dos utentes e profissionais sobre as fusões dividem-se. Processo visa a sustentabilidade da instituição.

03 de Junho de 2014 às 11:23
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A concentração das urgências nocturnas e ao fim-de-semana nos Hospitais Universitários de Coimbra operacionalizou-se em 2012. Ainda há utentes que reclamam a mudança, bem como as outras fusões que têm ocorrido. Fruto da criação deste grande centro hospitalar, a administração já reduziu para metade o número de serviços nas várias unidades.

 

 

Passam poucos minutos das três da tarde. Maria Isabel Rosendo acabou de sair da sua consulta de diabetes no Hospital dos Covões, em Coimbra. Fugindo dos raios de sol que apareceram ao fim de uma semana cinzenta, a sexagenária, já à sombra de uns arbustos, lamenta que tenha deixado de haver ali urgências à noite. Foi já em 2012, mas ainda não se conformou.


"Peço ao nosso Senhor todos os dias para os diabetes não saírem daqui. Estamos muito magoados porque nos tiraram as urgências à noite", queixou-se Maria Rosendo, que se diz com "mais sorte" que o marido que já passou a ter de ir "lá abaixo aos Hospitais Universitários de Coimbra (HUC) para a consulta da próstata".


Maria Rosendo não se importava de ir "a votos para porem tudo o que estava aqui de volta". E porquê? "Porque é tudo muito melhor", atesta a utente, que pouco conhece do hospital universitário, onde se concentraram vários serviços nestes últimos dois anos. Mas sabe uma coisa, pelo menos: "estacionar lá é um castigo!".


Muito mais tranquilo, Mário Fontes, de 48 anos, aguarda pela consulta à sombra de uma árvore, enquanto come a sua sandes e bebe uma cerveja. Vai ser operado ao menisco e embora seja seguido nos HUC,vai ser operado aqui pois a cirurgia em ambulatório (internamento curto) passou a ser feita nos Covões. "Só quero ser bem cuidado", frisa o paciente, que desdramatiza as mudanças: "este hospital é relativamente perto dos HUC e até se estaciona melhor".

 

18

Todos os dias passam pelos Hospitais Universitários de Coimbra entre 18 a 20 mil pessoas, entre doentes, familiares, funcionários e outros.

 

E a verdade é que "são sete quilómetros que separam as duas instituições", mede José Martins Nunes, o presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Coimbra (CHUC) que, em Janeiro de 2012, agregou oito instituições: os HUC, a Maternidade Daniel de Matos, o Hospital Geral dos Covões, o Hospital Pediátrico, a Maternidade Bissaya Barreto e o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra (unidade de Sobral Cid, do Lorvão e de Arnes). Entretanto já fecharam estas duas últimas unidades. Mesmo assim continua a ser o maior centro hospitalar do País, dando emprego a 7.500 pessoas.


Coimbra já perdeu metade dos serviços
Com a criação deste centro, Coimbra iniciou o processo de reforma hospitalar de que há tanto se fala para o País. Dos 87 serviços médicos que existiam nas sete unidades restam cerca de metade. A maioria concentrou-se nos HUC.


Martins Nunes admite que "as pessoas perdem sempre algo [com as fusões], nem que seja no hábito. Conhecem as pessoas e os corredores do hospital onde sempre foram". "Quando se fecha um serviço ou camas, estamos a retirar qualquer coisa às populações e as pessoas nem percebem o que é que aquilo vale mas acham que é importante. Contudo, se as pessoas tiverem a noção que ganham coisas novas" é mais fácil entenderem, diz o administrador.

 

O Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) é o maior centro hospitalar do SNS. Começou por agregar oito instituições - hospitais gerais, pediátricos, maternidades e cuidados psiquiátricos -, mas já fecharam duas unidades. O CHUC, com um orçamento de 324 milhões, fez em 2013 mais de 880 mil consultas e 62 mil cirurgias.

 

Martins Nunes explica que o fecho das urgências nos Covões à noite coincidiu com a criação do centro de trauma nível 1 nos HUC e o aumento da capacidade da urgência nesse hospital. E os Covões também ganharam serviços como a cirurgia de ambulatório e uma consulta de doença aguda aos fins-de-semana para compensar o fim das urgências nesse período.


Foi ainda fundida a oftalmologia nos HUC e criado o primeiro centro de tumores oculares do País. Urologia foi outro dos serviços fundidos e Alfredo Mota passou a ser director do "maior serviço de urologia do País". Na instituição desde 1972, o médico considera que a fusão "faz sentido", pensando em economia de escala, mas sublinha que as mudanças "nem sempre são bem entendidas" pois "há profissionais que interpretam os hospitais como quintas".


Convencer os profissionais a aceitar a mudança é outra das dificuldades nestes processos. À partida 25% estão contra. Martins Nunes partiu com a vantagem de "conhecer as pessoas" e as pessoas o conhecerem a ele. E para fundir os serviços pediu aos directores dos vários serviços para elaborarem propostas de fusão, nomeando um único director.


O processo de fusão ainda não terminou e Martins Nunes conta com a requalificação das urgências este ano e a melhoria ao nível do estacionamento para que a aceitação por parte da população aumente.

 

 

 

Peço ao nosso Senhor todos os dias para os diabetes não saírem daqui. Estamos muito magoados porque nos tiraram as urgências daqui à noite.
Maria Isabel Rosendo, Utente

 

Só quero ser bem cuidado. Este hospital [Covões] é relativamente perto dos Hospitais Universitários de Coimbra e o estacionamento até é melhor.
Mário Fontes, Utente

 

As pessoas perdem sempre algo [nestes processos de fusão], nem que seja no hábito. Quando se fecha um serviço ou se fecham camas, nós estamos a retirar qualquer coisa às populações e as pessoas nem percebem o que é que aquilo vale, mas acham que é importante.
José Martins Nunes, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC)

 

 

 

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Caso de inovação


Centro de Ensaios Clínicos
Primeiro centro fase I no SNS


Inaugurado em Abril, o Centro de Ensaios Clínicos Fase I do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) é o primeiro centro do género numa instituição do Serviço Nacional de Saúde. Instalado nos Covões, neste centro será possível testar a segurança e tolerância a novos remédios em humanos saudáveis. As instalações foram adaptadas e contam com enfermarias com oito camas, que poderão crescer até às 16. Para já existem 10 pessoas dedicadas ao centro, depois variará consoante os ensaios aprovados. Para já os profissionais aguardam as autorizações para avançar com os primeiros ensaios nas neurociências, oncologia e cardiologia. Pedro Monteiro, director da Unidade de Investigação e Desenvolvimento do CHUC, sublinha que a estrutura permitirá aos doentes "acederem mais rapidamente" aos remédios e tecnologias, além de ser uma fonte de receitas.

 

 

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A figura


José Martins Nunes

Presidente do Conselho de Administração do CHUC


José Martins Nunes, 64 anos, é desde 2011 presidente do conselho de administração do maior centro hospitalar do País, o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), e foi ele o responsável pela concentração das oito unidades hospitalares de Coimbra neste centro, iniciando um processo de fusão, sem alarido mediático. "Zé Nunes", como é tratado por muitos, conhece bem a casa que dirige e encara o CHUC como "uma causa". Afinal de contas foi no Hospital da Universidade de Coimbra que obteve, em 1982, o grau de especialista em anestesiologia e desde então foi subindo na carreira sempre na mesma instituição. Em 2005 chegou a director do serviço de anestesiologia e em 2011 foi escolhido para comandar o navio do CHUC. De 1991 a 1993 teve ainda uma passagem pela secretaria de Estado da Saúde.

 

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