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Reabilitação cognitiva com realidade virtual

O projeto de “reabilitação cognitiva” lançado em janeiro pelo Serviço de Saúde da Região da Madeira, em conjunto com a universidade do arquipélago, foi um dos vencedores deste ano dos Prémios Saúde Sustentável.

26 de Novembro de 2019 às 12:00
Hélder Santos
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"Reabilitação e Tecnologia" é o nome do projeto na área da Reabilitação Cognitiva criado pelo Serviço Regional de Saúde da Madeira (SESARAM), em parceria com a Universidade da Região.

O projeto, que começou a funcionar em janeiro deste ano no hospital dr. Nélio Mendonça (Funchal), assenta no tratamento inovador de pessoas que sofreram lesões encefálicas, como traumatismos cranianos e AVC´s. É inovador pelas técnicas utilizadas, como uma cidade virtual, onde o doente faz tudo como se estivesse na cidade a fazer várias coisas reais, como ir ao multibanco, ao supermercado, ao banco ou à tabacaria.

"O projeto começou em janeiro, mas as suas raízes começaram mais cedo, em colaboração com a Universidade da Madeira. Um desses projetos foi desenvolver um sistema interativo que estimula as funções cognitivas. Foi pegar em estratégias que antes eram feitas com papel e lápis e convertê-las para um sistema interativo. Uma vez terminado o projeto de software, foram fornecidos os sistemas para a nossa unidade. O passo seguinte foi ter o apoio da neuropsicologia", conta Jean-Claude Fernandes, o médico especializado em medicina física e de reabilitação responsável por este projeto.
O Serviço de Saúde da Região da Madeira trabalha uma parceria com a universidade do arquipélago. Jean-Claude Rodrigues é o responsável pelo projeto inovador de reabilitação cognitiva que funciona no hospital do Funchal para doentes com lesões encefálicas. A neuropsicóloga, Sofia Aguiar, é outro dos rostos do projeto.
O Serviço de Saúde da Região da Madeira trabalha uma parceria com a universidade do arquipélago. Jean-Claude Rodrigues é o responsável pelo projeto inovador de reabilitação cognitiva que funciona no hospital do Funchal para doentes com lesões encefálicas. A neuropsicóloga, Sofia Aguiar, é outro dos rostos do projeto.
O clínico revela que depois foi criado "um protocolo de avaliação e tratamento, com a duração de cerca de três meses, em que o doente é avaliado pelo fisiatra e depois faz o plano de reabilitação que, além de fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional, incluiu também a parte da reabilitação cognitiva, ou seja, ficam estipuladas sessões de treino cognitivas, bissemanais".

O responsável por este projeto salienta o facto de nos programas de reabilitação convencionais, o tratamento dos utentes após uma lesão encefálica consistir apenas na fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala. "Na maior parte dos casos, temos uma boa resposta com uma recuperação motora e de linguagem, mas não havia uma abordagem do ponto de vista da reabilitação cognitiva (problemas de memória, atenção, função executiva), daí a necessidade de criar uma valência que possa complementar o programa de reabilitação", afirmou.

"A reabilitação passa por fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala mas o foco principal dos tratamentos sempre foi a parte motora, para tratar problemas ao nível da mobilidade e destreza. A parte dos problemas da função cognitiva, ao nível da memória, de atenção, de função executiva, era subvalorizada. A parte fundamental da reabilitação cognitiva neste projeto é que assenta num programa de reabilitação integrado, com várias valências, e com uma abordagem multidisciplinar, não é uma coisa isolada", salienta Jean-Claude Fernandes, referindo que "o doente sente isso" e que "quando existem dificuldades num determinado campo, é logo alertado para as outras valências para que o utente não pense que está a ser tratado de forma separada".

Referência nacional

Este serviço só existe no "Funchal e no Centro de Reabilitação do Norte", salienta o médico, garantindo que este tipo de tratamentos, habitualmente, são apenas feitos em centros de referência mundial, como o Instituto Guttmann, em Barcelona. Nesta área, o Hospital Dr. Nélio Mendonça, "é uma referência nacional" e já "está ao nível" dos grandes centros internacionais, diz, com orgulho, o médico fisiatra, para acrescentar logo de seguida: "Temos ambições e vamos ver até onde este projeto pode avançar". "O objetivo é aumentar a colaboração com a Universidade e criar uma entidade única que combine a medicina de reabilitação. Já enviámos um protocolo para a Secretaria da Saúde. Estamos há espera que seja aprovado", revela.

Apesar de ser uma referência a nível nacional, o trabalho desenvolvido ainda tem limitações ao nível dos números: "Funcionamos quatro horas por semana, dois dias com duas horas em cada dia, o que é pouco. Também precisamos de mais neuropsicólogas. Conseguimos ter dez doentes em tratamento, mas somos seletivos na escolha desses doentes, pois apenas escolhemos os que tem mais potencial para entrar neste tipo de tratamento", afirma Jean-Claude Fernandes.

Um dos critérios que temos é que este tipo de tratamento é só para pessoas que tenham até 55 anos. Com maior capacidade de resposta, poderíamos aumentar a idade.


[na reabilitação tradicional] a parte dos problemas da função cognitiva, ao nível da memória, de atenção, de função executiva, era subvalorizada. A parte fundamental deste projeto é que assenta num programa de reabilitação integrado, com várias valências, e com uma abordagem multidisciplinar. 
Jean-Claude Fernandes

A escolha dos doentes é feita com rigor face às limitações existentes. "Quando montámos este programa criámos critérios muito rígidos. Só entra uma pequena percentagem dos doentes que existem. Se tivéssemos mais capacidade de resposta, poderíamos ter mais. Um dos critérios que temos atualmente é que oferecemos este tipo de tratamento a pessoas que tenham até 55 anos de idade. Com maior capacidade de resposta, poderíamos aumentar essa idade", assegura.

Sofia Aguiar, médica na área da neuropsicologia desde 2006, é outro dos rostos deste projeto. "O que deu trabalho foi montar este sistema. As sessões é ligar o sistema e alterar à medida que vai havendo progressão do doente nos tratamentos", explica a médica, reforçando a ideia de que "isto não é um tratamento isolado, pois está tudo integrado num programa de reabilitação, com várias terapias". Mas, salienta, "não pode ser excessivo para o doente para não ficar cansado".

"Não é um simples jogo de computador"

Sofia Aguiar garante que este projeto "não é um simples jogo de computador" e que "em termos de eficácia, o resultado é melhor quando tudo é integrado e não trabalhar em forma separada".

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Custos
Este projeto de reabilitação cognitiva inovador não tem custos adicionais para o Serviço Regional de Saúde da Madeira (SESARAM). É financiado por fundos comunitários e nacionais.


Em termos de sessões há vários sistemas de reabilitação cognitiva, um deles online, através da internet. "Há um período por dia que o doente trabalha em casa segundo aquilo que decidimos. Temos muita comunicação com a família do doente para lhes dar as ferramentas necessárias e planear todo o trabalho que deve ser feito. Há outras tarefas sem ser no computador. Treinar atenção visual durante um mês, outro mês treinar memória cognitiva", explicou.

A participação dos neuropsicólogos neste projeto não afeta os trabalhos aos quais já estavam ligados., já que foram feitos ajustes no seu horário. "Em termos de recursos humanos não há um custo adicional [para o SESARAM], pois são profissionais já existentes e treinados para este tipo de tratamento", revela Jean-Claude Fernandes, explicando que utilizam um espaço que já existe no hospital e o material é proveniente do projeto de investigação. Os apoios monetários são obtidos através de financiamento oriundo de Fundos Europeus ou outros concursos a nível nacional. "O objetivo deste projeto é estabelecer uma base para o qual vamos desenvolver outros projetos. Há outros que já estão a desenvolverem-se mas ainda não podemos falar revelar nada", disse.
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